domingo, 2 de dezembro de 2012

MINHA OBRA –PRIMA



Nos demais,
todo mundo sabe,
o coração tem moradia certa,
fica bem aqui no meio do peito,
mas comigo a anatomia ficou louca,
sou todo coração.”Maiakovski

Sou daqueles que a rotina sufoca, intóxica. Gosto de me renovar, do diferente, do novo, de descobrir , inventar e reinventar...
O que se repete; e o cotidiano mesmo com sua poesia, às vezes me cansa. Sim, ,  o nada, a repetição, o comum me esgota..,gosto  de desafios.
Talvez por isso, a medicina, me supre, numa parte em que talvez eu não encontrasse sendo somente artista.
Cada ser humano é único, a anatomia pode se repetir, mas têm suas diferenças no ser.
Outro dia, uma senhora tinha “situs inversus”, o que era do lado direito estava no esquerdo e vice-versa, eu viajei pelos caminhos que são criados desde a embriologia. Nisto há algo de um mistério, que só pode haver o dedo de um outro mistério maior.
E é por isso, que quanto mais complicado o caso, mas prazer eu tenho de fazer o exame.Pode ser uma coisa até doentia, mas fico cego, surdo e mudo até descobrir no emaranhado do meu pensamento o que foi apreendido e correlacionar com o quadro clinico e com as imagens que capturo, como um detetive, não abro os olhos e não volot a enxergar até descobrir e fazer o diagnostico. Nem sempre, consigo , e muitas vezes necessito de mais dados, exames. ..Outras, mesmo  depois  de feito o diagnóstico , o outro passo :- o tratamento; que  é um outro caminho, também com os seus mistérios, ou não!
Mas, desde pequeno, com o meu laboratório de brinquedo , sempre gostei  de inventar. E o ser humano , sempre me interessou , desde o átomo, hoje até ,antes do átomo; à celula e daí para diante tudo é muito ainda interessante para mim. 
A anatomia, para o médico, é tão importante, quanto para o artista, veja os estudos de Da Vinci e Michelangelo.
Outro dia, no Hospital, uma funcionária perguntou-me se poderia fazer o exame de um paciente queimado que ninguém queria fazer.Quando ninguém quer fazer um exame, o exame já se torna  mais interessante .
Quando entrei na sala, o mistério se revelou: -  Era um senhor do campo, que tinha sido acertado por um raio na cabeça. Além de estar queimado, tinha perdido o nariz e as orelhas. 
Estava sendo tratado como um rei, como o mesmo me falou. A equipe da cirurgia plástica, depois do sucesso do transplante de rosto na França, queria fazer quase o mesmo por aqui. Se bem, que o caso deste senhor era mais simples, pois seriam colocadas próteses de silicone nas orelhas e nariz e recobrí-las com pele. Os cirurgiões, além do exame das carótidas e vertebrais, queria  o mapeamento   arterial superficial da cabeça do paciente com uma caneta pilot vermelha.
O paciente falava com uma alegria , só por estar vivo, que eu com toda a minha vaidade curvei-me mais uma vez diante de  um outro mistério. Como ele sobreviveu? Cada um têm a sua hora? Perguntas? Sem muitas delongas, há algo que nunca saberemos responder, então calado permaneci, com minhas grandes orelhas , como Buda, fiquei escutando mais uma história de vida, um mundo!
Comecei o meu trabalho, cego e surdo, como um artista fui mapeando e desenhando o caminho das artérias superficiais à partir da carótida externa, fiz o trajeto da temporal superficial , da maxilar, da meníngea média e aí por diante, de um lado , depois o outro …
Quando abri os olhos, vislumbrei  o meu Móises, mas como Michelangelo, não precisei falar: _ Parla!
O senhor todo desenhando, agora com os caminhos das artérias da cabeça ,em caneta vermelha pilot,não tinha parado de falar e continuava…
Terminei meu trabalho, que nunca será exposto em galeria alguma, nunca será alvo de um leilão , ou adquirido por milhões de dólares... Mas que meus olhos, meu coração e minh’alma sabia que aqueles rabiscos, que desapareceriam, por uma causa maior,  era uma obra-prima!