quarta-feira, 16 de setembro de 2009
DONA INÊS E O ESPELHO
Dona Inês tinha obesidade mórbida, certamente seria candidata a uma cirurgia de redução do estômago, mas naquela época iniciava-se a laparoscopia. A medicina evoluí. Internou com mais de duzentos quilos, não conseguia andar e mal respirava. Quando a conheci já havia perdido setenta quilos e estava na casa dos cento e cinqüenta.
Tivemos uma empatia imediata e Dona Inês me surpreendeu ao revelar imediatamente que não se olhava no espelho há mais de dois anos. Tinha mandado retirar todos os espelhos de casa, não dormia com o marido há mais tempo e não saia de casa.
Dona Inês continuou a perder peso, mas ainda se recusava a olhar no espelho. Adorava cozinhar e novelas, sonhava com elas. Entre trocas de receitas e outras conversas, contei da minha paixão pelo teatro e que iria assistir a peça Esta Valsa é Minha no teatro Cultura Artística, com a Tônia Carrero em solo interpretando a Zelda Fitzgerald . Ela me referiu que queria ser linda como a Tônia Carrero. Eu respondi que ela era linda como Dona Inês.
Trouxe para Dona Inês uma foto da atriz autografada: Para Inês um abraço, Tônia Carrero. Naquele dia ela honrou nosso pacto secreto, e com medo e coragem olhou no espelho. Dona Inês chorou e disse sussurrando: Eu até que sou bonita...
Dona Inês exibia com orgulho a foto da atriz que ficava na cabeceira de sua cama. Agora, olhava todos os dias no espelho. Ela voltará a se amar. Continuou pertinaz em sua dieta. Perdeu peso suficiente para se submeter a uma cirurgia plástica, retirou excessos de gordura e teve alta.
Nos retornos, sempre mandava me chamar estava eu onde estivesse. Sempre trazia consigo a foto da atriz e sempre alguma guloseima, uns docinhos que fazia com todo carinho para mim. Em um dos retornos estava loira e só faltou usar lentes azuis. Segredou-me entre outras coisas que tinha feito sexo com o marido. Ela estava muito bem e continuava a se amar.
Seus retornos ficaram mais longos. A última vez que a vi, estava desanimada, envergonhada, tinha ganhado peso. Tentei reanimá-la e lembrei que ela era tão bonita quanto a Tônia Carrero.
Não adiantou, Dona Inês não mandou me chamar mais, começou a faltar nos retornos e abandonou o tratamento. Um dia, avisaram-me que Dona Inês tinha morrido, e que levava em suas mãos além de um rosário de pérolas falsas, um envelope.
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Que triste! E que lindo! Isso aconteceu mesmo?
ResponderExcluirLindo texto. Já tinha lido lá em 2009. Bom reler.
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