quarta-feira, 29 de junho de 2011

A MORTE DA MINHA VIZINHA



Não conseguia dormir: O som, o barulho da rua era infernal. Parecia que minha cama estava no meio da Teodoro Sampaio, quando um ônibus passava parecia que passava do lado da minha cama. Aquilo já começava a perturbar minha vida e minha rotina. Estava dormindo mal. Entre meus sono e sonhos , sons de carros, buzinas e os ônibus...Ah! os ônibus!!!!
Um amigo que teve o mesmo problema , aconselhou-me de colocar janelas anti-ruídos. E foi o que fiz.
Assim que instalei as novas janelas, os sons que outrora perturbavam meus sonhos se esvaneceram. O silêncio musical, a paz voltou ao meu leito e nada parecia mais perturbar o meu repouso noturno.
Mas o silêncio que parecia eterno ,não durou muito. Comecei a ouvir vozes e barulhos que antes eram abafados e imperceptíveis pelo som que vinha da rua. Ouvia os passos do vizinho de cima e outros sons começaram a surgir num crescendo de ruídos que começaram novamente a interromper o meu descanso.
Comecei a escutar discussões altíssimas, brigas que começavam ali pelas quatro da manhã quando me encontrava no mais profundo dos sonhos. Perguntei ao zelador, o seu Aroldo sem “H”, quem era os meus vizinhos de cima.
Ele disse que era uma senhora nos seus oitenta e pouco anos. Sozinha, e que estava variando. Eu que o diga , pois a cada noite eram discussões intermináveis, gritos , batidas , sons de martelos e outros tipos.
No elevador perguntei ao vizinho de andar da senhora anciã , se eles escutavam alguma coisa. E foi um alívio para eles não sentirem os únicos perturbados pelos barulhos da senhorinha. Eles me contaram que era o dia inteiro, gritando e conversando sozinha. Ainda, do nada, deram graças por ela não ter um animal.
O seu Aroldo me contou que os filhos mal a visitavam. Que ela não permitia que se entrasse no apartamento . E o único dia em que ela parecia sã , era o dia em que recebia o dinheiro do aluguel de sua garagem.
As discussões pela madrugada afora pareciam intermináveis. Queixei-me ao sindico, o seu Bernardo, que já conhecia as queixas e era inclusive um dos atingidos, que me disse que já tinha enviado uma carta aos filhos, para que eles tomassem alguma providência, pois a tal velhinha sozinha estava atrapalhando o sono e a paz do seu andar , do superior e inferior, que no caso era eu.
Contaram-me que ela dizia que havia uma prostituta que morava no prédio e a perturbava.Entre outras histórias, sempre desconexas. Ora dizia, que tinha cortado sua cortina, entre outros causos.Sempre e todos os dias, uma nova história era contada ao seu Aroldo que sequer podia passar da porta da cozinha. O senão, é que por meses, as discussões da pobre solitária idosa perturbou todos os vizinhos. As cartas enviadas pelo sindico do prédio não encontrou respaldo nos filhos da velha. Eles sequer vieram visitá-la , e fomos nos acostumando,e nos adaptando as discussões que surgiam no meio do silêncio da madrugada e do nada e de repente nos despertava.
Algumas noites, eu mesmo pensei e quase cheguei a interfonar para conseguir calar a velhinha, mas o meu cansaço era maior. Disse ao sindico que ela precisava de uma assistência, um médico, e que certamente estava tendo alucinações entre outras coisas que ele também concordou . Disse-me, que tinha inclusive telefonado aos filhos ,sem resposta.Enquanto ela se negava a conversar com o zelador e com o sindico, e só se manifestava no dia do pagamento da garagem alugada.
De manhã ,eu abria a janela anti-ruído para que entrasse a brisa fresca do novo dia e já tinha um certo arrependimento. O mesmo amigo que me aconselhou a colocar a janela , dizia-me agora, para colocar um ventilador de teto que certamente abafaria o som superior. Conselho que não segui, por pura estética.
Na semana passada, numa noite. Ali pela madrugada , no melhor do meu sono e sonho, de súbito fui despertado por uma discussão e vociferações incompreensíveis e perturbadoras , como jamais ouvira. Quando já havia decidido ligar para a portaria ou para a própria vizinha, tudo se aquietou. Voltei a dormir e pensei mais uma vez:-amanhã pergunto ao seu Aroldo.
Inesperadamente, comecei a ouvir sons de martelos e batidas de portas, que novamente acabaram com o meu sossego que já não mais existia. Mal pensei comigo: Não é possível! Tudo se calou do nada e voltei a dormir.
Na manhã da mesma madrugada, quando saía para o trabalho, ainda garagem ,quando fui me queixar ao seu Aroldo dos ruídos da noite. Antes que eu abrisse a boca; ele com seu olhar, direcionou o meu para um carro funerário que deixava o prédio.
Ele balançava a cabeça e dizia: -Ela gritou tanto, que fomos ver o que acontecia. Tocamos o interfone, a campainha e nada... Por fim ,resolvemos arrombar a porta . Ela estava caída no corredor.Avisamos os filhos e eles mandaram a funerária.
Não cheguei a conhecer a minha vizinha solitária , anciã e abandonada pela família, que sobreviveu nos últimos dias de seus delírios que tanto perturbaram os sonos e sonhos alheios, e não ecoaram nos seus mais próximos.
O anúncio de sua morte permaneceu nos elevadores por um dia.Em menos de uma semana , já tinha uma placa de “ vende-se” em frente o prédio. Por enquanto , o resto é silêncio....

Foto:Fabricio Matheus

segunda-feira, 27 de junho de 2011

FESTAS JUNINAS



“O grande homem é aquele que não perdeu a candura de sua infância”provérbio chinês.

Eu sou de uma época que não era tão longíqua como nos tempos do imperador, e de uma cidade do interior em que as Festas Juninas eram esperadas e celebradas sempre com alegria, promessas ou em louvor à vida.
As festas juninas estão historicamente relacionadas aos rituais pagãos do solstício do verão do hemisfério norte, e aqui chegaram com a colonização portuguesa , inicialmente chamadas de joaninas em honra a Dom João VI, ficaram juninas por serem em Juno e datadas nos dias dos santos populares da terrinha; dia 13 de junho dia de Santo Antônio, dia 24 de junho São João e 29 de junho São Pedro.
Eu não sabia disto, elas me foram introduzidas pelas histórias e pelo encantamento dos fogos e da fogueira. A fogueira segundo a lenda católica vêm de Isabel que a ascendeu para pedir ajuda à Maria e avisá-la sobre o nascimento de São João Batista. As cores das bandeirinhas, e toda a preparação da festa me encantava. As comidas eram feitas de milho , mandioca e muito amendoim.Tinha o quentão , o vinho quente que era de certa forma proibidos para as crianças, só podíamos provar.
Os mastros adornados e coloridos, exibiam as imagens dos santos a que o dia evocava. Mas o mistério maior eram as simpatias contadas por minha avó. Segundo ela colocava-se numa bacia virgem cheia de aguá , alguns limões colhidos no dia com o nome da pessoa, os limões que se encontravam eram os pares que se casariam, e foi assim que a tia Juraci encontrou o tio Chicão. Na véspera de São João, ou Santo Antônio, ao se introduzir uma faca virgem numa bananeira à meia-noite, a mesma amanheceria com a inicial do futuro marido ou mulher.
Tudo era à meia-noite da véspera, e tudo tinha que ser virgem e intocável. Por exemplo , ao se acender um fósforo à meia-noite na frente de um espelho virgem , jamais olhado por alguém , ver-se- ia a imagem do futuro ou eterno amor e muitas outras histórias me foram contadas.
Tinha o pau- de- sebo, a sanfona que embalava as noites frias, as quadrilhas e as roupas xadrezes, muitas delas de flanela. Sempre os remendos nas calças, o falso bigode ou a falsa barba, o pito e o chapéu de palha ou “ paiá".
Na escola, durante a minha infância apesar de toda a alegria, eu sempre ficava ansioso e com medo. Sempre era o último a ser escolhido como par para a quadrilha por ser gordinho, lembro-me que na quarta série só me sobrou a Soraia.Depois foi ficando mais fácil, à medida que eu crescia e perdia peso, assim fiz par com a Jussimar, com a Silvana e no colegial já em São Paulo com a Ana Rita, e ganhamos o prêmio de noivos do ano, que eram algumas canetinhas coloridas. Eu usava uma calça boca de sino roxa e acho que ganhei por queê fui andando com os trajes pelas ruas de Pinheiros e me viram chegar andando como um verdadeiro caipira  mundando que sou.
Tinha muitas brincadeiras, mas a eterna era a pescaria. Tinha os correios elegantes para se mandar mensagens à pessoa querida. As prendas, e a eleição da rainha da festa ,que era aquela que conseguia arrecadar mais dinheiro para a escola ou a paróquia. Eram sempre vários acontecimentos, tinham os casamentos, os batizados ao redor da fogueira.Eu mesmo fui padrinho da Jaqueline que hoje mora em Jericoacoara. E depois de tudo, com a fogueira quase só carvão, tinham aqueles, os de muita fé e coragem, que caminhavam descalços sobre o vermelho incandescente da brasa que era reacesa, mais um mistério entre os tantos outros.
Como disse o Caetano Veloso em sua coluna do Globo de domingo (26/06), “as canções e histórias que aprendemos na infância atingem uma grandeza dentro de nós inalcançável pelas que ouvimos na maturidade.”
Hoje, em minha cidade natal, uma das maiores festas populares é o “Arraiá” que acontece em junho e mantêm a tradição das festas juninas. Neste final de semana fui com amigos na festa junina da Igreja do Perpétuo Socorro, ainda existe algumas em Sampa, como a da Igreja do Calvário que resistem e mantém a tradição.
Ao som do forró , das roupas coloridas , de comidas típicas e de um padre desbocado que conduzia a quadrilha com um humor único.Revi minha infância não perdida, mas guardada num escaninho secreto , e como num conto de Andersen , ao som da sanfona, do triângulo e dos casais e crianças dançando, minha avó me contava novamente todas as suas histórias...

Arte:Fabricio Matheus

domingo, 26 de junho de 2011

TRILHAS SONORAS DE AMOR PERDIDAS


“No teatro descobri que existem duas realidades, mas a do palco é muito mais real”Arthur Miller

“Faço teatro para incomodar os que estão sossegados.”Plinio Marcos

“O mundo é um grande palco de teatro, onde nós somos os principais atores diante do grande espetáculo da vida”Nelson Rodrigues

Há peças de teatro que ficam para sempre em nossas vidas, eu poderia citar algumas, mas Trilhas Sonoras de Amor Perdidas, é uma destas que ficará para sempre em minha vida. A peças esta em temporada no Sesc Belenzinho, como parte da mostra da Sutil Companhia de Teatro que completa 18 anos sob a direção de Felipe Hirsh, que está com outras peças em cartaz no Sesc Thom Pain e Lady Grey de Will Eno da companhia e no teatro FAAP com Pterodáctilos com Marco Nanini e Mariana Lima.
Trilhas Sonoras de Amor Perdidas, seria a segunda parte da Trilogia Som & Fúria iniciada em 2000 com “ A vida é Cheia de Som e Fúria” , peça que fez conhecida a companhia no eixo Rio –São Paulo.
Várias canções costuram a história do personagem principal que nos conta sua vida , sua história de amor e morte, o que é comum a qualquer ser mortal como nós. A direção é precisa, o cenário de Daniela Thomas e Valdy Lopes é simples, mas o necessário, nada supérfluo. A iluminação de Beto Bruel também na medida certa. Figurinos de Verônica Julian, naquele ditado do menos é mais. Ressalto a assistência de operação de iluminação e vídeo e a operação da trilha sonora por Sarah Salgado e NIetzche, respectivamente, com o mesmo nome do filósofo.
Mas o fundamental disto tudo ,é o que liga e faz a intersecção , a química do espetáculo é o ator Guilherme Weber. Tive a sorte de em menos de dois dias vê-lo atuar em Thom Paim e no Trilhas, e o palco é dele. Ele nos encanta enquanto ator e nos arrebata com o personagem que narra sua história de vida , amor , medos e perdas costuradas pelas músicas , pesquisadas pelo diretor que é um espetáculo à parte. Guilherme Weber é um dos melhores atores da atualidade, é generoso para com suas parceiras , é diferente em cada personagem. Cada trabalho seu é um lapidar da alma alheia ; seu personagem de Thom Paim não têm nada haver com o do Trilhas. O ator ao narrar sua história de vida, do personagem, com suas canções, nos seduz.Ficamos à mercê de suas ações, e entregues ao seu domínio e somos incapazes de conter nossas emoções . Como diria , qualquer um, ele nos leva à catarse definitiva. Por mais diferentes que sejamos daquele que nos fala, há algo em comum que identificamos de pronto em nossa alma, e nossos olhos ficam marejados, nossa razão se esvai é somos todo sentimento.
Sou muito racional, fico analisando tudo: Luz, cenário, figurino, estrutura dramática do texto que inicialmente achei até parecida com o Rock n’Roll do Tom Stoppard, mas menos político e mais pessoal, que também é outra forma de transformar o mundo. Como médico veio o por quê daquilo, pois já vivi situações parecidas. Algumas músicas faziam parte de minha história, apesar de minha história ser diferente da do protagonista.Temos o mesmo tempo, é fui de uma época em que gravei muitas fitas cassetes, para diferentes fins, mais principalmente para o amor. Mais que gravar fitas cassetes, a música é parte de minha vida. Toda a minha história, lembranças, memórias são entremeadas de música, tenho uma trilha sonora e minha vida poderia ser contada em música.
Natália Lage acompanha bem Guilherme nesta viagem como Soninho, a participação de Maureen Miranda é pequena , mais é uma atriz que preenche o palco. Isabel Wilker têm DNA, mas precisa de tempo e de sentir um pouco mais o que diz, não no sentido Stanislavski, no sentido de uma verdade que talvez o tempo de observação da atuação do Guilherme Weber a faça descobrir.
Escrevo pois não consigo dormir sem expressar o que todo o meu ser vibra neste momento depois da transformação vivida pelo espetáculo. Às vezes para organizar meus pensamentos à escrita tomo um gole de vinho que é a bebida do Deus do Teatro, e me faz celebrar a felicidade de minha vida , e de ter assistido um espetáculo tão forte e vivo .
Eu diria que como o personagem de Trilhas ,ainda não resolvi certas questões de minha vida, e o teatro é uma delas.Certamente por medo!O teatro é minha grande paixão, responsável pelo meu aprendizado de vida. Sou ator, mais antes de ser ator, quando era um mero espectador como o Tom Wingfield , personagem de Tenessee Williams e vivia minha vida mais no cinema e no teatro; foi nos bastidores da peça Jardim de Cerejeiras de Tchekhov que Sergio Brito me disse, se você quiser ser do teatro ,você têm que conhecer a vida. Como médico que também já fui, escutamos muitas histórias de vida e morte.Mas para conhecer realmente a vida, há que se ler muito e viver mais ainda a sua vida antes de viver a vida alheia.Acho que um pouco eu aprendi?
Algumas peças como já disse ficam para sempre em nossas vidas. “Al di lá” do filme Candelabro Italiano, hoje me faz lembrar mais a abertura da peça A cerimônia do Adeus escrita e dirigida por Mauro Rasi, que a própria Itália. Peças como Adorável Julia com a Marília Pera. De braços abertos com Irene Ravache e Juca de Oliveira. Morte Acidental de um Anarquista e Cyrano de Bergerac com o Fagundes. Vêm Buscar-me que ainda sou teu do Sofredini dirigida pelo Gabriel Vilela, que dirigiu a mais bela montagem de Romeu e Julieta com o Galpão e tantas outras viscerais do grupo Vertigem. El dia em que me queiras do Cabrujas com o Folias. Denise Stoklos.Fernanda Montenegro e Fernanda Torres. Raul Cortez, Paulo Autran, Renato Borghi. Giovanni do Baldwin dirigida pelo Iacov com o Caíque Ferreira e tantas , tantas outras... As atuais: O Idiota , Deus da Carnificina e Luis Antonio Gabriela.
Mas nesta noite de chuva. Noite em que aconteceu na cidade de São Paulo uma das maiores paradas Gays, em prol da diversidade, do respeito e da dignidade do ser humano. Numa sala de teatro na zona leste, um texto permeado de músicas apaixonantes, com um ator apaixonado que contava uma história de amor costuradas por estas músicas, emocionou- me.Fez-me chorar e sonhar. ..Tocou naquele lugar desconhecido, talvez na alma ou no coração, não sei precisar a localização, mas que todos os humanos têm. E é lá que o teatro como arte consegue ser eterno.Nesta recôndita área de luz , sombra e todas as cores, que as palavras desta história transformou minha vida para sempre...
Se  ainda tivesse um gravador, gravaria uma fita cassete cinza TDK, mas certamente farei  uma play-list particular  com o nome :Trilhas Sonoras de Amor Perdidas,que é imperdível, a peça. Como diz o programa:- saí da peça "sem fôlego", mas não só com o coração, saí inteiro coberto de poesia... e vida. 

Arte:Fabricio Matheus

segunda-feira, 20 de junho de 2011

MIDNIGHT IN PARIS



“We’ll always have Paris” do filme Casablanca

“Paris é um seminário, um curso de pós-graduação em Tudo. "James Thurber, em uma carta a um amigo (1918)

"O amor só vale a pena quando o sexo suspende nosso medo da morte"E.Hemingway

Se você é apaixonado por Paris como eu sou, não perca o novo filme de Woody Allen:Meia-noite em Paris.
Logo na sequência de abertura já dá vontade de sair do cinema e embarcar no vôo da Air France sem escala para sair caminhando à beira do Sena.
A história que para alguns pode parecer ingênua , um conto de fadas, um “cinderelo” que depois da meia-noite encontra seus pares e sua turma.
O personagem principal Gil Pender vivido pelo ótimo ator Owen Wilson, está de férias em Paris com sua noiva. É um bem sucedido roteirista em Hollywood, mas não se sente feliz. Seu sonho é escrever um romance que se iguale aos seus ídolos; escritores americanos que viveram em Paris nos anos 20.Sua noiva , que ele se diz apaixonado, não têm nada de comum com seus desejos , projetos e sonhos... às vezes , nos sabemos disso, sentimos, mas não queremos enxergar, por medo da solidão e outros medos.
Não se preocupe que não irei contar a história: Il faut y aller!Todos os atores estão bem, e a Carla Bruni fez direitinho seu papel.
Toda viagem já é uma grande descoberta. Num de seus pensamentos, o protagonista  nos diz, que o progresso é ótimo.Sair em busca de novos mundos.Descobrir o espaço, novos seres; tudo isto é interessantíssimo. Mas ainda bem que existe Paris. E feliz dos seres que sabem que há no mundo uma cidade como Paris, onde, como no cinema você pode fazer seus sonhos se tornarem verdades. Onde ,somente de se perder , exista a possibilidade de descobrir-se no seu caminho.
E é isso que Allen nos mostra, Gil se perde todas as noites depois das doze badaladas , para se encontrar com ele mesmo no seu mundo real. Há quem diga que algumas soluções do diretor parecem ingênuas, mas as mesmas arrancam gargalhadas da platéia.Identifiquei-me de imediato com o personagem. E fiquei feliz de já ter realizados sonhos na cidade luz, desde os mais simples como passar um aniversário com um pic-nic na Pont des arts com a Tour Eiffel brilhando ao longe, no frio de chapeuzinho de aniversário e soprando língua-de sogra.... De ser beijado quando “la grand roue” parou exatamente no meio e toda a cidade estava aos meus pés. De caminhar pela chuva, debruçar-me sobre uma das pontes do Sena e ver um casal apaixonado dançar ao som de uma acordeon “Sûr Le ciel de Paris” sans étoiles.
Gostaria de encontrar-me com meus ídolos e escritores franceses como Moliére, Rimbaud, Victor Hugo, Baudelaire, Proust, Balzac e tantos outros.Assim como gostaria de me encontrar no Rio antigo com Machado, passear em Cordisburgo com Guimarães Rosa , à beira do Tejo com Fernando Pessoa e em Florença com Dante acompanhados de Virgilio. Há algo dentro de mim que às vezes até o faz acontecer, talvez o meu segredo maior, meus sonhos e minha imaginação.
Fazia tempo que não ia ao cinema, o que para um cinéfilo é vergonhoso. Mas lavei a alma. Além de ter assistido o filme no cine Sabesp, que faz parte de minha história, desde o antigo Fiametta, e que estava lotado. Quando terminou o filme, como o protagonista, fiquei feliz da minha história, do meu tempo, reconheci-me eu. E fiz de conta que a Teodoro Sampaio era uma rua em Paris, o Champ Elysées, “pourquoi- pas” e alguma das torres da Paulista , ou da TV Cultura a Tour Eiffel. Minha alma era de uma alegria quase infantil e eu não consegui parar de sorrir para mim mesmo. ..

Arte:Fabricio Matheus

domingo, 19 de junho de 2011

MEU SOBRINHO GUSTAVO



"A verdade é que a gente não faz filhos. Só faz o layout. Eles mesmos fazem a arte-final."
Luís Fernando Veríssimo

Este é o cariótipo do meu sobrinho Gustavo, ou seja, o seu mapa genético. Tudo que o Gustavo será está contido nestas pequenas bandas destes cromossomos , identificados pelo seu tamanho, posição de seus centrômeros e padrão de onda, que estão arrumados em pares de homólogos em ordem decrescente de tamanho.
Este é o campo futuro da engenharia genética, que se fosse mais fundo no exame deste cariótipo, poder-nos-ia dizer se o pequeno Gustavo terá diabetes, câncer e outras doenças. Assim , por meio de rearranjos nas pequenas bandas específicas, realizar mutações, trocas para previní-las. Este é o caminho futuro da medicina.
Por enquanto, este mapa de pequenos “Xs” listrados, nos mostra que o Gustavo está bem , é do sexo masculino e não têm nenhuma síndrome genética.Para a nossa felicidade. Gustavo é esperado com ansiedade e alegria de toda a família.
Sabe-se que à partir dos 35 anos, aumenta-se a change de ocorrer translocações nestes pequenos “Xs” e aumenta concomitantemente o risco de uma síndrome genética, a mais comum , a Trissomia do 21, famosa Síndrome de Down.
O que quero discutir aqui, é sobre ética e medicina. No Brasil, este exame está restrito a um grupo seleto de pacientes, devido ao custo. Realizado nas Universidades nos casos de suspeitas de mal-formações fetais.Não é o caso de uma eugenia, ou seja , a criação de uma raça perfeita.Hoje as familias são cada vez menores. A mulher , engravida cada vez mais tarde, por problemas diversos, inclusive , adiando a gestação em prol da carreira e trabalho.
A verdade, é que a grande maioria das pacientes que realizam este exame, pertence a uam classe privilégiada , como disse acima, e como a lei brasileira, permite o aborto somente em casos de risco de vida materna e estupro. Alguns casos não compatíveis com a vida , já existe uma jurisprudência , permitindo o aborto. Mas , as pacientes, que têm acesso a este tipo de exame , é que apresentam alterações, recorrem ao aborto ilegal, claro, que de uma forma assistida , é sem risco. O que não é o caso, da grande maioria dos abortos ilegais , cujas pacientes recorrem por decisão própria, e inquestionável, visto ser ela a responsável legal por sua decisão, seus atos, de não levar a gestação a termo, seja o motivo pessoal que for. Estas são as grandes vitimas dos abortos ilegais, mal assistidos.A discussão é ampla , é envolve principalmente o fator sócio- econômico.
Sem falsas demagogias. Esta semana atendi uma adolescente com síndrome de Down, linda!Sua trissomia é leve. Ela tinha um problema no ombro. Sua mãe é professora do ensino secundário. Tive a liberdade de perguntá-la ,após o exame, e que ela me respondesse sem o amor de mãe que ela sente agora pela filha, de forma sincera: - Se ela soubesse previamente que sua filha fosse portadora da trissomia do 21, ela teria ou não abortado?
Ela me respondeu primeiro que  a teve antes dos vinte e cinco anos. Sua gestação fora fruto de uma relação extra-conjugal. Somente por este motivo, ela já pensará previamente em abortar. Ela teve coragem de contar para o marido , que felizmente a apoiou na gestação. Somente ele sabe, que a menina , não é sua filha. Os outros filhos e mais ninguém sabe de seu segredo. Só por este fato, ela quase abortou.
Se ela soubesse previamente que a menina, sua filha que hoje ela adora e a ama com todo o amor de mãe, seria “Down” , independente de ter sido fruto ou não de outro relacionamento, ela me respondeu com uma sinceridade, que não desmerece seu amor de mãe, que ela teria abortado.
Nesta semana, ocorreu o primeiro suicidio assistido, visto que o paciente não teria mais opção de tratamento e chance de vida, transmitido em rede de televisão.O médico que o acompanhou foi muito criticado.São temas polêmicos, assim como o aborto, mas que merecem debate e discussão ampla , pela sociedade e pelo estado.
Felizmente, minha irmã , apesar de estar acima dos 35, teve um exame com resultado normal; está tranquila , mesmo com outros problemas que podem advir de uma gestação normal, que só finaliza ,ou melhor, começa depois do nascimento.

Arte:Fabricio Matheus