quarta-feira, 5 de setembro de 2012

CARTA AO MEU FILHO de LYGIA CLARK


"Em sendo a obra o ato de fazer a própria obra, você  e ela tornam-se totalmente indissociávies."

"Sou da família dos batráquios: através da barriga, vísceras e mãos, me veio toda a percepção sobre o mundo"

"Eu reuni um grande número de materias sem nenhum valor, mas quando os tocava, a redescoberta táctil provocava um trauma estimulante"


“Meu filho,
Você é um ser.
Existe na medida do mundo.
É pouco.
O mundo é a constatação da realidade exterior que te cerca.
É a tua medida inicial.
É o teu começo mas não o teu fim.
É o chão da tua expressividade pois você é um ser vertical.
Para cima do chão há o “invisível”.
Você pode olhar os seus pés mas não a sua própria imagem.
Esta você a percebe.
Na verticalidade está a medida da sua procura.
Quando você aceitar a simples constatação da vida, aí sim, será o seu começo.
O primeiro sentimento será de perda pois tudo que cai na constatação é vivido como ganho.
Tudo adquirido como perda até a integração absoluta do “o percebido” no seu interior.
É a própria dinâmica da vida: perde-ganha.
Quando você se sentir no mais absoluto desespero você está sendo salvo.
Solte e aceite a tua intuição que te levará a uma aparente solução – solução esta sempre provisória.
Aceite o provisório pois jamais o processo pode parar.
A vida pode vir a ser uma realidade extraordinária desde que você esteja voltado para sua procura interior.
Não há realidade independente do o “interior de si”.
Desconfie
das coisas claras, a pureza é descoberta dentro da maior conturbação de
uma crise. É o ponto luminoso dentro da maior escuridão.
O teu corpo meu filho, é o veículo da tua vivência.
Não o impeça de florir por nada. Cuide dele como você cuida do teu carro.
Toda a tua riqueza interior vai suá-lo, sujá-lo, e até sangrá-lo.
Quando ele estiver gasto externamente você mesmo estará mais inteiriço e completo interiormente.
Você o despirá um dia como a crisálida deixa o casulo.
Ai
de você se neste momento você é ainda o início não elaborado pois aí
você vai saber que esteve permanentemente morto em vida.”

Frases e texto: Lygia Clark
Arte:Fabricio Matheus

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