sábado, 31 de outubro de 2009

O CLOWN EM MIM



Para  Colavito e  Bete Dorgam

“O Clown é a poesia em ação” Henry Miller.

“ Os palhaços sempre foram parte integrante do circo. Num espetáculo de perícia física, que produz na assistência uma reação mental – deslumbramento, espanto , admiração e apreensão- é preciso haver um complemento: um conceito mental que produza no público uma reação física, ou seja o riso” Coxe. O Clown espanta o medo , está é a sua função.


Sem apoio.
Solto na expectativa impaciente do irresistível.
Bloqueado pela ameaça circular dos compradores de jocoso,
dos famintos de angústia grotesca.
Sem trapézio, como o trapezista.
Sem halteres, como o hércules.
Sem o aparato dos músculos, como o acrobata.
Sem refúgio e sem armas, desafia o risco manejando apenas
a desarticulação do jeito humano
a deformação da máscara idiota onde
a graça estoura como um pontapé nas nádegas.
Sua ginástica tem de ser no vazio
Sobre os fios frágeis do fracasso e do rídiculo.
Dentro da roupa larga,
O corpo desengonçado
chacoalha cores, tropeça, achata-se
sobre a serragem do picadeiro.
A bofetadada do partner
faz desabar o delírio
sobre o tombo de costas... perfeito
com estalos fingidos de espinha partida e occipital rachado.
O aplauso voraz, em volta, o constringe
como uma goela de carnívoro. Filipe D’Oliveira (1991-1933).


Achei esta poesia vasculhando o Tesouro da Juventude. E estas fotos são de espetáculos clowns que assisti nas minhas férias.
Sempre gostei de circo. Nasci e passei a infância numa cidade do interior, que como todas, recebem com paradas e exibições O Circo em temporadas esporádicas. Apesar das ameaças veladas de minha mãe, para não sairmos de casa, pois poderíamos ser raptados para lavar elefantes. Ela mesma, diretora de um grupo escolar estadual, chegava em casa com as entradas. E nunca perdíamos nenhuma das apresentações dos circos que passavam pela cidade, com suas fantasias, mágicas, teatros, globo da morte, animais e etc...
Perto de minha casa, na rua de minha avó, a João Manuel de Souza, existia um campo, uma área onde se jogava pelada e era lá que quase sempre os circos se instalavam com suas lonas coloridas quando em visita à cidade.
Numa destas vezes, a Joana , nossa empregada ficou apaixonada pelo trapezista que se chamava Sinval. Quando minha mãe saía para o trabalho, minha irmã e eu ajudávamos a Joana a terminar o serviço e íamos para o circo.
Nesta vez, conhecemos tudo e todos enquanto a Joana namorava o Sinval e lhe enchia de presentes, entre eles um pingente de prata que era um basset que eu havia ganhado de minha madrinha. Passávamos à tarde entre os palhaços sem maquiagem, leões, elefantes, macacos, cachorros amestrados e os traillers dos artistas. Fomos ainda mais ao circo desta vez, e minha mãe logo desconfiou e proibiu nossas idas à noite, mas continuávamos a nos juntar a trupe todas às tardes e a Joana a namorar o Sinval.
Quando o circo se foi, ficamos mais tristes que o final de férias. Mais triste e desolada ficou a Joana. Queríamos fugir com o circo , mas tivemos medo, mas não tínhamos mais medo de lavar elefantes.
O tempo passou. A Joana esqueceu o Sinval, casou-se com outro que não era trapezista e teve uma filha, uma menina que se chama Fabricia. Eu, Fabricio, cresci e entre outras coisas tornei-me palhaço e clown. Talvez, no fundo, ser palhaço, seja o que me dê mais prazer. No Clown a fragilidade torna-se força e a força se faz frágil. A presença é o PRESENTE do palhaço e do espectador. Meu clown se chama Pampudo e nasceu com as aulas do Colavito, aperfeiçoou com a Bete. Hoje é parte da minha essência e faz parte da minha vida. Termino com uma poesia do meu pai ,que é a que mais gosto, sei de cor e chama-se:-  Confissões de um Ator.

Ah! Este palhaço que lhes fala
Vocês riem não é
Não riem não ! Todos somos palhaços. Vocês sabiam?
Dentro de minh’alma estão vocês
Num de seus cantos estão sentados a maldade e o escárnio
Noutro a bondade e a mantisidão
Represento neste palco o quê? Vocês...simplesmente vocês.
E vocês me representam não é isto?
Ah! Mais eu sou melhor que vocês, sabem por quê?
Por que eu me dôo totalmente quando represento
E vivo a vida de vocês na mais íntegra das ações, por quê eu me torno puro e verdadeiro.
E vocês aí ... sentadinhos ... cara de boa pinta, anjinhos....
Vejo os todos um a um. Com os semblantes , os mais puros e imaculados....
AH! É isso mesmo. IMACULADOS!!!
E quanta pena vocês sentem de mim, não é isso!
Não! Não ! Não é pena não!
Vejo me eu em vocês e vocês em mim ...
E quanta maldade.... e quanta bondade ....meu DEUS!

Fotos: Fabricio Matheus

LONDON






“Being good in business is the most fascinating thing of art”Andy Warhol

Gosto de escutar o som da cidade, as conversas, diferentes línguas, o ruído do dia. Não gosto de andar com phones, mas sempre tenho uma trilha sonora interna em minha vida. Neste dia , não foi London-London do Caetano que escutava quando adolescente e me vem à mente agora, devido ao título e a cidade. Ao som de Miss You dos Stones, peguei cedo o metrô em frente ao Kensington Gardens, do lado do Hyde park na Queensway station e desci na Saint Paul.Atravessei a Millennium bridge de Forster and partners, de onde se têm uma vista panorâmica da cidade, à frente a Tate Modern , ao seu lado esquerdo, o The Globe theatre e a Tower Bridge, no horizonte mais ao longe.
Na Tate Modern, passo primeiro no quarto andar e visito a exposição : Pop Life: Art in a Material World, ao meu lado um cara de jeans rasgado, camiseta branca, casaco de pele e descalços. Percorremos as salas, que se destacam pelos trabalhos de Warhol:Gems, que à luz negra , parecem autênticas e enormes esmeraldas e Damien Hirst com o luminoso dourado do Beijo do Rei Midas.Não gostei.
Das inúmeras exibições, as que mais gostei estavam no terceiro andar, Poetry and Dreams com quadros surrealistas ou com referências ao tema . Poesia e Sonhos, destacando trabalhos de Dali, Magritte, Francis Bacon. No mesmo andar, Material e Gesture com destaque novamente para Francis Bacon, Giacometti, Jack Pollock com seu expressionismo intenso no Naked man with a knife de (38-40), Robert Motherwell, Meredith Frampton com seus portraits, Nikei de Saint Phalle’s com suas shooting paintings, Emile Nolde entre outros ...
Almocei entre jovens no The Globe. Da London Bridge Station fui para o Covent Garden , desci a Floral street em direção a National Portrait Gallery, onde visitei a mostra fotográfica Gay Icons e os portraits de David Hockney , Judy Dench entre outros na exposição Take Another Look.
Na National Gallery, ao lado, passei rapidamente pelas cores dos renascentistas italianos, Rembrandts, Renoir, Monet, Manet, Corot, Pissaro , Serraut, Van Gogh, Cézanne e terminei em frente de um Picasso: Child with a dove, El niño e a Paloma, a criança e a pomba, antes de sua fase azul.
Sentei-me ao sol e contemplei os transeuntes da Trafalgar Square. Na Royal Academy of Arts visitei a exibição solo de Anish Kapoor. À noite assisti no Old Vic “ Inherit the Wind “ com o Kevin Spacey . Da Waterloo Station voltei ao som do Pink Floyd “The Wall” à Queensmean Station.
No outro dia , saí cedo, caminhando sob e sobre as folhas outonais na Bayswater Road, Holland Park avenue, Kensington street e desci a Portobello Road ao som the Jamaica Farewell gravada pelo Caetano no A FOREIGN SOUND. Subitamente , lembrei-me e sorri que quando criança adorava a música "Encontra-se de tudo em Portobello Road" do filme da Disney "Se a minha cama voasse".

Fotos: Fabricio Matheus

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

ANISH KAPOOR, FORMA E ESPAÇO NA ROYAL ACADEMY OF ARTS










A Royal Academy of Arts de Londres apresenta de setembro a dezembro de 2009 , a maior exposição individual do aclamado internacionalmente artista plástico indiano-britânico Anish Kapoor, um dos mais influentes escultores contemporâneo. O artista realizou em 2007 em São Paulo no CCBB, sua terceira mostra em terra brasilis.
Esta exposição faz uma retrospectiva de sua carreira com trabalhos antigos e novas criações, incluindo seus primeiros trabalhos com pigmentos e esculturas inspiradas nos pigmentos e esculturas dos mercados e templos indianos. Segundo o artista, o pigmento é um material físico que possui em si uma propriedade ilusória de cor. É matéria, e ao mesmo tempo parece que não é uma substância física. É algo que se espera acontecer.
Logo no espaço aberto do hall de entrada, nos deparamos com a enorme escultura Tall Tree and the Eye(2009)/A Grande Árvore e o Olhar, que consiste numa gigantesca árvore constituída de 76 bolas de metal argento polido que parecem flutuar no espaço, paradoxalmente sem peso, com a delicadeza de bolhas de sabão, refletindo e espelhando o espaço em torno conforme o movimento do espectador, imagens diversas se formam e se entrelaçam em diferentes formas e cores .
Dos trabalhos já expostos, destacam-se When I am Pregnant/Quando estou grávida(1992), em que uma bola tênue branca embaçada e desfocada emerge da superfície plana como uma barriga gestando. O Yellow/Amarelo (1999), um vasto horizonte monocromático plano, com formas subvertidas que se intercalam produzindo interfaces em diferentes tons da mesma cor, como os glaciares , por exemplo. Sugerindo uma imersão única em si mesmo sem espaço, na qual todo o campo visual seja preenchido pela singular experiência da cor.
Non-objects/Mirror?Espelhos(2009) é um seleto grupo de esculturas em espelho polido que refletem e distocem a imagem do espectador, proporcionando diferentes visões do eu, algumas produzindo sensações de vertigem, como se o eu do espectador debruçasse no abismo dele mesmo.
Shooting into the Corner/Tiro no Canto (2008/2009) é um trabalho complexo que constrói com a arte o drama da violência, com cores vermelhas que se espalham como sangue nas paredes e no chão da sala , como ato simbólico à violência humana da guerra.
Svayambh (2007), palavra do sânscrito que significa: Algo moldado pela sua própria energia, consiste num vasto bloco de cera vermelha de mais de 1,5 metros que se move quase imperceptivelmente ao longo de um trilho percorrendo duas galerias e atravessando portas, deixando suas marcas de vermelho dramático ao longo do caminho, nos arcos do prédio, à medida que se desgasta pelos contornos do espaço, como metáfora à memória e a história humana. A obra transforma o espaço e o espaço é transformado pela obra.
Hive (2009) é uma enorme escultura de metal , espremida em uma pequena área com alusão à genitália feminina.
Greyman Cries , Shaman Dies, Billowing Smoke, Beauty Evoked/Aumento do fumo e Beleza evocados(2008/2009) são montanhas construídas de estruturas cilindricas de cimento frio que preenchem toda uma galeria, como vermes, como proto-artefatos, reminiscência de formas arcaicas e ecos das formas geométricas dos trabalhos iniciais com pigmentos.
Slug (2009) inspirada na famosa escultura Lacoonte e seus filhos que influenciou toda a história da arte, feita em estrutura cilíndrica de mármore contorcido que evoca a força da serpente e termina numa elipse vulvar em esmalte vermelho brilhante em alusão a força monstruosa e a tensão entre repulsa e desejo.
A exposição de Anish Kapoor é uma experiência em que você é parte da obra. A obra de arte se torna arte quando em fusão com o espectador e o ambiente.É a mistura de um todo , que dá uma unidade ímpar ao objeto. Ao passar por suas esculturas de formas simples, curvas, monocromáticas não há como não interagir com as mesmas, com o espaço e com os outros a sua volta. A obra evoca uma participação ativa e dinâmica do público para tornar-se plena no seu espaço.
A exposição transforma o espectador , nos ensina pela vivência ao longo das salas percorridas a função da Arte para o Homem, sua importância. Não há como não sair modificado desta experiência em que você e a arte se complementam, se misturam e se transformam mutuamente como no horizonte monocromático em que uma cor exibe uma magnitude infinita dela mesma.

Mais informações:
www.royalacademy.org.uk

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segunda-feira, 26 de outubro de 2009

A CASA DE FREUD E O ORÁCULO DE DELFOS





Quarta-feira de uma manhã fria. Londres está nublada e chove fino. Meu destino é a estação Finchley Road, de onde sigo as setas que me levam ao número 20 da Maresfield Gardens, onde fica a casa de Freud, convertida em museu e aberta ao público em 1986. Freud chegou a Inglaterra refugiado da invasão nazista, deixando a Bergasse 19 em Viena que fora seu lar por 49 anos.
Na Maresfield Gardens 20, foi recriado seu ambiente de trabalho, o mais próximo como tinha sido em Viena. Freud, aos 83 anos , passou aqui seu último ano de vida, recuperando de um câncer no palato, recebendo pacientes, escrevendo memórias e concluindo Moisés e o Manoteísmo ,sua última obra.
No Hall de entrada , com alguns inscritos nas paredes de sua obra mais famosa : A interpretação dos Sonhos,dá acesso à escada que conduz ao andar superior, e à duas portas. Uma direta, para a sala de jantar com mobília campestre austríaca, proveniente da casa de campo em Hochrotherd. Na parede pequenos desenhos de diferentes lugares nos Alpes onde Freud passou algumas de suas férias. A porta à direita nos leva ao seu gabinete mais à esquerda, com sua biblioteca e o famoso divã analítico, trazido da Bergasse 19, coberto com uma tapeçaria que na borda reproduz símbolos da fertilidade: nascimento e renascimento. Sua poltrona verde escura, onde sentado escutava as “livres associações”. Acima do divã, o quadro “A Aula do Doutor Charcot”. Na sua escrivaninha, com a cadeira desenhada que parece um abraço de mulher e mãe, várias estatuetas de sua coleção, as mais importantes, a de uma velho chinês que o mestre cumprimentava todos os dias em respeito ao tempo e a sabedoria verdadeira: a da vida. Um estátua egípcia de um macaco que representa o deus da escrita:Thot. Na parede defronte ao divã, seus livros preferidos, entre eles Goethe, Shakespeare, Flaubert, Heine e Anatole France, poetas e filósofos que considerava ter encontrado em seus trabalhos perspectivas do inconsciente que a psicanálise procura explicar sistematicamente. Na parede principalmente fotos de mulheres como Martha Freud, Lou Andreas-Salomé , a princesa Marie Bonaparte e Yvette Guilbert, cantora francesa ,que Freud dizia estar sempre em busca de sua infância perdida. As janelas , hoje estão fechadas por cortinas de veludo vermelho e o ambiente exterior é reproduzido por discos com sons de pássaros e ventos.
O gabinete é repleto de peças antigas gregas, romanas,egípcias e do oriente.Sua paixão por colecionar antiguidades só era superada a intensidade pelo seu vício de fumar charutos. A importância da coleção é também evidente no uso que Freud fez da arqueologia como metáfora para a psicanálise e também dizia ter lido muito mais livros de arqueologia que médicos: - “ O material consciente se desgasta enquanto o inconsciente é relativamente imutável. Ilustrei muito de minhas observações , apontando para objetos antigos de minha sala”.
Mais à direita, na sala da frente , há parte desta vasta coleção, com objetos egípcios de Jade, que Freud dizia além de sua dureza, absorvia o calor humano. Na entrada uma replica em alto relevo de Pompéia,da jovem Gradiva , aquela que avança...Gravuras de” Édipo e o enigma da Esfinge” e do Templo egípcio de Abu Simbel anoitecendo com uma luz vermelha alaranjada saíndo da entrada principal como metáfora do inconsciente emergindo das entranhas da terra, iluminando a noite consciente.
No primeiro andar, há a sala de Anna Freud que exibe aspectos de seu trabalho, principalmente no campo da psicologia infantil.Mais uma sala de vídeos e conferências e outra para mostras temporárias.
No patamar encontra-se entre desenhos de lobos em árvore , feitos pelo seu paciente, o Homem dos Lobos,Seguei Pankejeff. Dois retratos de Freud : uma gravura de Ferdinand Schmutzer de 1926 que Freud considerava sua melhor caracterização, pelo mistério que o artista fez de seus olhos em busca de respostas e conhecimento da vida e um de 1938 feito por Salvador Dali, que Freud não chegou a ver .
À medida que ia visitando sua casa, voltei a minha própria casa, a eterna casa de minha infância na rua Tiradentes 609, centro, em Itumbiara no estado de Goiás, com suas grades e portões vermelho e branco e a frondosa mangueira que se erguia sobre o teto.Meu quarto se fez claro em minha memória, os sonhos de minha infância, meus desejos, muitos ainda são os mesmos. Eu ali, ainda em busca de mim, de minha infância. Lembrei das vezes que abandonei os livros de anatomia para ler sobre a anatomia da alma nas obras de Freud que ganhará do meu tio Ailton logo ao entrar na faculdade de medicina.Meu eu criança voltou repleto de mim. Está visita como um sonho realizado, despertou-me outros e como um espelho refletiu um pouco do meu eu perdido e do meu eu construído.
Ali na casa de Freud como num oráculo de Delfos, dei a mão para a minha criança, abracei a mim mesmo, meus feitos e defeitos e o: - Procura-te a ti mesmo, ecoou nas paredes repletas de historia e  agora da minha historia também.
Fui saindo a passos lentos, deixei que a porta se fechasse devagar, no seu tempo. Respirei fundo, contemplei o jardim e voltei pela mesma alameda coberta pelas folhas de outono.
À noite, sorri e chorei com a minha criança assistindo Billie Elliot. Por todo o teatro frases como: Be yourself! If you want to dance:Dance. Restos do dia como um sonho:- Seja você mesmo!Se você quiser dançar:Dance.O sonho e a realidade se misturavam e minha alma ensolarada fez das gotas da chuva da noite um arco-íris que iluminou com seu prisma de cores meu caminho de volta a minha cama e aos meus sonhos.



LE GOÛT DE PARIS


O gôsto de Paris não se descobre só com os olhos, mas com todos os sentidos, principalmente o olfato, paladar: lábios e língua que revelarão a suntuosidade de uma cidade irresistível,inesquecível.
Paris dos acordeãos, dos jardins, monumentos, dos metros, da moda, do charme... do gôsto de mel ao percorrer o interior de bairros em pequenas ruas do Quartier Latin e Marais. Paris dos terraços cobertos de folhas das árvores despidas de suas primaveras. Como é bonito.
Ao amanhecer , uma pequena creperia da Bastille abre sua porta e janelas espalhando um odor de pão e uvas, enquanto crianças recém despertas pulam amarelinha.
Paris nos envolve com sua alegria, seu mistério que é este paradoxo: -Há um quê de melancolia perdida, uma opacificidade que filtra a luz e a beleza e revela nossa notória insatisfação.
Os olhares impregnados de ácido como uma torta de limão, são convertidos em doces que possam sempre nos trazer de longe um sim que talvez seja um não.Enfim, talvez seja esta a explicação.
Paris onde a arte se encontra e se faz em cada canto , cada gesto, cada olhar perdido. Paris é Paris por este esturpor de luz disponível em todos os lugares e em todas as horas e se revela em plena noite retornando a luz ao amanhecer.Como um enigma.É a resposta deste enigma talvez seja sua fidelidade a si mesma.Paris toujours Paris.

Ilustrações: Paul Cox

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

UM DIA EM PARIS



É outono , e estou em Paris. A cidade parece um poema de Verlaine. Da minha janela vejo o Carré du Temple e o chão está coberto de folhas amarelas, douradas e molhadas. Chove fino e começo minha caminhada em busca de lembranças e novas descobertas. As ruas são cheias de histórias, na rue du Temple, paro num centro cultural , escola de artes, dança e teatro, no mesmo endereço onde Corneille, o criador do teatro francês, começou seu ofício em Paris. Ele escreveu tanto que hoje cornélien, é uma extenso adjetivo que significa a vez da vontade e do heroísmo, da força e da densidade literária, da grandeza da alma e da integridade e uma oposição irredutível aos pontos de vista.
Os museus fecham na terça-feira, e no meu caminho passo pelo Beaubourg onde têm uma exibição: A Subversão da Imagem. No Louvre está tendo uma exposição chamada Rivalidade em Veneza com os pintores Titiano, Tintoretto e Veronese e no Grand Palais uma retrospectiva do Renoir. Continuo pela rue de Rivoli. Na rue Saint Honoré, visito a Colette e compro meu perfume . Vejo as vitrines como uma exibição, as lojas estão vazias. Olho o quê está em cartaz nos cinemas.Já sei o quê se passa no teatro ... Atravesso a Plâce de Vendôme. Na Madeleine, paro na La Durée para comer um croissant e um macarron pistache.
Não chove mais e me sento no Jardin de Tullerie em frente a plâce de la Concorde. Do meu banco de metal verde avisto o Arco do Triunfo no fundo da Champs Elisées, a Tour Eiffel à minha esquerda...Vejo Paris inteira. Respiro profundamente uma sensação de liberdade e me aquieto lendo Joyce: Um retrato do artista quando jovem. Penso e constato : Não sou mais jovem, estou cansado .Mas as páginas me responde que todo artista têm uma alma jovem. A arte rejuvenece.
Estou em Paris , e os museus estão fechados e tenho só este dia em Paris. Caminho`a beira do Sena, e deixo o tempo me levar para o Marais, places de Vosges e a Bastille.
É outono em Paris, faz 22 graus e tenho só este dia e faço dele multiplicações e assim meu caminho de lembranças se enche cada vez mais de novas descobertas.
Á noite , só, no quarto do hotel, ainda com as luzes da noite parisiense no fundo da retina,volto-me a Joyce e como por sincronicidade ele me responde a pergunta do dia. Na página que parei, a próxima frase é escrita em latim: “ Tempora mutantur et nos mutamur in illis”, traduzindo : “As circunstâncias mudam e mudamos com elas” e adormeço sereno.

Fotos Fabricio Matheus