segunda-feira, 16 de agosto de 2010

TODO O SENTIMENTO OU A BRUTA FLOR DO QUERER


"...Do querer que há e do que não há em mim..."Caetano Veloso

A única coisa que eu poderia fazer por mim era escutar o Chico. Ainda bem que eu estava só. Sou fraca para bebidas , mas me permiti abrir um vinho, enquanto procurava a faixa “Futuros Amantes “ no CD.Às vezes você espera que algo aconteça. Espera com toda a força da alma. Um dia acontece e você não sabe realmente se aconteceu.Eu tinha certeza que era ele, que o tinha visto, depois de um longo tempo e uma espera infinda. Nós cruzamos, acho que ele me reconheceu . Eu senti quando passei por ele. Uma queda, uma vertigem, uma alucinação... Foram segundos, mas tenho certeza que era ele. Gelei, e quando virei não o vi mais.Um relâmpago. Esqueci ou não quis lembrar do que estava fazendo naquele shopping, voltei para casa em seguida e nem lembro do caminho.Quando dei por mim já estava na minha sala.
Talvez ele tenha sido o quê eu um dia mais desejei,e não tive... Está perda única de uma menina que sempre teve tudo. Este querer não satisfeito, quase me matou. Mas me refiz como a boa filha que sempre fui. Como a boa pessoa , educada e gentil que sempre esperaram de mim.
Ele foi minha primeira e talvez única paixão. Talvez a maior por não ter acontecido. Mas fiquei apaixonada logo que o vi . Eu estudava com a sua irmã, queria fazer medicina. Ele já estudava medicina. Um dia saímos juntos, não me lembro mais. Ele me mandou uma poesia. Eu era ingênua, menina e adorava o Vínicius. Mandei uma poesia do Vinicius para ele: Soneto do Amor como um Rio . Eu não tinha o talento para a escrita que ele tinha. Não sei o quê aconteceu. Talvez um beijo na boca e nada mais ao som do Gipsy kings.Ele tinha um perfume que até hoje eu reconheço na minha memória e eu já usava o Amarige e ainda uso. Mas que a boca, foi um beijo de alma. O tempo passou...
Uma vez, eu já cursando medicina, ele foi me visitar e nós quase fizemos sexo ao som de Bolero com a Leila Pinheiro.Ainda sinto suas mãos delicadas sobre meus seios ainda virgens.Num carnaval ele vestido de palhaço borrou todo o meu rosto e não dava esconder do meu pai que tínhamos nos beijado, aliás de ninguém, como eu estava feliz naquele carnaval. Ele beijava bem....Ele dançava bem....Ele escrevia bem....
Nos separamos e voltamos quando eu já estava formada.Eu já tinha tido outros homens. Um só, um outro namorado que acho que me amou, como eu o amei, como na poesia do Drumond , onde cabe o amor.... Mas parecia que ele era o único.E agora eu seria feliz para sempre , até que a morte nos separe. Ilusão, mero engano, quando tudo parecia certo: Ele tinha até me dado um anel que tinha sido da sua avó que tinha o mesmo nome que eu. Aliás, logo depois da morte do seu avô que tinha o mesmo nome dele, coincidências...O anel de ouro, com safiras azuís e um brinco de pérolas, eu devolvi para ele que me devolveu e eu devolvi para a sua irmã, depois que terminamos.
Ele saiu na Beija-flor, eu já desconfiava.Acho que sofri também por isso, todos falavam dele. Mas no fundo eu o queria e acreditava que meu amor pudesse transformá-lo. Achava que eu tinha um poder de ter tudo o que eu queria como sempre tinha acontecido na minha vida. EU o queria meu e para mim. E eu tinha e queria acreditar que ele também me queria. Talvez até nos casássemos , e vivêssemos felizes por um tempo. Mas confesso que tinha um ciúme veroz, como nunca tive de ninguém. Tenho hoje um pouco de certeza que este meu sentimento tenha matado um pouco o seu amor.Por quê eu sei que ele me amou, do jeito dele mais amou... Eu trocava os plantões, para trabalhar com ele .Para vigiá-lo. E ele era popular , desgraçado. Como eu sofria, acho que não escondia. Ele sabia. Enfim, não tinha que acontecer o que eu realmente queria que acontecesse.
Sofri , mas dei a volta , superei e segui em frente. Conheci meu marido, fiquei grávida e acho que a última vez que o vi. Por insistência minha, foi quando estava grávida e logo iria me casar. Esperei ele sair da clínica, mostrei o ultra-som e ele me disse parabéns e que eu fosse feliz e que ele me amaria sempre....Eu engoli seco, achei que quase fosse abortar. Eu queria matá-lo e me matar. Rezei como nunca tinha rezado na vida, pela vida de meu filho e disse a mim mesmo que eu seria feliz.
De uma forma ou de outra, sempre procurei saber dele. Continuei a minha vida, acho que hoje amo o meu marido.Amor é construção. Com certeza , está , a mais absoluta de todas, amo meus filhos mais que a mim mesmo.São os meus tesouros, o que eu fiz de melhor na minha vida.
Às vezes penso que ele foi um sonho, uma alucinação, um lampejo como a visão de hoje .Às vezes acho que ele ensinou-me a amar. Talvez ele me amou?Não sei! Não saberei! Eu sei que eu o amei. Eu o queria mais que a mim mesmo.Ele foi o meu amor não realizado e a minha dor profunda, o meu sonho de amor...Étereo.Sei que ele não casou, não teve filhos e que ainda escreve poesias e histórias. Sei que o tempo passou . Sei que o mundo mudou. Fiz análise, superei; acho? De certeza absoluta, tenho minha vida, casada há anos, meus dois filhos, minha profissão e ainda no fundo sou a mocinha boazinha que todos sempre acharam que eu sou...Uma parte do que eu queria ser , hoje eu sou.Talvez ninguém seja inteiro...
O Cd tinha passado por Todo sentimento, Teresinha, O meu amor, Folhetim, Gota d’água... Ah!Olhos nos olhos, Com açúcar e com afeto, De todas as maneiras, Viver do amor,Samba do Grande Amor,Tanto Amar, Tantas palavras, Tanta saudade e tanto,tanto Chico... e eu já estava bêbada, com duas taças de vinho, quando começou a tocar João e Maria e a campainha também tocou. Com o barulho detrás da porta, sabia que eram eles: -meus jovens filhos, adolescentes e para sempre crianças...Ele têm o nome do avô do meu marido e ela o nome da minha avó. Tomei o resto de vinho da taça, abaixei o som e limpei os olhos. Meu marido chegou em seguida e jantamos juntos.Ainda com o Chico na cabeça e pensamentos confusos...Num segundo de um piscar de olhos, retomei a minha vida , o real de mim. Sorri encantada, como se acariciasse a mim mesmo, e  parecia que não tinha acontecido o que eu sempre esperei acontecer.

Arte:Fabricio Matheus

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