terça-feira, 26 de outubro de 2010

A FESTA






Por que não tentar neste momento que não é grave, olhar pela janela?”Clarice Lispector

“Escrever é ferir quem se ama”Hanif Kureishi

Era sua festa de 40 anos. Estava casada com um outro amigo, tinha filhos e uma linda casa à beira de um lago.Fomos colegas, namorados. Conheci Paris pela primeira vez quando ela era au-pair na capital francesa e eu começava a trabalhar.
Nossa separação foi traumática num primeiro momento, devido a minha sexualidade, nos afastamos e depois com o tempo nos reaproximamos. Estava contente de estar ali pelos seus quarenta anos. Os locais dos convidados foram sorteados aleatoriamente. A maioria dos convidados como ela eram casados, com filhos e talvez com lindas casas como a dela à beira de lagos e montanhas.
Eu ainda solteiro, grisalho, vivia no meu pequeno AP, sem sequer ter um cão. Morava ainda como um estudante. Não tinha faxineira, trabalhava, ia à academia, às vezes viajava.Meu AP sempre uma bagunça. Estava num relacionamento à distancia que me permitia não sentir tão só e me dava segurança e proteção, mas que me fazia e me deixava no meu lugar de solitário. Tinha um certo montante guardado no banco, mas nem de longe conseguiria comprar uma casa como a dela e sequer decorar com o esmero e design com que ela decorou.
Foi legal reencontrar sua família, mas as perguntas e as conversas com o pessoal da minha mesa, logo me deixarão entediado. Por quê não me casei? Por quê isso? Por quê aquilo? Temos isso, aquilo!Queremos comprar isto!Reformar nossa cozinha. Mudar nosso filho de escola. Minhas respostas ficaram cada vez mais monossilábicas e eu queria sumir, desaparecer. O frio e a brisa lá fora me impediam que eu pelo menos tentasse fingir que fumava e saísse por um instante.
Do outro lado de mim mesmo, sem querer, começaram as cobranças internas. Um amargo de ser quem eu era, que por vezes acontece, sem eu mesmo querer.Sabe quando nas festas de final de ano, você é o ultimo dos solteiros.Ou por infelicidade, justo naquele ano seu relacionamento está uma merda. Você sabe que o caminho ;que sua vida atual é fruto de seu desejo e isto pelo menos é um alento.Mas têm algo que insiste em lhe dizer que você é errado. Que suas escolhas foram erradas. E tudo isto acontecia na minha cabeça enquanto aqueles de minha mesa não paravam de falar.
Senti uma náusea estranha, um estranhamento. Eu era um estranho, talvez estranho de mim mesmo. A comida perdeu o sabor. O menu que era elogiado aos quatros cantos da festa não estimulava mais minhas papilas. Eu olhava as pessoas , e por um momento eu só queria sair dali. Fugir, desaparecer. Eu me senti uma criança abandonada, se me abandonasse aos meus sentimentos, choraria aos prantos, desesperadamente. Às vezes me sinto sem objetivo, como se fosse um fantasma  de mim mesmo,  o fantasma dos desejos de meus pais. ... Minha amiga, sempre gentilíssima , vez por outra, vinha me salvar desta tempestade amarga.
Por sorte, os deuses inventaram o vinho. E o vinho da festa era excelente. Mergulhei de cabeça na bebida do Deus Bacco e salvei a noite, ou me afoguei. Dancei muito. Já nem sequer ouvia a música , mas dançava e ria de tudo.Tudo agora era alegria e já não sentia mas o gôsto do vinho, só a sensação do líquido lavando minha garganta. O tempo passou e não notei .Quando dei por mim, eram poucos que restavam. Eu entre os poucos e num alívio me despedi, elogiando a festa.
Mal sei como voltei para casa, devo ter dormido no taxi.Só dei por mim novamente quando acordei no dia seguinte com uma tremenda dor de cabeça, uma ressaca homérica. Era um naufrago de mim mesmo, tonto, nauseado e sobrevivente...

Desenho :Acrílico sobre tela  e desenho estudo para o quadro superior de Silvio Oppenheim






UWE SCHOLZ


Sonhei com um grande ritual pagão!Tive uma soberba visão repleta dos mais inusitados efeitos sonoros indefiníveis...”Igor Stravinsky



Estava pesquisando Benjamim Britten e seu parceiro e companheiro Peter Pears. Encontrei uma de suas óperas em DVD na Laserland.Onde o vendendor me apresentou um DVD de Orfeu e Eurídice com direção cênica da Pina Bausch, fantástico. Entre as ofertas de DVD de dança contemporânea, pesquei uma Sagração da Primavera com direção de Uwe Scholz, que nunca tinha ouvido falar e um Merce Cunningham com música de John Cage chamado Points in Space que achei chatíssimo .
A Sagração da Primavera de autoria de Igor Stravinsky, estreou em 29 de maio de 1913 no Théâtre dês Chaps-Élysées, em Paris, com coreografia de Vaslav Nijinsky, cenografia do arqueologista e pintor Nicholas Roerich, e produção de Serge Diaghilev. A música hoje é uma das mais influentes e reproduzidas composições da história da música do século XX, ícone da música erudita por ser considerada a obra que marca o ínicio do modernismo.
O balé em dois atos conta a história a imolação de uma jovem que deve ser sacrificada como oferenda ao deus da primavera em um ritual primitivo, a fim de trazer boas colheitas para a tribo.Quando apresentado pela primeira vez, a obra causou um escândalo memorável, principalmente pelas inovações de linguagem que Nijinsky incorporou à coreografia, valorizando movimentos rústicos, inspirados em hieróglifos e pinturas em pedras de homens da caverna. O fracasso marcou a separação artística de Nijinsky e Diaghilev.
Estava demasiado contente com o Orfeu e Eurídice da Pina Baush, quando na minha maratona comecei a assistir a primeira parte da Sagração da Primavera de Uwe Scholz, que consiste numa versão da música para dois pianos e um solo do bailarino Giovani di Palma do Leipzig Ballet do qual Scholz era na época o diretor artístico e coreográfo.
Apesar de ser em DVD o espetáculo é uma caixa de pandora de emoções. É angustiante, emocionante , apaixonante. Todos os movimentos do bailarino em sincronia com a música, sua relação e sintonia com as imagens projetadas no fundo e lateralmente no qual contracena com sua própria imagens em ambientes decadentes como banheiros do sub-mundo, bares underground, pesadelos, sucesso, náuseas , vômitos e a sua própria vida em depressão e caótica na carne e música. Fiquei extasiado e as imagens não me saiam da mente .
A segunda parte consiste na Le Sacre du printemps, com todo o grupo de Leipzig Ballet e a música em versão orquestrada. A coreografia é muito boa , mas não têm o desespero da primeira parte. Era bonito, mas qualquer coisa déjà-vu.
Ainda com a inquietação da primeira parte e procurando entender o que sentia, vi que o DVD continha um filme documentário sobre Scholz. O documentário inicia-se com o seu enterro em 2004 e segue-se depoimentos de parentes, membros da Ópera de Leipzig e bailarinos, além de entrevistas e depoimentos do próprio Uwe. Ficamos sabendo que a primeira parte da Sagração da Primavera é seu canto melancólico e desesperado de cisne. Que é totalmente auto-biografico e mostra o sua solidão, seu desespero em busca das criações geniais, sua insegurança, seu submundo gay de encontros às cegas e procuras desesperadas, sua baixa auto-estima e seu sentimento de não beleza que o fazia procurar o máximo de perfeição no trabalho.
Uwe Scholz nasceu em 1958 em Hessen-Alemanha, era miúdo e sempre esteve muito ligado à mãe, que o colocou na aula de dança, para que desenvolvesse uma coordenação motora mais precisa. O adolescente se apaixona pela dança e dos 15 aos 21 anos começa seu treinamento profissional em Stuttgart com John Cranko e Marcia Haydée, sua grande incentivadora e amiga. Dança profissionalmente em Stuttgart até 1985, quando aos 26 anos assume o posto de diretor e coreografo da Ópera de Zurich, onde permanece por 6 anos. Em 1991 assume o posto de coreografo chefe do Leipizig Ballet , montando coreografias que o consagraram no cenário europeu da dança como a Grande Missa de Mozart e a Synfonias de Bruckners, Beethoven e Schumann entre outras. Em sua carreira coreografou mais de 100 ballets, adorava e sabia muito sobre música clássica.
Scholz lidou com a arte tentando superar seus problemas pessoais e psicológicos, um alcoolismo que desencadeou numa pancreatite, drogas... Piração, estafa, stress, ansiedade, perda da criatividade, cobranças pessoais, sucessos, fracassos, muito cigarro e mais e mais... o obrigaram a se afastar para tratamento médico. Sem imunidade, contraiu uma pneumonia aguda que o levou a morte. Este vulcão de emoções de uma vida, que o fez viver sem e com regras, um desespero e uma solidão voraz , finalmente me fizeram entender um pouquinho do incêndio que sua coreografia para a primeira parte da Sagração da Primavera tinha provocado em mim. Entendi um pouco e fiquei feliz de conhecer este artista, que como tantos outros grandes fez sem limites da vida arte e da arte vida.

PS:Uwe me lembra o Caio Fernando Abreu.

Arte:Fabricio Matheus

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

VISTO AMERICANO

Fazia tempo que queria renovar meu visto americano. Perdi algumas oportunidades de ir aos States pois o mesmo estava vencido. A primeira vez que tirei foi via despachante. Cheguei a agendar a entrevista mas por não estar com todos os documentos , faltei. O agendamento atual esta para cerca de cem dias. Mas consegui antecipar.
Foi marcado para às 9 horas da manhã e pediam para chegar meia hora antes, pois o consulado não tinha espaço suficiente para abrigar as pessoas muito tempo antes. Pensei que chegaria no consulado, iria esperar numa ante-sala e às 9 , um pouco antes ou depois, o cônsul iria me chamar. Contaria porquê quero viajar para os Estados Unidos, talvez em inglês, mostraria os documentos e sairia no máximo às 10 horas.
No dia anterior sai em todos os jornais que a policia prendeu uma quadrilha que seqüestravam pessoas nos arredores do consulado. Como já fui seqüestrado não queria correr o risco. Iria de taxi, ou deixaria o carro no shopping do Morumbi.
Como aquariano, quase me esqueço de imprimir o agendamento e a folha DSV. No dia da entrevista, fui de carro, e assim que passei o shopping já estava na rua do consulado, com algumas placas e começaram a aparecer estacionamentos. Perguntei a uma senhora que passeava com o seu cão, onde ficava o local e ela me disse que já estava a duas quadras. Era em frente a uma fortaleza de pedras com uma muvuca de pessoas na frente.
Parei no estacionamento a duas quadras que era 4 reais a primeira hora. Assim que aproximava do consulado o preço e o número de estacionamento aumentavam. Nos arredores uma fila já grande e locais para tirar fotos, xérox, deixar os pertences, tudo com o preço variando conforme a proximidade.
Parece um matadouro , uma alfândega, não pode entrar com nada, incluindo celular, o que obriga as pessoas a conversarem para passar as horas de filas e filas . A primeira fila e para entrar na frente do consulado, depois uma outra para entrar no consulado propriamente dito, com detectores de metal e Rx. As mulheres com seus cintos de metais e bolsas eram as que mais faziam a campainha sonar e tira isto e tira aquilo. Não passa recipiente líquido o que obriga a consumir na cantina do próprio consulado.
Na fila ouve se inúmeras razões para viajar para os Estados Unidos em tempos de dólar baixo, a principal são as compras. Muitos estão em busca de comprar imóveis principalmente na Flórida e Nova York.
Passando-se pelo detector de metais a próxima fila e para pegar uma senha para aguardar a chamada para tirar as impressões digitais. Os números aparecem numa tela LCD de acordo com a plataforma. E a espera sem celular nos faz conhecer o vizinho de banco e histórias hilárias. Este é o período que mais demora. Uma dica, o primeiro horário é o mais rápido. Agenda-se cerca de 100 pessoas por horário. As pessoas nervosas amassam e destroem as senhas com os suores . Esta fase se perde facilmente mais de uma hora. Depois que se tira as digitais. Uma nova fila, agora única, para os guichês das entrevistas. Novas conversas e novas histórias. De perdas, de viagens, de sonhos.... Na minha vez a moça com um leve sotaque americano, não fez mais que duas perguntas. Não pediu para ver nenhum dos documentos que levava em duas pastas debaixo dos braços , foi extremamente rápido.
Agora pode sair do consulado, e uma nova fila, um pouco menor para se pagar o correio que devolverá seu passaporte com o visto aprovado.
Quando saí, novas filas se formavam. Não teve seqüestro e no estacionamento o funcionário disse que eu tive sorte de ter sido tão rápido.Mostrou-me como se pegava a marginal em direção ao centro ,masnão me desejou boa viagem.
Apesar da mocinha ter me dito que meu visto foi aprovado , ainda aguardo um pouco ansioso a chegada de meu passaporte com o visto.Acho que brasileiro só crê quando vê!

Dicas:
-Chegue mais cedo se quiser sair mais cedo.
-Leve dinheiro e deixe o cartão de crédito.
-Deixe o carro no estacionamento e no carro todos os metais inclusive a chave do mesmo.
-Verifique se esta com os principais documentos e principalmente com a folha preenchida e fotos.
-Tome seu café da manhã , mesmo que seu agendamento for no primeiro horário.
-Leve uma caneta.
- Boa viagem!

PS: Minha vida não é nada fácil! Preciso de férias. Começo a escrever às 21. Chove. Depois de 10 minutos acaba a luz. O celular toca, estou de plantão. Têm paciente aguardando exame desde às 18. Moro no 13 andar. Meu carro está na revisão. Termino de escrever. A luz não voltou. Desço os 13 andares, consigo taxi só na Rebouças. Chego no Hospital , os pacientes enfurecidos com razão. O computador travou. As fotos não se revelam. Enfim, controlo o caos, faço os exames. Não consigo taxi. Volto de ônibus. A luz voltou, são 23:45hr. Público o texto. Leio os e-mails.Ligo a máquina de lavar roupas,pego o Vargas Llosa:Travessuras da menina má e vou para a cama.Ufá!!!!Amanhã será um outro dia!Alguns amigos diriam:-Que Pobreza!

Arte:Fabricio Matheus

terça-feira, 12 de outubro de 2010

HELL



“L’enfer c’est les autres...”Huis Clos/JPSartre.

Hell –Paris 75016, livro best-seller na França, escrito por Lolita Pille, misto de romance e relato confessional da juventude parisiense atual.Presente de ator para atriz, transformou-se em dramaturgia e é encenado atualmente no palco do Teatro do Sesi com a atriz Barbara Paz no papel da jovem rica que usa drogas e gasta fortunas em roupas, faz sexo como quem troca de roupa e despreza os que não pertencem ao meio.
Barbara Paz , mentora do projeto, mostra no palco na pele de Hell que o caminho de atriz que escolheu é sério e de trabalho. A atriz amadurece a cada passo e a cada trabalho, firmando seu brilho de estrela no fugidio firmamento da profissão. Ela passou pelo Tapa, dividiu o palco com grandes atores e atrizes como Maria Fernanda, Etty Frazer , Bibi Ferreira entre outras e outros grandes atores.Agora o divide com Ricardo Tozzi, sob a direção de Hector Babenco , premiado no cinema , mas com direções inesquecíveis como a de Louco de Amor de Sam Shepard e Closer de Patrick Marber.
A cenografia de Felipe Tassara negra e vazia como a vida dos protagonistas, dialoga e complementa-se com a iluminação de Beto Bruel que desenha um quadrado no breu que poderia ser um Hotko na parede do apartamento, ou uma possibilidade de fuga das máscaras que os personagens BCBG(Bom Chic, Bom genre) criaram para sobreviver no VIP world.
O tema é muito atual. O consumismo, o vazio e a impossibilidade do amor. A carência do amor preenchida pelo luxo que torna os personagens perdidos e intocáveis, perdendo-se num carrossel de vaidades que estraçalha o resto mais que humano que há neles.
O vazio humano e nossas carências nunca serão totalmente preenchidas.O outro para quem vivemos e nos fazemos é quem nos salvará, talvez este seja o paradoxo da vida.Hell está tão impregnada por seu nome e sua rotina hedonista que chega a dar pena. Após mais um aborto , que é como fazer as unhas, fumar outro cigarro ou trocar de roupas. Ela se depara com uma vitrine da Baby Dior e por um instante seus olhos ficam paralisados e perdidos porque talvez este filho, esta nova vida, pudesse ser a salvação de seu abismo, ou talvez ela pudesse recomeçar uma nova vida. E são esses olhos mortos e perdidos entre outras coisas que atraem Andrea como uma Medusa. Como eles mesmos dizem: eles se completam: Ele é ela e Ela é ele em corpos diferentes.
A sonoplastia que gira este carrossel é de Murilo Hauser que é também co-diretor do espetáculo e é impecável fechando o drama com chave de ouro e ópera. O figurino de Renata Correa e assistentes já é como dizem os franceses: Il faut y aller....
A Hell da Barbara nos mostra o quanto somos carentes.O quando desejamos amar. O quanto queremos ser amado.E ao mesmo tempo saímos com esperança de consertar o que há de errado em nós , para que possamos ter a possibilidade de amar de uma maneira descomplicada, simples.
E o Andrea fecha o drama e a abandona sozinha no carrossel que como sua vida não há espaço para o pensamento e continua a girar freneticamente, como as baladas que frequenta. Hell não pode pensar, não pode parar, senão ela desaba. Neste ponto ela é completamente diferente da fashionista Carry do Sex and City ,como alguns, comparavam na saída do teatro. Carry é fashion, adora um Manolo Blahnik, mas pensa, sofre de amor, diz eu te amo e é mais humana. Penso logo, existo , não é possível para Hell, por isso ela fala rápido, fuma sem parar , não dorme...não vive....
Fiquei angustiado com a dor deles e tive vontade de pegar a Hell nos braços e contar uma história: Era uma vez um cara, que como ela era fashionista ao extremo de ter uma sunga Versace por dia para a praia de Ipanema. Pior que a Hell , levava na bolsa uma outra sunga, caso aparecesse alguém com uma igual. Versace é um pouco démodè no mundo Fashion atual.
Fazia a festa na Madison , na Century 21, na avenue Montagne e na Fauboug Saint Honore. Ia à festas VIPs.Era habitué da Queen quando morou em Paris.Tinha amigos e uma profunda solidão.Mais que solidão, um profundo vazio.Acho que nunca tinha amado??
Precisou quebrar seu castelo de cristal, descer do pedestal, ir à India , banhar  no Ganges, ser seqüestrado e quase morto por não deixar que levassem seus óculos Gucci que havia comprado em New York. Depois fez teatro, que é sua maior  paixão , a alma e chama da sua vida e de quem fugia há anos e ainda foge por tanto amor e medo.
Aos poucos foi descobrindo que precisava de cada vez menos , apesar de ainda se vestir bem, Bien Sûr!Nunca foi tão divertido ir à Gucci da Montainge com a pessoa amada e ver sua meia furada ao experimentar um sapato. E os olhos étonné do vendedor francês que não se agüentou e caiu na risada.... Foram-se os óculos Gucci, ficaram os olhos e vieram alguns da Prada. Foram-se os rolexs, ficaram os pulsos e a exatidão de que o tempo não para no seu Cartier.E aos poucos  descobriu o amor.Amou, foi amado.Ama e é amado.Tornou-se humano com um menos que é cada vez mais: o mesmo em comunhão com o melhor e o pior .... Ele poderia  aconselhar a Hell a colocar sobre uma folha uma vela a boiar no Ganges, assistir mais os pores-do-sol.Mas que isso, se tivesse um único conselho a dar, tenho certeza  que diria: -Faça TEATRO.
Hell é um espetáculo muito bem feito e merece ser visto. Há uma frase no programa: O Teatro é só. Qualquer grande trabalho se apreende na solidão dos estudos. O ator é só. O trabalho do ator é extremamente solitário, mas se divide e explode em emoção. Um grande mérito de Hell é ser apresentado no Sesi , gratuitamente e a preços populares. Acho que para a equipe deve ser uma dádiva poder dividir este trabalho com um grande público. O teatro cheio já é um espetáculo à parte.Não percam:- C’ est vraiment très bon.

P.S.: Bubble Gum é o segundo livro de Lolita Pille, que combina temas clássicos da literatura com a incoerência ultrajada da jovem Manon de 21 anos. Comtemporâneo da escritora , o escritor francês Martin Page que escreveu “ Como me tornei estúpido”, também já teve seu livro adaptado para o palco paulistano.No Rio , O Deus da Carnaficina de Yasmina Reza, direção de Emílio de Mello faz o maior sucesso. Vive la France!.

Fotos do espetáculo: Paulo Vainer
Fotos:Fabricio Matheus

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

A MORTE DE MINHA MÃE



Meus pais vieram passar a semana comigo. Quarta –feira meu pai completou 73 anos de vida e comemoramos juntos. Assim como juntos assistimos o filme canadense “Eu matei a minha mãe”, direção e atuação de Xavier Dolan. No filme,o adolescente Hulbert , homossexual de dezesseis anos, mora com a mãe divorciada, com quem vive uma história de amor e ódio, cercados de outros personagens como o pai ausente , o namorado e sua sogra liberal, sua professora que têm uma história semelhante com seu pai.
Posso dizer que foi com uma suprema felicidade que vejo meu pai chegar aos 73 anos vivo, apesar de sua hipertensão e sua obesidade. Minha mãe também viva, um pouco mais nova que meu pai, com seus problemas degenerativos da idade e eu com os meus. Sempre tive medo de perder os meus pais quando criança , adolescente e adulto. E ainda o tenho. Confesso conscientemente que também já os quis matá-los.Edipianamente , principalmente meu pai. Envelhecer é não morrer. E poder brindar com os meus velhos , os anos de meu pai, estando saudável é uma das vantagens de envelhecer com saúde.Hoje ainda me aporrinho com eles, mas não os quero matá-los. Apesar de racionalmente nossa morte estar mais próxima pelos anos de vida que temos.Minha história de amor e ódio com meus pais teve mais amor.
Nesta noite sonhei que minha mãe e eu caminhávamos por uma praia, que poderia ser a Praia Grande , ou qualquer praia de minha infância. Minha mãe convidou para voltarmos para a primeira praia pela água, nadando. Eu estranhei, por quê minha mãe nunca foi de nadar muito e sempre teve medo do mar. Disse que poderíamos sim, voltar nadando e que talvez distanciasse um pouco dela . E que ela tomasse o cuidado de se manter sempre a beira da praia.
Começamos a nadar, a água do mar era verde esmeralda. Às vezes me virava e via minha mãe nadando mais ficando cada vez mais longe. De repente quando olhei do lado notei que tinha um peixe enorme , verde-escuro, que poderia ser uma enguia gigante ou a baleia de Jonas que bloqueava minha visão e não conseguia enxergar atrás e a beira-mar. O peixe era um anteparo, não me olhava e eu procurei nadar avante para não chamar sua atenção.Quando dei por mim estava em alto-mar , sozinho, como uma ilha, distante da costa terrestre e ainda com o peixe ao lado.
O desespero de perder minha mãe de vista e talvez de morrer ali sozinho em alto mar me fizeram nadar bravamente até a costa sem me importar com o peixe , que subitamente desapareceu, numa grande onda que me levou de volta à beira-mar.
A Praia estava caótica, com muita sujeira vinda da ressaca do mar. E as pessoas estavam desesperadas como se tivesse passado um Tsunami. Comecei a procurar minha mãe e não a encontrei. Via alguns corpos cobertos de lava vulcânica e areia como os corpos expostos em Pompéia depois da erupção do Vesúvio.
A procura foi se tornando angustiante, e o vazio sufocante,como o filme Sobre a Areia de François Ozon. Por fim aceitei que minha mãe tinha morrido. Neste momento apareceu no sonho, a irmã de minha mãe.Minha tia e madrinha que não se conformava de não haver o velório e o enterro de minha mãe no túmulo onde jaz a minha avó. Ela queria colocar num pequeno caixão com o interior recoberto de cetim branco em botonê algumas roupas de minha mãe; ou uma ânfora dourada com a água do mar.
Era  31 de dezembro e agora a praia era uma mistura de Copacabana com Ipanema sem o Forte e com Os Dois Irmãos ao lado direito.Algumas pessoas desconhecidas começaram a me perguntar se eu iria ter a coragem de ficar ali para a festa e a queima de fogos, mesmo sabendo que minha mãe tinha morrido... Cheguei a sentir um ínfimo momento de remorço, mas olhei o horizonte , e o sol se punha num róseo alaranjado em tons indefiníveis com riscos púrpuras. E dentro de mim, eu soube que era assim: como o desaparecer de um vôo de pássaro no horizonte que minha mãe queria morrer. Em silêncio.... e acordei.


Fotos e Arte:Fabricio Matheus

CRAWBERRY JUICE



Meu tio de 49 anos foi diagnosticado com um tumor de bexiga. Já vinha há meses tenho sintomas e urinando sangue . Era fumante e o medo o fez fugir dos médicos. O tumor de 15 centímetros foi extirpado e depois foi submetido a uma cirurgia extensa de cerca de 10 horas onde retiram a bexiga, próstata, vesículas seminais. Colocaram um cateter renal para drenagem pois o rim já manifestava certa insuficiência e construíram uma nova bexiga com alça intestinal.
Uma das características mais notáveis de meu tio é o seu humor , sua alegria sua força e fome de vida. Meu tio adora futebol, pescar, reunir os amigos e é de uma bondade infinita. Sempre gostou de se vestir bem. E quando adolescente me levava para assistir as pornochanchadas. A única vez que o vi nervoso foi no seu casamento. Sou padrinho de sua filha.
Enfim, tudo correu bem, e está sob controle. Meu tio agora quer viver mais e mais.QUer mais e mais como uma criança.Ficou um pouco anêmico, mas têm um apetite de leão.
Meu tio mora em Itumbiara, onde nasci e faz um calor tropical cuja temperatura normal é em torno de 30 graus.O seu tratamento e seguimento transcorre em Goiânia.
No seu último retorno, a médica urologista entre outras recomendações, prescreveu suco de crawberry. A médica avisou que era difícil de achar em Goiânia e talvez ele acharia em São Paulo.
Desde o momento em que o suco de crawberry foi mencionado iniciou sua busca como ao Santo Graal. Meu tio com sua fome de viver , já em Goiânia mesmo passou por três grandes supermercados em vão , e não encontrou o líquido sagrado.
Chego em casa e meu pai pergunta se eu conheço o crawberry . Eu digo que sim, falo que é uma fruta das regiões andinas, muito comum no hemisfério norte . Usada até para fazer geléias e comer com pato assado. Meu pai se estarrece de minha sapiência sobre a fruta milagrosa e diz que meu tio ligou já três vezes e ja dá por certo de que eu acharei o suco de crawberry e o enviarei. O suco milagroso que o livrará da anemia. Eu sei onde se encontra o crawberry juice e certamente o comprei para o meu tio.
O crawberry é utilizado para prevenir e curar infecções urinárias e não para anemia. Por outro lado, é quase que impossível de se encontrar crawberry juice em Itumbiara. Falo para meus pais que para anemia ele deve comer fígado de boi, couve feita na panela de ferro e sulfato ferroso. Para infecção urinária ,muito líquido e principalmente chá de quebra-pedra que é mato em Itumbiara e encontra-se no jardim de qualquer casa.Todos eles me dizem para repetir isto para meu tio. Eu o farei brevemente , assim que ele receber o crawberry juice , pois me liga como uma criança à espera de seu presente de natal. Não vê a hora de tomar o suco e se curar.
Como meu tio é muito generoso , as pessoas e os vizinhos curiosos, tenho certeza que assim que chegar as caixas de suco, as mesmas não durarão mais que um dia. Todos irão querer provar do líquido como um água benta. Talvez ele até faça um churrasquinho para acompanhar o suco, já que parou com a cerveja.
Meu pai já bebeu um litro e ligou para o meu tio para contar que funciona e que ele mesmo já sente um conforto ao urinar. Meu tio fica cada vez mais animado e eufórico com a chegada do crawberry juice. Há um mistério e excitação que felizmente neste caso acabará num final feliz. E tenho certeza que logo meu tio voltará ao chá de quebra-pedras. Mas quantos outros em Goiás não devem estar neste momento loucos à procura do suco de crawberry.


Foto:Fabricio Matheus