domingo, 26 de junho de 2011

TRILHAS SONORAS DE AMOR PERDIDAS


“No teatro descobri que existem duas realidades, mas a do palco é muito mais real”Arthur Miller

“Faço teatro para incomodar os que estão sossegados.”Plinio Marcos

“O mundo é um grande palco de teatro, onde nós somos os principais atores diante do grande espetáculo da vida”Nelson Rodrigues

Há peças de teatro que ficam para sempre em nossas vidas, eu poderia citar algumas, mas Trilhas Sonoras de Amor Perdidas, é uma destas que ficará para sempre em minha vida. A peças esta em temporada no Sesc Belenzinho, como parte da mostra da Sutil Companhia de Teatro que completa 18 anos sob a direção de Felipe Hirsh, que está com outras peças em cartaz no Sesc Thom Pain e Lady Grey de Will Eno da companhia e no teatro FAAP com Pterodáctilos com Marco Nanini e Mariana Lima.
Trilhas Sonoras de Amor Perdidas, seria a segunda parte da Trilogia Som & Fúria iniciada em 2000 com “ A vida é Cheia de Som e Fúria” , peça que fez conhecida a companhia no eixo Rio –São Paulo.
Várias canções costuram a história do personagem principal que nos conta sua vida , sua história de amor e morte, o que é comum a qualquer ser mortal como nós. A direção é precisa, o cenário de Daniela Thomas e Valdy Lopes é simples, mas o necessário, nada supérfluo. A iluminação de Beto Bruel também na medida certa. Figurinos de Verônica Julian, naquele ditado do menos é mais. Ressalto a assistência de operação de iluminação e vídeo e a operação da trilha sonora por Sarah Salgado e NIetzche, respectivamente, com o mesmo nome do filósofo.
Mas o fundamental disto tudo ,é o que liga e faz a intersecção , a química do espetáculo é o ator Guilherme Weber. Tive a sorte de em menos de dois dias vê-lo atuar em Thom Paim e no Trilhas, e o palco é dele. Ele nos encanta enquanto ator e nos arrebata com o personagem que narra sua história de vida , amor , medos e perdas costuradas pelas músicas , pesquisadas pelo diretor que é um espetáculo à parte. Guilherme Weber é um dos melhores atores da atualidade, é generoso para com suas parceiras , é diferente em cada personagem. Cada trabalho seu é um lapidar da alma alheia ; seu personagem de Thom Paim não têm nada haver com o do Trilhas. O ator ao narrar sua história de vida, do personagem, com suas canções, nos seduz.Ficamos à mercê de suas ações, e entregues ao seu domínio e somos incapazes de conter nossas emoções . Como diria , qualquer um, ele nos leva à catarse definitiva. Por mais diferentes que sejamos daquele que nos fala, há algo em comum que identificamos de pronto em nossa alma, e nossos olhos ficam marejados, nossa razão se esvai é somos todo sentimento.
Sou muito racional, fico analisando tudo: Luz, cenário, figurino, estrutura dramática do texto que inicialmente achei até parecida com o Rock n’Roll do Tom Stoppard, mas menos político e mais pessoal, que também é outra forma de transformar o mundo. Como médico veio o por quê daquilo, pois já vivi situações parecidas. Algumas músicas faziam parte de minha história, apesar de minha história ser diferente da do protagonista.Temos o mesmo tempo, é fui de uma época em que gravei muitas fitas cassetes, para diferentes fins, mais principalmente para o amor. Mais que gravar fitas cassetes, a música é parte de minha vida. Toda a minha história, lembranças, memórias são entremeadas de música, tenho uma trilha sonora e minha vida poderia ser contada em música.
Natália Lage acompanha bem Guilherme nesta viagem como Soninho, a participação de Maureen Miranda é pequena , mais é uma atriz que preenche o palco. Isabel Wilker têm DNA, mas precisa de tempo e de sentir um pouco mais o que diz, não no sentido Stanislavski, no sentido de uma verdade que talvez o tempo de observação da atuação do Guilherme Weber a faça descobrir.
Escrevo pois não consigo dormir sem expressar o que todo o meu ser vibra neste momento depois da transformação vivida pelo espetáculo. Às vezes para organizar meus pensamentos à escrita tomo um gole de vinho que é a bebida do Deus do Teatro, e me faz celebrar a felicidade de minha vida , e de ter assistido um espetáculo tão forte e vivo .
Eu diria que como o personagem de Trilhas ,ainda não resolvi certas questões de minha vida, e o teatro é uma delas.Certamente por medo!O teatro é minha grande paixão, responsável pelo meu aprendizado de vida. Sou ator, mais antes de ser ator, quando era um mero espectador como o Tom Wingfield , personagem de Tenessee Williams e vivia minha vida mais no cinema e no teatro; foi nos bastidores da peça Jardim de Cerejeiras de Tchekhov que Sergio Brito me disse, se você quiser ser do teatro ,você têm que conhecer a vida. Como médico que também já fui, escutamos muitas histórias de vida e morte.Mas para conhecer realmente a vida, há que se ler muito e viver mais ainda a sua vida antes de viver a vida alheia.Acho que um pouco eu aprendi?
Algumas peças como já disse ficam para sempre em nossas vidas. “Al di lá” do filme Candelabro Italiano, hoje me faz lembrar mais a abertura da peça A cerimônia do Adeus escrita e dirigida por Mauro Rasi, que a própria Itália. Peças como Adorável Julia com a Marília Pera. De braços abertos com Irene Ravache e Juca de Oliveira. Morte Acidental de um Anarquista e Cyrano de Bergerac com o Fagundes. Vêm Buscar-me que ainda sou teu do Sofredini dirigida pelo Gabriel Vilela, que dirigiu a mais bela montagem de Romeu e Julieta com o Galpão e tantas outras viscerais do grupo Vertigem. El dia em que me queiras do Cabrujas com o Folias. Denise Stoklos.Fernanda Montenegro e Fernanda Torres. Raul Cortez, Paulo Autran, Renato Borghi. Giovanni do Baldwin dirigida pelo Iacov com o Caíque Ferreira e tantas , tantas outras... As atuais: O Idiota , Deus da Carnificina e Luis Antonio Gabriela.
Mas nesta noite de chuva. Noite em que aconteceu na cidade de São Paulo uma das maiores paradas Gays, em prol da diversidade, do respeito e da dignidade do ser humano. Numa sala de teatro na zona leste, um texto permeado de músicas apaixonantes, com um ator apaixonado que contava uma história de amor costuradas por estas músicas, emocionou- me.Fez-me chorar e sonhar. ..Tocou naquele lugar desconhecido, talvez na alma ou no coração, não sei precisar a localização, mas que todos os humanos têm. E é lá que o teatro como arte consegue ser eterno.Nesta recôndita área de luz , sombra e todas as cores, que as palavras desta história transformou minha vida para sempre...
Se  ainda tivesse um gravador, gravaria uma fita cassete cinza TDK, mas certamente farei  uma play-list particular  com o nome :Trilhas Sonoras de Amor Perdidas,que é imperdível, a peça. Como diz o programa:- saí da peça "sem fôlego", mas não só com o coração, saí inteiro coberto de poesia... e vida. 

Arte:Fabricio Matheus

Um comentário:

  1. Que texto bacana! E a gente sempre aprende com sua vivência nas artes. Congrats!

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