segunda-feira, 24 de setembro de 2012

POSITANO




‘“Penso che un sogno così non ritorni mai più

Mi dipingevo le mani e la faccia di blu

Poi d'improvviso venivo dal vento rapito

E incominciavo a volare nel cielo infinito”Domenico Modugno

“ It is a dream place that isn’t quite real when you are there and becomes beckoningly real after you have gone”J.Steinbeck


Positano é uma vila na Costa Amalfitana, na Itália. De Roma vai-se a Napoles e de lá pela via circumvesuviana passando por Pompéia, chega-se a Sorrento, onde toma-se  um ônibus da SITA que faz o trajeto costeiro.
Positano nasceu como um porto na Idade média, prosperando-se como rota comercial local nos séculos XVI e XVII, depois ficou abandonada e no inicio do século XX, era uma pobre vila de Pescadores, tornando-se conhecida e turistica nos anos 50 depois que o Americano John Steinbeck publicou um ensaio realizado na região na Harper’s Bazaar.
A primeira vez que ouvi falar de Positano  foi na casa de um amigo de um primo, que descrevia com detalhes, as cores, as casas encrustadas nas montanhas e o mar azul  nas pedras. 
Depois vi Positano no cinema , no filme “Only you “com a Marisa Tomei, na refilmagem de “O Talentoso Rippley”com o Matt Damon e o Jude Law; continuou a ser cenário no filme “Sob o sol da Toscana/Under the Tuscan Sun” entre outros.
A primeira vez que visitei Positano foi em 2001. Aluguei um quarto ao sul ,com uma sacada e um vista deslumbrante para o mar e a cidade ao norte. 
Neste periodo, conheci as lendas da cidade, como a padroeira Santa Maria Assunta, negra, como Nossa Senhora da Aparecida. 
Outras histórias de pescadores, como a visita da dançarina Russa:- Todos os homens do vilarejo juraram as esposas que não iriam vê-la, mas fugiram e voltaram arrranhados e mordidos para suas casas, revelando na pele a traição em grupo para comédia geral.
No hotel que fiquei tinha um casal de franceses que me levaram para um tour pela Costa Amalfi até Paestum, ao sul de Salerno, já na Calabria, patrimônio da humanidade pelas ruínas  ali erguidas quando do dominio grego na região (Este local aprece no filme Pani e Tulipani/Pães e Tulipas).
Positano ficou como que encantado, e um lugar para se voltar sempre.
Assim retornei no ano passado, e foi como retornar a um lugar do meu mistério.
Ao avistar a cidade, com suas cores encrustadas nas montanhas e as primaveras floridas, o mar, o céu, o cheiro de limão, tudo me era tão familiar, mesmo já tendo estado ali, parecia que estava voltando para casa, no sentido de que talvez Positano, seja um dos meus lugares no mundo.
Desta vez fiquei ao norte, no alto, na Villa Celentano, com uma sacada enorme, com um limoeiro carregado de frutas, parecia o jardim de minha avó.
Como  já conhecia a cidade , com suas ruas de escadas, descidas ingremes, seus becos sem saidas... desta fez  permiti-me simplesmente estar lá,sem fazer absolutamente nada, só deixar-me embriagar pelo local.Aproveitava no meu terraço e repousava sob o limoeiro com uma vista privilegiada.
Já no primeiro dia , conheci todos os locais que me levavam a praia central com suas cadeiras de sol alaranjadas e únicas. Ia descendo e cumprimentando a todos como se fosse um deles.
No primeiro dia, o mar estava forte e arrebentava  suas ondas com uma força imensurável, cobrindo de água  todo o deck do porto.

Do porto saem embarcações de pescadores e turisticas para Napoles, Capri, e outras cidades da costa.
Não  se pode deixar de degustar o Limoncello produzido aí, e principalmente o Tiramissu di limoni, que é de comer de joelhos.
A região também tem uma ceramica típica, com cores e relevos próprios.
Fiquei amigo dos proprietarios do Restaurante Saraceno d’Oro, onde pegava minha comida para jantar a luz de vela no balcão junto ao limoeiro e com vista para a cidade incandescente .
Entre as delicias, destaco as pastas com frutos-do –mar , os molhos de pomodoro/tomate e o zucchini (abobrinha) ... e muito vinho até que meus olhos de tanto olhar a cidade iluminada nas montanhas fossem se fechando e a realidade tornando-se-ia aos poucos…um sonho….e adormecia.
Têm que se visitar o Hotel La Sirenuse, onde pode-se jantar no restaurante, com uma vista de toda a encosta e o mar, sempre o mar.
Falo de Positano, porque é um dos meus locais no mundo, como uma canção que fez e faz parte da sua vida.
Mas toda a região , o entorno a Napoles é muito interessante, mesmo Napoles ,com sua culinária única, o Museu Nacional com o gabinetto secreto. A igreja de San Genaro e o Vesúvio ao fundo.
Na região da circumvesuviana, ruínas em Ercolano e Pompéia, praias com aguas vulcânicas, fazem da região, um turismo amplo a ser explorado e descoberto.
Mas volto ao meu balcão, com o seu limoeiro, sua visão da montanha colorida pelas casas e flores.Olho para o mar, para o céu e  todo o  mistério de um lugar unico, de ruas pequenas, tortuosas, escadas ingremes, se resume em estar em Positano.
Assim como outras cidades que me acompanham, as vezes, fecho os olhos e volto para o já vivido, ou já sonhado, e a rotina parece se dissipar nas lembranças e memórias.
 Viajar, perder-se e sonhar…Positano um lugar para sempre se estar!


Informações:

Fotos:Fabricio Matheus 






domingo, 9 de setembro de 2012

THE PILLOWMAN/O HOMEM TRAVESSEIRO




The Pillowman/ o Homem travesseiro peça de 2003, escrita por Martin MacDounagh( 1970) , dramaturgo , diretor, que apesar de ter nascido e morar na Inglaterra , por ser filho de irlandeses, é considerado o mais importante  dramaturgo irlandês vivo.
The pillow-man foi escrito em plena época do terrorismo,  uma das peças mais premiadas de 2004, volta ao palco paulista,  após sua estréia este ano, numa segunda temporada no Espaço Parlapatões, dirigida por Bruno Guida e Dagoberto Feliz.
O espetáculo, conta a história de Katurian Katurian Katurian, um escritor de contos (Flavio Tolezani), que é interrogado pelos detetives Tupolski( Daniel Infantini) e Ariel (Bruno Guida) sobre uma série de assassinatos inspirados em sua obra.
O escritor Katurian é um contador de histórias como Os irmãos Grimm, ou Charles Dickens. Os detetives poderiam ter saído das  obras  de Conan Doyle. A peça é extremamente londrina, sem deixar de ser universal.
Katurian escreve suas histórias, 400, para sobreviver. Ele é uma daquelas criancinhas. Ele é um daqueles assassinos. Ele chegou a ser considerado o alter-ego de Martin MacDounagh.
A peça é uma tragicomédia, cheia de histórias de mortes e vidas , e vai discutindo o papel e a responsabilidade do artista, o impacto que a arte pode causar na sociedade. E principalmente , o papel da arte e da palavra escrita como , a metáfora da imortalidade, é o bem final do homem para tornar-se imortal.
Apesar da peça transitar entre o suspense, o terror, a fábula, e seu aspecto mesmo grotesco , caracterizado pela maquiagem e figurinos, o visagismo, ela é pura poesia, pois trata-se de discutir a fragilidade humana.
Katurian Katurian katurian nada mais é que um de nós, frágil mortal, que luta pela sua sobrevivência e pela sua imortalidade.
O elenco é completado por Bruno Autran no papel de Michal, o irmão de Katurian, e por Wandré Gouveia no papel de Katurian menino e um dos personagens das histórias do autor.
No fundo um grande dramaturgo e uma grande peça, é uma forma de nos contar uma  boa história. O  ótimo  texto , a encenação primorosa  com destaques para os atores Flavio Tolezani e Daniel Infantini, fazem de The Pillowman- O Homem travesseiro uma ótima história, muito bem contada e encenada. Um  espetáculo imperdível e com histórias e uma história encantadora,  que nos leva a compartilhar a nossa imaginação com a imaginação proposta , assim não há como não sermos levados por Katurian Katurian Katurian.



A MEMÓRIA DE MEU PAI



“Hiato é quando as palavras se foram”Gilles Deleuze

“Se é impossível pensar sem nada saber, é que só é possível
pensar graças a memória. Mas pensar é quase sempre inventar
o que se pensa. Foi por saber o que era a memória, que percebi que
ela era mais do que eu sabia dela. Descobri-a como constitutiva do meu presente.
A memória me permite inventar o futuro de que me lembrarei, como passado, futuramente.” Ferreira Gullar


Primeiro ele esqueceu a senha do banco. Depois trocou o nome da tia Dirce por tia Rute. E ele conhece muito bem a tia Dirce e a tia Rute.
Depois , pensando em ganhar dinheiro, foi vítima do golpe dos aposentados. Recebeu uma carta, que ele cria ser verdadeira e sequer tinha o número do CNPJ da empresa ou o número de OAB do advogado e ele fez um depósito, antes de receber o dinheiro prometido.
Certamente, somando –se  a estes fatos, uma leve melancolia e desânimo, descuido com a higiene pessoal e um certo mal humor percebi que meu pai não estava bem ... que ele estava se perdendo ao perder sua memória.
Trouxe para consultar um neurologista em São Paulo, antes da consulta, a Ressonância Magnética mostrou uma atrofia do lobo frontal. Exames complementares somaram-se uma degeneração senil em seu pesado corpo.
Arritmia cardíaca, estenoses arteriais das pernas, dor ao andar...
Nas conversas diárias , nota-se uma melhora geral no seu ânimo.
Na consulta, seu silêncio, e sua demora para se recordar de um jogo de palavras, repetir algumas palavras, desenhar um relógio com as horas solicitadas pelo médico, pareciam uma eternidade para minha mãe e eu. Foram segundos, ou minutos de um sufoco, que parecia estender-se num tempo inexplicável.
Novos exames foram solicitados, inclusive uma avaliação psicológica.
Na avaliação psicológica, foram duas horas em que minha mãe e eu esperamos como se se passasse séculos.
Entremeios aos retornos e novos exames , íamos nos lembrando da história de nossa família e outras lembranças. Para isso a memória de meu pai, estava melhor de que a de minha mãe e a minha própria.
Lemos junto livros “Como melhorar a sua memória” , “A memória”, “O cérebro desconhecido”, entre outros...Fazíamos exercícios, meu pai passou a desenhar mais e mais relógios.
É um mistério, uma vez , no carro começamos a cantar uma antiga música do Adoniran Barbosa, que tocava no rádio e meu pai lembrou-se de toda a letra.
Enfim, terminamos todos os exames solicitados, as ressonâncias com raioisótopos, mas exames sanguíneos e outros....
  Não era Alzheimer , que  é definido como uma atrofia dos lobos temporais. Era uma demência inicial num homem de 74 anos, obeso, hipertenso, diabético e meu pai .
 A atrofia do lobo frontal permaneceu em todos os outros exames, o que indicava a chamada “Síndrome do velho ranzinza”, por ser médico toda esta peregrinação desde a marcação a realização de exames e  as consultas médicas, foi muito mais fácil.
O que de certa forma deixou meu pai mais orgulhoso de ter um filho médico. E que segundo eu já escrevi e repito, acho que minha maior função como médico e ajudar os meus próximos a morrer melhor.
Neste período fizemos uma viagem para a cidade natal de meu pai, Pirassununga, no interior de São Paulo. Visitamos as casas onde morou, que ficam no mesmo quarteirão , no centro perto da Igreja onde se casou, da escola onde estudou, do bar onde trabalhou, do local que era o cinema, que também trabalhou.
Fomos no CAP, onde jogava bola. Como a praça central estava fechada para reformar, não pudemos esperar pela banda do domingo a noite no coreto.
Na missa , meu pai encontrou velhos amigos, parentes e por coincidência, era a missa de sétimo dia de uma de suas tias, a Mariana.
Fomos ao cemitério,  onde estão enterrados meus avôs, seu irmão, cunhado e tantos conhecidos. Almoçamos na Cachoeira de Emas, passamos na chácara de minha tia, sua irmã e voltamos a São Paulo.
Meu pai, já em São Paulo, começou seu tratamento, para melhorar sua memória. E outros , mais difíceis, como perder peso e caminhar, já que a comida em minha família têm o mesmo significado da palavra Amor.
Meu pai retornará em breve para novos exames e consultas. Segundo ele , minha mãe e minha irmã, seu estado está melhor em todos os sentidos... e eu espero que isso seja uma verdade no nosso novo encontro.
Independente do que venha acontecer, há um processo degenerativo instalado no cérebro de meu pai, irreversível...   Isso não significa que ele morrerá disto, que iremos morrer, tanto ele como eu, é fato.
Enquanto isso não acontecer, seguimos como sempre, sem rancores e próximos. Eu cada dia mais parecido com meus genitores; de certa forma, nossa união é uma despedida sem se despedir, é um transformar o tempo com memórias, lembranças e muitas risadas.
Agora como crianças, juntos ,vamos desenhando cada vez mais os relógios que a memória de meu pai esqueceu no dia de sua consulta.

Fotos:Fabricio Matheus