segunda-feira, 26 de outubro de 2009

A CASA DE FREUD E O ORÁCULO DE DELFOS





Quarta-feira de uma manhã fria. Londres está nublada e chove fino. Meu destino é a estação Finchley Road, de onde sigo as setas que me levam ao número 20 da Maresfield Gardens, onde fica a casa de Freud, convertida em museu e aberta ao público em 1986. Freud chegou a Inglaterra refugiado da invasão nazista, deixando a Bergasse 19 em Viena que fora seu lar por 49 anos.
Na Maresfield Gardens 20, foi recriado seu ambiente de trabalho, o mais próximo como tinha sido em Viena. Freud, aos 83 anos , passou aqui seu último ano de vida, recuperando de um câncer no palato, recebendo pacientes, escrevendo memórias e concluindo Moisés e o Manoteísmo ,sua última obra.
No Hall de entrada , com alguns inscritos nas paredes de sua obra mais famosa : A interpretação dos Sonhos,dá acesso à escada que conduz ao andar superior, e à duas portas. Uma direta, para a sala de jantar com mobília campestre austríaca, proveniente da casa de campo em Hochrotherd. Na parede pequenos desenhos de diferentes lugares nos Alpes onde Freud passou algumas de suas férias. A porta à direita nos leva ao seu gabinete mais à esquerda, com sua biblioteca e o famoso divã analítico, trazido da Bergasse 19, coberto com uma tapeçaria que na borda reproduz símbolos da fertilidade: nascimento e renascimento. Sua poltrona verde escura, onde sentado escutava as “livres associações”. Acima do divã, o quadro “A Aula do Doutor Charcot”. Na sua escrivaninha, com a cadeira desenhada que parece um abraço de mulher e mãe, várias estatuetas de sua coleção, as mais importantes, a de uma velho chinês que o mestre cumprimentava todos os dias em respeito ao tempo e a sabedoria verdadeira: a da vida. Um estátua egípcia de um macaco que representa o deus da escrita:Thot. Na parede defronte ao divã, seus livros preferidos, entre eles Goethe, Shakespeare, Flaubert, Heine e Anatole France, poetas e filósofos que considerava ter encontrado em seus trabalhos perspectivas do inconsciente que a psicanálise procura explicar sistematicamente. Na parede principalmente fotos de mulheres como Martha Freud, Lou Andreas-Salomé , a princesa Marie Bonaparte e Yvette Guilbert, cantora francesa ,que Freud dizia estar sempre em busca de sua infância perdida. As janelas , hoje estão fechadas por cortinas de veludo vermelho e o ambiente exterior é reproduzido por discos com sons de pássaros e ventos.
O gabinete é repleto de peças antigas gregas, romanas,egípcias e do oriente.Sua paixão por colecionar antiguidades só era superada a intensidade pelo seu vício de fumar charutos. A importância da coleção é também evidente no uso que Freud fez da arqueologia como metáfora para a psicanálise e também dizia ter lido muito mais livros de arqueologia que médicos: - “ O material consciente se desgasta enquanto o inconsciente é relativamente imutável. Ilustrei muito de minhas observações , apontando para objetos antigos de minha sala”.
Mais à direita, na sala da frente , há parte desta vasta coleção, com objetos egípcios de Jade, que Freud dizia além de sua dureza, absorvia o calor humano. Na entrada uma replica em alto relevo de Pompéia,da jovem Gradiva , aquela que avança...Gravuras de” Édipo e o enigma da Esfinge” e do Templo egípcio de Abu Simbel anoitecendo com uma luz vermelha alaranjada saíndo da entrada principal como metáfora do inconsciente emergindo das entranhas da terra, iluminando a noite consciente.
No primeiro andar, há a sala de Anna Freud que exibe aspectos de seu trabalho, principalmente no campo da psicologia infantil.Mais uma sala de vídeos e conferências e outra para mostras temporárias.
No patamar encontra-se entre desenhos de lobos em árvore , feitos pelo seu paciente, o Homem dos Lobos,Seguei Pankejeff. Dois retratos de Freud : uma gravura de Ferdinand Schmutzer de 1926 que Freud considerava sua melhor caracterização, pelo mistério que o artista fez de seus olhos em busca de respostas e conhecimento da vida e um de 1938 feito por Salvador Dali, que Freud não chegou a ver .
À medida que ia visitando sua casa, voltei a minha própria casa, a eterna casa de minha infância na rua Tiradentes 609, centro, em Itumbiara no estado de Goiás, com suas grades e portões vermelho e branco e a frondosa mangueira que se erguia sobre o teto.Meu quarto se fez claro em minha memória, os sonhos de minha infância, meus desejos, muitos ainda são os mesmos. Eu ali, ainda em busca de mim, de minha infância. Lembrei das vezes que abandonei os livros de anatomia para ler sobre a anatomia da alma nas obras de Freud que ganhará do meu tio Ailton logo ao entrar na faculdade de medicina.Meu eu criança voltou repleto de mim. Está visita como um sonho realizado, despertou-me outros e como um espelho refletiu um pouco do meu eu perdido e do meu eu construído.
Ali na casa de Freud como num oráculo de Delfos, dei a mão para a minha criança, abracei a mim mesmo, meus feitos e defeitos e o: - Procura-te a ti mesmo, ecoou nas paredes repletas de historia e  agora da minha historia também.
Fui saindo a passos lentos, deixei que a porta se fechasse devagar, no seu tempo. Respirei fundo, contemplei o jardim e voltei pela mesma alameda coberta pelas folhas de outono.
À noite, sorri e chorei com a minha criança assistindo Billie Elliot. Por todo o teatro frases como: Be yourself! If you want to dance:Dance. Restos do dia como um sonho:- Seja você mesmo!Se você quiser dançar:Dance.O sonho e a realidade se misturavam e minha alma ensolarada fez das gotas da chuva da noite um arco-íris que iluminou com seu prisma de cores meu caminho de volta a minha cama e aos meus sonhos.



Um comentário:

  1. Você começa o texto com uma redundância (Londres nublada e com chuva fina) e termina com uma metáfora (alma ensolarada etc.). Muito bonito! Parabéns!

    ResponderExcluir