terça-feira, 31 de agosto de 2010

OURO PRETO




Ouro Preto , antiga Vila Rica, cidade barroca entre as montanhas mineiras, cujo solo, outrora, repleto de ouro e gemas preciosas. Palco de exploração e lutas pela liberdade da pátria colonizada e explorada . Gritos e sangue , ainda hoje , ecoam e escoam pelas pedras de suas ladeiras.
Ouro Preto lembra-me “ O Romanceiro da Inconfidência” de Cecília Meirelles , que li no colegial e assisti como tarefa com Os Trovadores Urbanos no Teatro Aliança Francesa com o Rubens de Falco, Maria Fernanda e Antonio Petrin, levado pela minha tia Luizinha, com quem morava e que dormiu durante toda a récita.Época que não pude ir na excursão do colégio para as cidades históricas, pois tinha que visitar meus pais.
Ouro Preto que visitei quando já estava na Faculdade de Medicina. Cheguei à noite, vindo de Cordisburgo.Era julho, ainda não se falava em aquecimento global. Fazia muito frio, com uma névoa que parecia gelo seco e veramente teatral com a iluminação amarelo fosco dos lampiões , que refletia na cor prata sobre as pedras das ruas, criando um mistério na atmosfera ou talvez na minha imaginação, que voltava ao século XVIII e escutava os passos dos inconfidentes como Tomás Antônio Gonzaga e sua musa Marília , Claúdio Manoel da Costa e de Joaquim José da Silva Xavier ;e relembrava seus pseudônimos, como o pastor Dirceu, Glausceste Saturnio e o grande Tiradentes, respectivamente. As poesias, as histórias, as cobranças de impostos, a Derrama... quando vi já estava em frente o Albergue , onde fiquei , que tinha sido a antiga residência da poetisa árcade Bárbara Heliodora.
Bárbara Heliodora, hoje mais conhecida por ser o nome artístico de Heliodora Carneiro de Mendonça, mestra e grande crítica teatral e autoridade quando se fala de Shakespeare e do teatro Elizabetano.
Já no beliche do quarto do albergue e tremendo de frio, com o pensamento nas histórias do local , adormeci e mal sonhei.
Pela manhã , com o guia da cidade escrito pelo poeta Manuel Bandeira, fiz caminhos, descobri igrejas, visitei antigas minas e ia ilustrando as histórias lidas e rememoradas nesta minha primeira estadia na cidade.
Voltei outras vezes à Ouro Preto, fico sempre no Grande Hotel, projetado pelo Niemeyer, que é como ficar numa obra de arte numa cidade de arte. Ainda sigo os passos do Bandeira, seus conselhos e seus caminhos. Volto às vezes aos mesmos locais e sempre descubro algo novo, sempre recrio novas histórias. Revejo as obras de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, Mestre Ataíde , Mestre Piranga e outros...
Mas sempre é triste retornar à Ouro Preto, pois a cada volta, encontro a cidade mais abandonada, mais destruída e sem conservação.
É vergonhoso, o desleixo do governo brasileiro em relação ao patrimônio histórico do país. O que reflete no ínfimo incentivo à política educacional e cultural. A colônia continua colônia de uma política oligárquica e antiga, que nos governa à séculos e mantém o povo alienado e parcialmente feliz.

Fotos:Fabricio Matheus

PAMPULHA



O conjunto arquitetônico da Pampulha (1949/1944), projetado por Oscar Niemeyer (1907) sob encomenda do então prefeito de Belo Horizonte, Juscelino Kubitschek(1902/1976), afirma o momento de expansão e transformação urbana da cidade.
O projeto inicial previa a construção de cinco edifícios: um cassino, um clube de elite, um salão de danças popular, uma igreja e um hotel que não foi realizado. Todas as construções em torno do lago artificial criado com paisagismo de Burle Marx (1909-1994).
Os principais edifícios do projeto foram pensados como um conjunto onde cada elemento poderia ser visto de forma independente mas em estreita relação ao entorno, como uma moldura natural e inspiração para uma nova arquitetura no qual o rigor das retas fora quebrado por curvas e marquises irregulares que viria a se tornar uma das marcas da arquitetura de Niemeyer, nos seus projetos posteriores; como Brasília e outros pelo país e mundo afora.
O centro do projeto partiria do então Cassino, hoje Museu de Arte da Pampulha, construção pioneira na utilização de superfícies envidraçadas verticais e horizontais com função de iluminação e da comunicação entre o exterior e o interior.
O Iate Clube , hoje é pouco visitado como ponto turístico, e cuja construção inicial encontra-se completamente encoberta por uma construção reta de concreto e quadras de tênis em total desarmonia com o projeto e arquitetura original.
A Casa de Baile, com desenhos curvilíneos predominantes e uma marquise sinuosa que lembra a atual marquise do Ibirapuera, atualmente é local de exposições temporárias de artes plásticas.
A Igreja de São Francisco, a obra –prima do conjunto , inspirada na arquitetura do aeroporto de Orly de Paris, é constituída por uma abóbada parabólica de concreto curvo, recoberta por um trabalho de mosaico do artista plástico Paulo Wernech(1907-1987) ,que permite concentrar a atenção no mural de São Francisco realizado por Cândido Portinari (1903-1962), que também é a autor da composição azul e branca de azulejos que cobre a fachada posterior da capela. O batistério no interior com linhas curvilíneas e painéis de bronze do escultor Alfredo Ceschiatti(1918-1989), com cenas da gênese biblíca. A estrutura espacial e a forma , proporciona grande impacto visual , causando até certa sensação mística e expressionista, plena de lirismo, transformando-a em espetáculo museu.
O inusitado da decoração do templo, acrescido da releitura barroca inventiva de Niemeyer, chocou a opinião pública e as autoridades eclesiásticas da época, sendo que a consagração do templo só se deu nos anos 60.
O conjunto da Pampulha, signo do chamado modernismo planejado, é um marco da arquitetura moderna no Brasil e no mundo.

Fotos:Fabricio Matheus

segunda-feira, 30 de agosto de 2010

O INVERNO DA LUZ VERMELHA









“Dr.Stockmann:...Eu que hoje sou o homem mais forte desta cidade!....
Sim, não tenho receio em afirmá-lo: Sou hoje um dos homens mais fortes do mundo...
....Ouçam com atenção o que vou lhes dizer: o homem mais forte que há no mundo é o que está mais só....” H.Ibsen do Inimigo do Povo


Coincidências....A primeira vez que fui a Amsterdã, cheguei via Berlim e estava com o cabelo descolorido. Havia passado pelo Itália; Grécia, onde achavam que eu era um distribuidor de drogas pelo meu visual. Em Berlim, nada.... E no trem , na fronteira da Alemanha com a Holanda quando solicitaram meus documentos e passaporte e viram minha identidade de médico sequer pediram para abrir minha mochila.
Cheguei em Amsterdã quase meia-noite e só tinha o endereço do Albergue da Juventude. Fui caminhando da estação , e quando dei por mim estava em pleno bairro vermelho, com suas vitrines e suas prostitutas. O albergue estava lotado ,mais deram-me um colchão e um lugar na sala, pois no dia seguinte teriam vaga. Eu lembrava do Felipe, um amigo, dizendo que de Amsterdã ele só lembrava de Flashes descontínuos e eu adormeci querendo que Amsterdã acontecesse em flashes ....No Albergue conheci um jovem alemão, enfermeiro que raspava o cabelo e uma jovem austríaca que estudava biologia e usava um percing no nariz e dizia que para os europeus Amsterdã significava : No Stress at all! Dos space cakes e etc aos moinhos e tudo mais comigo aconteceu junto com meus companheiros, até eu pegar um ônibus para Londres , meu próximo destino e ainda em Amsterdã , lembrá-lá só de flashes.... Que até hoje os lembro olhando minha foto com a cabelo parecido com o da Denise Stoklos.
Esta semana assisti a uma série de filme sueco:” Os homens que não amavam as mulheres “, seguido da segunda parte “A garota que brincava com fogo” cuja protagonista usa um percing no nariz. Muito bom, histórias, intrigas e solidão... Coincidências....
Terminei a semana no teatro FAAP assistindo a peça O Inverno da Luz vermelha, do americano Adam Rapp , dirigida pela Monique Gardenberg que para quem assistiu “Os Sete afluentes do Rio Ota” dispensam as palavras. Os atores: André Frateschi, Marjorie Estiano e Rafael Primot, jovens atores , com uma doação e abraçando os personagens com uma verdade que só no teatro. André e Marjorie também são músicos.
Adam Rapp é um jovem escritor americano de peças e romances , diretor de teatro e cinema e músico, artista múltiplo. A peça O Inverno da Luz vermelha foi escrita em 2005, o quê inicialmente parece que vai ser mais uma história bobinha de adolescentes perdidos, é conduzida com maestria pelo autor que com suas palavras disseca a emoção humana com uma escrita sensível e diálogos precisos, cortantes e atuais com metalinguagens e metáforas. A tradução de Eduardo Muniz e Ricardo Ventura é de tirar o chapéu,primorosa.
Assim, o herói romântico Matheus, formado em letras , amante de Machado, Rimbaud e Camus, dividido entre a escrita de roteiros para cinema e/ ou teatro, onde mistura a sua vida e nos conduz por uma teia intrigante com seu amigo Davi e a prostituta Cristine, que Davi arruma no bairro da Luz vermelha para tirar Matheus de um celibato depressivo.
A primeira parte se passa em Amsterdã. A segunda parte, talvez numa kitnete da praça Roosevelt, não importa. Onde Matheus nos mostra , como a experiência de uma noite transformou as suas vidas de maneiras diferentes.
O cenário é de Daniela Thomas, sem comentários, talvez inspirado em Dogville do Lars Von Tries ,isto é o de menos, funciona muito bem. A iluminação do Maneco Quinderé é uma aula de pintura e cores. O figurino do Cássio Brasil, um ponto a mais...Enfim, um grande time, uma família, que às vezes , acontece no teatro, e o resultado é uma Grande peça.
Ainda agora escrevendo, revivo quente a emoção que senti e lembranças que a peça despertou em mim .C’est genial e imperdível.
Coincidências , ou não, um de meus nomes é Matheus.

Foto1:André Gardenberg

terça-feira, 17 de agosto de 2010

CABO DA BOA ESPERANÇA



“Deus ao mar , o perigo e o abismo deu,
Mas foi nele que espelhou o céu.”F.Pessoa

Escrever sobre o Cabo da Boa esperança é lembrar das aventuras dos heróis portugueses que o cruzaram, desbravando mares nunca dantes navegados. É lembrar dos poemas de Camões e Pessoa. No caminho lembrava de Sagres ,de onde partiram as Caravelas . Adoro extremos, pontos extremos de continentes, promontórios, falésias e isso já era motivo de alegria e excitação pelo passeio que iniciava. Conhecer novas paisagens, além do céu que nesta manhã estava estonteante de tão azul.
Saindo de Cape Town, rumo a leste, por detrás da cordilheira de montanhas dos doze apóstolos , que na verdade são dezessetes picos montanhosos que abraçam a famosa e badalada praia de Camps Bay.
Nossa primeira parada foi em Muizenberg, cidade de colonização holandesa, com seu antigo posto militar na montanha que domina a praia de águas calmas , brancas areias com várias casinhas de madeira coloridas com cores fortes e primárias que dão um charme especial ao local. A estação ferroviária fica na parte rochosa da encosta, numa curva da baía , conhecida como Surfer’s corner, cujo nome já explica tudo...
Continuando à beira-mar, passamos por Fish Hoek, com uma longa faixa de praia que lembra qualquer balneário de férias familiar.
Paramos na pitoresca Simon’s Town, em Flase Bay que abriga uma base da marinha sul-africana desde 1957. Na cidade pode –se fazer caminhadas guiadas ou se perder sozinho pelas pequenas ruas curvas e ladeiras.Visitar o Simon’s Town Museum que preserva a história dos navios que navegaram na região. Na frente do porto da Marinha, ao lado de um charmoso shopping , está em bronze a estatua de um cão dinamarquês que foi o mascote dos marinheiros britânicos baseados na cidade durante a Segunda Guerra Mundial.A maioria dos Pubs conservam a decoração da época , alguns cujo sub-solo foram alojamentos de escravos.
Entre Simon”s Town e o Cabo da Boa Esperança, pela M4, passa-se por baías cercadas de rochas graníticas que permitem mergulhar com segurança. Nos períodos de setembro a novembro pode se visualizar baleias e encontrar golfinhos e focas. Uma das grandes atrações é o Boulders , ou a ilha dos pingüins , uma colônica protegida que abriga cerca de 3000 pinguins africanos.
Conhecido anteriormente como cabo das Tormentas, devido aos fortes ventos e o encontro estratégico entre duas maiores correntes oceânicas. O Cabo da Boa Esperança foi rebatizado em 1488 por Dom João, rei de Portugal como um presságio positivo para a nova rota para as Ìndias.
Hoje uma reserva ecológica com rica fauna marinha, fauna terrestre desde pequenos antílopes , zebras de montanhas à inúmeros babuínos. Pássaros incontáveis e diversos e uma flora com mais de 1200 espécies, principalmente de pequenos arbustos e flores exóticas.
Há várias trilhas que podem ser percorridas . No extremo do promontório: O Cape Point está o farol original. O atual mais abaixo foi construído durante a Segunda Guerra Mundial. Venta-se muito e às vezes têm-se a sensação de que este vento forte vai te levar alhures.
Perto do novo Farol, por um pequeno caminho chega-se a uma das praias mais linda que meus olhos vislumbraram e se encheram de beleza: A Dias Beach, cercada de falésias , um mar d’água cor azul topázio imperial, brancas areias que cantam ao caminhar... Do outro lado à direita fica o Cabo da Boa Esperança propriamente dito. A reserva ecológica é enorme , para se passar um dia.
Voltamos pela M6 , passando por fazendas , criadouros de avestruzes , lagoas à beira –mar, baías e mais baías na encosta da estrada, túneis e mirantes com paisagens cada vez mais inesquecíveis. Panoramas que terminou com a visão da Hout Bay do pico de Chapman’s. Vales verdes cortado por estradas ladeadas por carvalhos que chegam a prais de finas areias e fria água. O vilarejo abriga vários cafés, restaurantes e outras curiosidades. No Mariner’s Wharf, entre o porto pesqueiro , barracas e mercados de peixes e frutos do mar. Ao lado do deck do porto, focas a brincar e a nadar tranqüilas...
Chegamos ao Black Lodge onde estávamos em Cape Town repletos de visões de paisagens deslumbrantes . Terminamos a noite no restaurante do Hotel Ritz, na cobertura do edificio e giratório com um visão de 360 graus para a cidade do Cabo.Embriagados e em meio as luzes brilhantes da grande cidade ,misturavam na memória as frescas visões deste dia  azul tão estonteante.

Fotos:Fabricio Matheus e Conor O’Byrne



segunda-feira, 16 de agosto de 2010

TODO O SENTIMENTO OU A BRUTA FLOR DO QUERER


"...Do querer que há e do que não há em mim..."Caetano Veloso

A única coisa que eu poderia fazer por mim era escutar o Chico. Ainda bem que eu estava só. Sou fraca para bebidas , mas me permiti abrir um vinho, enquanto procurava a faixa “Futuros Amantes “ no CD.Às vezes você espera que algo aconteça. Espera com toda a força da alma. Um dia acontece e você não sabe realmente se aconteceu.Eu tinha certeza que era ele, que o tinha visto, depois de um longo tempo e uma espera infinda. Nós cruzamos, acho que ele me reconheceu . Eu senti quando passei por ele. Uma queda, uma vertigem, uma alucinação... Foram segundos, mas tenho certeza que era ele. Gelei, e quando virei não o vi mais.Um relâmpago. Esqueci ou não quis lembrar do que estava fazendo naquele shopping, voltei para casa em seguida e nem lembro do caminho.Quando dei por mim já estava na minha sala.
Talvez ele tenha sido o quê eu um dia mais desejei,e não tive... Está perda única de uma menina que sempre teve tudo. Este querer não satisfeito, quase me matou. Mas me refiz como a boa filha que sempre fui. Como a boa pessoa , educada e gentil que sempre esperaram de mim.
Ele foi minha primeira e talvez única paixão. Talvez a maior por não ter acontecido. Mas fiquei apaixonada logo que o vi . Eu estudava com a sua irmã, queria fazer medicina. Ele já estudava medicina. Um dia saímos juntos, não me lembro mais. Ele me mandou uma poesia. Eu era ingênua, menina e adorava o Vínicius. Mandei uma poesia do Vinicius para ele: Soneto do Amor como um Rio . Eu não tinha o talento para a escrita que ele tinha. Não sei o quê aconteceu. Talvez um beijo na boca e nada mais ao som do Gipsy kings.Ele tinha um perfume que até hoje eu reconheço na minha memória e eu já usava o Amarige e ainda uso. Mas que a boca, foi um beijo de alma. O tempo passou...
Uma vez, eu já cursando medicina, ele foi me visitar e nós quase fizemos sexo ao som de Bolero com a Leila Pinheiro.Ainda sinto suas mãos delicadas sobre meus seios ainda virgens.Num carnaval ele vestido de palhaço borrou todo o meu rosto e não dava esconder do meu pai que tínhamos nos beijado, aliás de ninguém, como eu estava feliz naquele carnaval. Ele beijava bem....Ele dançava bem....Ele escrevia bem....
Nos separamos e voltamos quando eu já estava formada.Eu já tinha tido outros homens. Um só, um outro namorado que acho que me amou, como eu o amei, como na poesia do Drumond , onde cabe o amor.... Mas parecia que ele era o único.E agora eu seria feliz para sempre , até que a morte nos separe. Ilusão, mero engano, quando tudo parecia certo: Ele tinha até me dado um anel que tinha sido da sua avó que tinha o mesmo nome que eu. Aliás, logo depois da morte do seu avô que tinha o mesmo nome dele, coincidências...O anel de ouro, com safiras azuís e um brinco de pérolas, eu devolvi para ele que me devolveu e eu devolvi para a sua irmã, depois que terminamos.
Ele saiu na Beija-flor, eu já desconfiava.Acho que sofri também por isso, todos falavam dele. Mas no fundo eu o queria e acreditava que meu amor pudesse transformá-lo. Achava que eu tinha um poder de ter tudo o que eu queria como sempre tinha acontecido na minha vida. EU o queria meu e para mim. E eu tinha e queria acreditar que ele também me queria. Talvez até nos casássemos , e vivêssemos felizes por um tempo. Mas confesso que tinha um ciúme veroz, como nunca tive de ninguém. Tenho hoje um pouco de certeza que este meu sentimento tenha matado um pouco o seu amor.Por quê eu sei que ele me amou, do jeito dele mais amou... Eu trocava os plantões, para trabalhar com ele .Para vigiá-lo. E ele era popular , desgraçado. Como eu sofria, acho que não escondia. Ele sabia. Enfim, não tinha que acontecer o que eu realmente queria que acontecesse.
Sofri , mas dei a volta , superei e segui em frente. Conheci meu marido, fiquei grávida e acho que a última vez que o vi. Por insistência minha, foi quando estava grávida e logo iria me casar. Esperei ele sair da clínica, mostrei o ultra-som e ele me disse parabéns e que eu fosse feliz e que ele me amaria sempre....Eu engoli seco, achei que quase fosse abortar. Eu queria matá-lo e me matar. Rezei como nunca tinha rezado na vida, pela vida de meu filho e disse a mim mesmo que eu seria feliz.
De uma forma ou de outra, sempre procurei saber dele. Continuei a minha vida, acho que hoje amo o meu marido.Amor é construção. Com certeza , está , a mais absoluta de todas, amo meus filhos mais que a mim mesmo.São os meus tesouros, o que eu fiz de melhor na minha vida.
Às vezes penso que ele foi um sonho, uma alucinação, um lampejo como a visão de hoje .Às vezes acho que ele ensinou-me a amar. Talvez ele me amou?Não sei! Não saberei! Eu sei que eu o amei. Eu o queria mais que a mim mesmo.Ele foi o meu amor não realizado e a minha dor profunda, o meu sonho de amor...Étereo.Sei que ele não casou, não teve filhos e que ainda escreve poesias e histórias. Sei que o tempo passou . Sei que o mundo mudou. Fiz análise, superei; acho? De certeza absoluta, tenho minha vida, casada há anos, meus dois filhos, minha profissão e ainda no fundo sou a mocinha boazinha que todos sempre acharam que eu sou...Uma parte do que eu queria ser , hoje eu sou.Talvez ninguém seja inteiro...
O Cd tinha passado por Todo sentimento, Teresinha, O meu amor, Folhetim, Gota d’água... Ah!Olhos nos olhos, Com açúcar e com afeto, De todas as maneiras, Viver do amor,Samba do Grande Amor,Tanto Amar, Tantas palavras, Tanta saudade e tanto,tanto Chico... e eu já estava bêbada, com duas taças de vinho, quando começou a tocar João e Maria e a campainha também tocou. Com o barulho detrás da porta, sabia que eram eles: -meus jovens filhos, adolescentes e para sempre crianças...Ele têm o nome do avô do meu marido e ela o nome da minha avó. Tomei o resto de vinho da taça, abaixei o som e limpei os olhos. Meu marido chegou em seguida e jantamos juntos.Ainda com o Chico na cabeça e pensamentos confusos...Num segundo de um piscar de olhos, retomei a minha vida , o real de mim. Sorri encantada, como se acariciasse a mim mesmo, e  parecia que não tinha acontecido o que eu sempre esperei acontecer.

Arte:Fabricio Matheus