quarta-feira, 30 de março de 2011

OS CAMINHOS DOS MAGOS



‘‘E vendo a estrela , alegraram-se eles com grande e intenso júbilo” Mateus 2,10

Voltando do litoral pela imigrantes congestionada com um infinito caminho de luzes vermelhas à frente e muita paciência . Estava com amigos alemães que moram em Lyon na França. Depois de horas, e já em São Paulo, mencionei por acaso que por não ser Natal , a avenida Paulista estava livre.
Minha amiga explicou que durante o natal, a decoração natalina na Paulista é de parar o trânsito. Um pouco exagerada, falou dos papais-noéis e dos presépios com os reis magos.
Para nossa surpresa , um deles perguntou : O por quê dos reis magos, se eles somente chegaram no dia 06 de janeiro, o dia de reis .Ficamos boquiabertos com a descoberta de uma fato banal e inquestionável, que tinha se perpetuado pela tradição em nossas vidas.
Devemos aos Magos a tradição de trocar ou oferecer presentes no Natal.Tanto que na Espanha, a troca de presentes se dá no dia 06 de janeiro.
No evangelho, os três personagens são citados somente por Mateus. São chamados de Magos , porque tinham grande conhecimento da astrologia, neste caso, sábios.Daí também a importância da estrela que os conduziram a manjedoura. Durante a idade média, o pintor Giotto (1301) , impressionado pela passagem do cometa neste ano, retratou-o numa cena natalina, e foi quando começou a devoção aos Reis, sendo perpetuado nos presépios italianos. Nesta mesma época, suas relíquias ( dos reis) foram transladadas de Constantinopla até Milão.Posteriormente, desde 1164, se encontram na catedral de Colônia , na Alemanha.
Belchior ou Melchior que significa”Meu rei é luz”, era o mais velho , é da Caldéia. Ofereceu o ouro em reconhecimento a realeza. Gaspar, “Aquele que vai inspecionar “, era o mais jovem e de uma região perto do Mar Cáspio, ofereceu o incenso em reconhecimento a divindade. Baltasar se traduz por “Deus manifesta o rei”, era mouro , com cerca de quarenta anos e partira do Golfo Pérsico, ofereceu a mirra , que simboliza a humanidade e o futuro sofrimento do redentor.
A crença tradicional é a de que Jesus foi visitado quando nasceu. Segundo as escrituras , foi no dia 06 de janeiro e por isso os reis magos ficam longe e ao lado do presépio.
Andreas nos contou que toda a vez que sua avó germânica montava o presépio . Os reis ficavam longe, muito longe e pouco a pouco ela os aproximava com o seu camelo . Muitas vezes, ele tentava aproximar, e ela furiosa dizia: Mas eles só chegam no dia o6 de janeiro, porque a pressa?
Sua avó morava em Stuttgart, e segundo ele ,a decoração de Natal se iniciava no dia 20 de dezembro e era guardada no dia 02 de fevereiro.Quando no Brasil , comemora-se o dia da Nossa Senhora dos Navegantes, ou das Candeias e em outros países, outras virgens são celebradas. Mas para os europeus germânicos é o dia em que se apaga a luz do Santuário.
Eu nunca imaginei que os reis chegaram no dia 06, mesmo sabendo do dia de sua festa. E mesmo tendo estudado em colégio católico apostólico e romano. Onde uma vez ,quando questionei a Ave-Maria , perguntando a madre por que se dizia:- Santa Maria , mãe de Deus e não de Jesus.E a madre me respondeu por que era assim....Tudo era assim!
 Até que uma das freiras me disse que era a representação de Jesus como parte de Deus e de sua divindade.Daí ,os costumes antigos, de chamar a esposa de mãe. A mãe de meus filhos.E até na psicanálise, o complexo de Édipo; no qual procuramos algo parecido as nossas mães, nas esposas e etc... mais isto já é outra história e não têm nada a ver com os Magos. 
Assim , meu presépio sempre teve os reis , que chegaram adiantados.Talvez pelo fuso horário ou pelo calor.Às vezes, até o menino Jesus , já ficava à postos, desde o ínicio, ali com os bracinhos abertos e sua aréola dourada.
No dia 06, dia de Festa de Santos Reis, guardávamos tudo, comíamos uva ou romã e fazíamos os pedidos para o ano. Muitas vezes, as chamadas folias de reis , uma tradição em Goiás, em que músicos fantasiados adentram nos lares, cantando em troca de comida, visitava nossa casa para trazer boa sorte e bênçãos. Tudo lembranças e tradição.
Atualmente meu presépio é temático, todos são negros.
Apesar de saber já tarde, por Andreas, o portador da sapientia e desilusão, que os reis chegaram no dia 06 de janeiro. Os reis de meu presépio continuarão a chegar antes, e a se postar do lado, sempre ali , por perto , com os presentes nas mãos , e de olho no menino Jesus.
No seu dia, eles partirão como sempre , deixando para o ano , sempre um pouco de esperança, nas sementes secas de romã e nos segredos dos pedidos .
Já em casa , depois de horas de trânsito, e agora, bêbados de vinho; davámos muitas risadas e lembramos de outras histórias parecidas, que nos foram escondidas , ou contadas às avessas. Ainda, com as milhões de luzinhas vermelhas da Imigrantes impregnadas na retina , acho que até conseguimos ver ao longe, como os Magos, a estrela de Belém.

Arte:Fabricio Matheus

sábado, 19 de março de 2011

CIANO



Tive um sonho azul. Um tom de azul quase inexistente, azul verde-água em flor de tão azul que era quase verde. Tinha um brilho forte, reluzente purpurina-azul-pavão. E uma transparência em direção ao verde ciano que dava uma profundeza especial a este tom mágico e claro de um azul que azulava em tons de anil degrade ao branco. Este tom de azul permaneceu em minha memória por tempos , que tive a sensação de já o tê-lo esquecido num canto perdido da lembrança... Relógio veloz do tempo, que não espera e passa como um sopro de vento fresco com aroma de verde mata a tocar de mansinho em mim.
Certa vez, ao passar por uma loja de animais, entretive-me com os peixes e fiquei viajando pelos aquários a observar a leveza de peixinhos coloridos. Os mais diversos, a flutuarem na maciez da água, dançando como bailarinos por entre as pedras e plantas que decoravam os aquários. Radiante encontrava-me frente a um espetáculo simples e singelo. Minha memória buscou vasculhando na lembrança passado-infância, que passava rapidamente como um filme; no qual um garoto, eu, pequeno e criança, brincava com peixinhos de um aquário primário, sem oxigênio. Nesta época, minha mãe era diretora de um grupo escolar perto do qual passava um córrego onde costumava fugir para nadar como nos filmes do Tarzã.
O tal córrego, à certa altura, se contorcia numa curva quase perfeita. No lado direito da margem havia um cubo de cimento, que servia de tanque para lavadeiras. Na margem esquerda , havia um bambuzal e uma meia-lua de areia que parecia uma praia encantada, a minha praia encantada. Traçando uma linha em direção ao cubo de cimento , havia um degrau de pedras naturais, quase uma pequena cascata, que formava uma modesta queda d’água , que vinha da nascente em direção ao rio que cortava minha cidade como um espelho, tornando mais encantado para mim este lugar.
Ali, que marquei meu primeiro encontro de amor com minha primeira namorada, e ela faltou!
Deste mesmo fio de água eram colhidos com peneiras pequenos lambaris, cascudos e outras espécies , que os meninos do local ofereciam de presente para minha mãe. Estes iriam povoar o meu aquário, meu pequeno laboratório de experiências mil. Alimentava-os com pequenas bolinhas de miolo de pão. Era freqüente amanhecer um peixinho boiando ou fora do aquário. Com estes comecei minha primeira experiência médica.Neles exercitava a arte cirúrgica com maestria ao utilizar afiados bisturis, que eram as facas de serra para cortar pão e anestesiá-los com seringas de plásticos para rechear frangos. Acreditava na minha sapiência e realmente me esforçava para trazê-los novamente à vida. Enfim, sucumbia-me ao destino e aceitava suas mortes. Colocava –os em caixinhas de fósforos e os enterrava em um pedaço especial do quintal que chamava: - cemitério dos peixes. Após enterrá-los e cobrir-lhes com terra, colocava uma pequena cruz de palitos de dentes e uma florzinha de laranjeira ou jaboticabeira.
Outras vezes , os habitantes do aquário eram os dourados peixes japonês, laranjas, outros pretos... e todas as vivências com peixes foram se passando veloz e novamente pela minha memória. Os peixes comprados no mercado, expostos juntos, uns aos outros, com os olhares fixos e congelados. As pescarias que fui com meu pai, onde eu era o colocador de redes oficial. Pulava nos rios e à medida que mergulhava ia ao longo esticando uma enorme rede de fino náilon. Depois de arrastada, tamanha alegria era vê-la coalhada dos mais diversos peixes. Ainda no barco, separávamos pela raça. Particularmente, adorava atiçar as piranhas para vê-las mordendo semi-mortas, enfurecidas e desordenadas já fora d’água.Era um ódio bonito, um reflexo nervoso. Era a fúria, a luta com a morte que se aproximava lenta e serena.
Uma vez de férias na casa de minha avó, fomos comprar peixes na Cachoeira de Emas para um cozido do almoço do dia seguinte. Na leva dos peixes , tinha um mandi, que se esforçava bravamente para respirar e manter o sopro de vida que ainda pulsava em seu corpo de peixe. Meu primo e eu, rapidamente o transferimos para uma bacia cheia de água e tornamos seus amigos. Ficávamos horas a conversar com o mandi, que tinha um nome que já não me lembro. Ele ficava nadando em círculos contínuos , formando um redemoinho de ondas na superfície da água. Ao nosso menor descuido, fomos encontrá-lo assado sobre a mesa posta. Nossos olhos encharcaram de lágrimas ao ver nosso mandi coberto com um molho de extrato de tomate e cebola, e a boca aberta como se quisesse gritar algo que nunca descobrimos. Recusamos a comer naquele dia, a sentar na mesa onde se devorava nosso amigo.
O segredo do mandi se dissolveu como um papel molhado em minha memória. E ao puxar as lembranças como um ilusionista a retirar lenços coloridos de uma caixa mágica, lembrei de minha professora do primário que certa vez passou uma lição de casa: Um peixe para colorir. Minha mãe sugeriu para cobrir o peixe de escamas. Fui colando uma a uma. Dando ao peixe um tom prateado de cinza que percorria do azul ao branco. O peixe ficou tão lindo que como por encanto tornou-se vivo e começou a soltar lentas e leves borbulhas. Ao inundar-me delas saiu nadando para não sei onde. Talvez para o mundo mágico do fundo das águas, povoados de seres misteriosos, sereias encantadas, polvos, arraias... e todos os outros seres carregados de encanto que fascinam e seduzem as crianças. Tudo isso aconteceu depois que o peixe colorido e prateado ficou exposto para meu orgulho na escola.
De repente, o tom de azul sublime do meu sonho, tornou a azular meu pensamento, como recordações trazidas pelo aroma de um perfume. Fixei meu olhar num peixinho que tinha aquele azul indescritível quase imperceptível que havia sonhado.Encontrei-me neste momento num estado de inércia e deslumbre, como se nada pensasse, e tudo o já pensado à pouco, passasse ligeiro como apertar a tecla “foward” de um gravador. Todos os peixes que passaram pela minha vida, inclusive aquele que colei escamas e que saiu a nadar, misturavam-se com meu sonho azul naquele peixinho Betta que ficava sozinho em seu pequeno aquário.
O meu pensamento era um só: Este peixe têm que ser meu. E na indecisão constante que povoa o universo de um aquariano com ascendente em peixes. Confundiam os conflitos de meu cotidiano urbano, o progresso veloz que reduz o tempo, o dia-a –dia cada vez mais máquina a nos transformar em seres petrificados, mecânicos e práticos, necessário para acompanhar o desenvolvimento desenfreado que nos devora e consome nossos mais ingênuos sonhos. Será que terei tempo para cuidar de um peixe? Mesmo que seja um peixe com aquele tom de fantasia azul...
Dirigi-me a vendedora com ânsia voraz de sanar minha ignorância em relação à piscicultura ornamental. Informei-me sobre cada detalhe à respeito daquele pequeno ser aquático , teleósteo da família dos pantodontídeos, com o pequeno aquário e o dito junto ao peito para que ninguém o levasse.
Descobri que este tipo de peixe permanece sozinho em um aquário, não necessitando de aparelhagem complexa como termômetro, respiradores, oxigenadores e etc... pois os mesmos sobem à superfície, soltam uma bolha e aspira o ar da bolha, reciclando seus gazes respiratórios. Caso veja sua imagem ou outro semelhante , ele se expande abrindo as barbatanas e a cauda, insufla as brânquias e fosforece o tom mais intenso, carregado de mistério de sua cor particular: infinito, de uma irisdecência tempestuosa de tanta cor.
Se posto com outro macho da mesma espécie, eles digladiam até a morte de um, coroar a vitória do outro. A fêmea, menos atraente, deve permanecer com o macho somente para a fecundação e até a desova, pois ao findar este período, o convívio com o parceiro sela um trágico destino à mesma.
A sua essência é de uma solidão tão intensa, quase assombrosa , que tem um leve tom de azul. Quanto mais me doía a solidão estarrecida daquele ser, tanto mais o desejava. Nele via-me frente a um espelho, a observar todo o azul profundo de minha própria solidão.
Naquele pequeno espaço-mundo, limitado por quatro planos de vidro e preenchido de água, estava um ser que vivia o azulão impetuoso de sua solidão. Rodeado por um tudo de objetos naquela loja, aquele peixinho era um pontinho cintilante a refletir minha vida tão só...seu aquário era o meu apartamento.
Olhava os outros peixes semelhantes e com outras cores tão lindas e admiráveis quanto aquele azul cianofíceas, certamente a buscar um consolo que me envolvesse fazendo desistir daquele que tinha o tom da cor do meu sonho.
Do peito, trouxe seu aquário ao horizonte de meus olhos.Subitamente, ele aproximou-se do plano de vidro que estava defronte à direção do meu olhar e me encarou. Seus lábios mexiam suave como lábios de peixe que eram. Às vezes saiam borbulhas que subiam lentas de leves pertubando a paz estática e estável da película d’água e explodiam no nada do ar. Fiquei pasmo a contemplá-lo.
Seu rosto era estranho, e por ser pequeno, difícil de notar os detalhes que passavam desapercebidos aos olhos comuns que haviam de achá-lo sempre com um rosto pisciforme e sem graça. Mas seus traços, pequenos seixos , rudes, ásperos, reuniam minúcias dispersas num todo que o assemelhavam a um ser pré-histórico. Seus lábios eram grossos, carnudos. Sendo a porção superior, maior , e com concavidade voltada para baixo, deixando a mostra um tico de lábio inferior. Entreabriam-se juntos num círculo maior que diminuía gradativamente como um funil.
Os olhos , duas pérolas negras ilhadas por um dourado com riscos de prata que se tronava azul inferiormente, um enigma. Sob as narinas , uma protuberância pteriforme, que parecia ter sido esculpida em uma pedra castanho-avermelhada coberta de liquens, o que lhe conferia um aspecto sombrio, obscuro.
Olhamos por tanto e pouco tempo que a vendedora perplexa já não entendia nada, dando-me por louco, alucinado; pois, quando dei por mim, estava desnorteado a movimentar meus lábios e a soprar o ar como fazia o peixe.
Este peixe sou eu, pensava , e findei por instantes meu desvariu, para concluir o ato da compra.
No caminho para casa fui pensando um nome para aquele peixinho: - Azul, Safira, Esmeralda, Blue.... e como possuía um tom de azul quase verde, lembrei das cianofíceas e batizei com o nome de Ciano, que soava semelhante a Cyrano, trazendo-me a lembrança um personagem que viveu sua solidão repleto de amor a transbordar d’alma. Assim era eu, assim era o peixe; seres só, de alma azul. Seres indescritíveis e suaves como nuvens macias de algodão que desaparecem lentas.À medida ,que surgem tímidas no céu, as estrelas a polvilharem de brilho a noite de luar, que prateia as cabeleiras recostadas dos amantes: Nossa solidão era irmã-gêmea da poesia e sufocada de tanto , tanto sentimento...
Coloquei Ciano sobre o freezer, na sal de jantar do meu apartamento. Algumas vezes sua solidão parecia aumentar, tão pequeno e solitário era estar sobre o freezer cercado de paredes azulejadas que não eram nem azuis, nem cinzas, mas não deixava de ter estes tons.
Ao olhá-lo, tinha certeza de que ele também observava tudo, e que sabia da existência da mesa, cadeiras, geladeira, armário e até do telefone que se encontrava no recinto ao lado do freezer e quase nunca tocava.Cada vez, minha certeza aumentava, a ponto de crer que ele entendia, ou melhor, sabia o que eu falava e com quem ...
Passava horas a observar seus movimentos flutuantes naquele pequeno espaço. De repente, subia à superfície à procura de ar e voltava leve novamente ao fundo. Olhava-me tão profundamente que ao olhá-lo estava a refletir à medida que flashes de minha vida explodiam, como bombas de São João, ou fogos de artifícios coloridos e brilhantes a romper a escuridão da noite na massa cerebral de minha memória sabor de mel.
De súbito iniciava movimentos rápidos, rasantes, às vezes desordenados, percorrendo velozmente o pequeno espaço que o continha, como se explorasse milímetro por milímetro, para depois voltar a flutuar parado ou reclinar-se nas brancas pedrinhas que forravam o chão de seu espaço.
Outra vezes, ficava a brincar com ele. Pegava um espelho e o fazia refletir. Ciano, ao espelhar-se achava que era um inimigo e não suportando sua própria imagem, alastrava-se num tom mais azul que o seu normal, tremeluzindo em movimentos serpentiformes pro toda a área refletora. Suas guelras formavam um plano perpendicular com seu corpo esguio, e seu pequeno pulmão aparecia róseo, vermelho, incandescente como meu coração quando estou apaixonado.Nestes momentos, eu começava também a tremular como Ciano.
Parecia que me olhava intensamente, e todos os meus medos, meus anseios estavam ali a olhar-me de frente. Retornava ao real abrindo devagar as pálpebras , até expor meus olhos molhados de lágrimas. .. eu tinha certeza que os olhos de Ciano, como os meus, também estavam em lágrimas, que se misturavam com o líquido fluído que o cercava. Respirava!irava rapidamente o espelho, e ele perdido, encolhia-se devagar, lento , ofegante num canto do aquário e adormecia como eu.
Encontrava-me constantemente numa inquietude sã a inventar maneiras de o distrair. Colocava o espelho sob o aquário com a face espelhada voltada para o fundo. Ciano permanecia imóvel, pois peixe não olha para cima. Peixe não têm céu...
Apagava as luzes da sala de jantar e acendia uma pequena lanterna de baixo para cima, de tal forma, ao refletir no espelho, fazer brotar um foco de luz que atravessava a água do aquário iluminando-o como um palco encantado. Apertava o descanso do telefone, que tocava suave, e da caixinha de música soava o tema de amor de “Romeu e Julieta”. Ciano, dissimuladamente, tornava-se mais e mais azul, como uma estrela azulada ou o azul brilhante das asas de algumas borboletas.
Azul tingido de uma beleza sublime, quase santa, cerúleo, e que se tornava mais belo ao estar iluminado e bailando sob refletores, quase voando como uma pluma a descer devagarinho no ar. Todo seu corpo dançava, suas barbatanas e seu rabo a ondular e movimentar mansamente a água que brilhava como mil diamantes e espalhar luzes e reflexos em todas as direções. Era pura arte, técnica e emoção em perfeito equilibrio, carregado de todos os sentimentos que nutrem as paixões e que tanto nos comovem na Arte.
Ao olhá-lo, eu lia poesia, prosa. Assistia cinema, teatro, ópera, televisão, balé. Estava diante de uma tela pintada por uma força de dimensões inatingíveis. Fechava os olhos e tentava na condição de pequeno mortal, imitar o que meus olhos viam trêmulos de afeto e emoção.
Cada vez que me aproximava dos movimentos de Ciano, e quanto mais o olhava, mais sua solidão me doía menos. Eu passará a compreender melhor o quão simples era o milagre da vida. Tão simples, como os movimentos, como a vida de Ciano. E ao compreender este simples e grande milagre, aos poucos, coloria de um outro tom de azul, minha vida, riacho d’água em direção a um oceano iluminado quase transparente de tom tão azul.
Incomodava-me o fato de alimentá-lo. A vendedora havia orientado para alimentá-lo somente após dois dias, ou a cada dois dias. Eu olhava atentamente o seu aquário, com águas enevoadas de um verde vago, indeciso, que não se deixava notar qualquer sinal de desfeito da sujeira que caracterizasse a geléia de artérias que era a sua ração. Sua alimentação, combinava idéias num raciocínio lógico, matemático até: Geléia de artérias que conduzem o sangue que oxigena os tecidos e permite a vida. Ciano alimentava-se de vida para viver... O meu desespero conjugava sentimentos de pai, mãe, irmão e amigo; aumentando cada vez mais por desconhecer suas necessidades vitais. Se estava ou não com fome? Olhava novamente a água , tentando iludir-me, mas sequer um cisco,modesto, podia ser notado por entre as brancas pedrinhas que atapetavam o chão do aquário.
Não resistindo a tentação que tanto me angustiava, peguei o pote de geléia de artérias que guardava na geladeira de frente ao freezer. Raspei um pouquinho com uma faca e coloquei no canto do aquário. As pequenas partículas iam caindo como chuvas e Ciano permanecia inerte, indiferente, sem se mover. Tamanha minha frustração, que se confundia num desalento pueril a torturar-me com inúmeras questões:- Será que ele não gosta mais de geléia de artérias? Será que venderam-me um produto estragado?Será que ele esta bem? Será que está doente e sem fome? Será que não gosta mais de mim?... Ficava olhando e conversando com Ciano, mas nada dele abocanhar as migalhas de vida. Ele permanecia igual, parado; às vezes descansando sobre as brancas pedrinhas , outras flutuando gracioso, delicado ou nadando de inesperado.
De vez em quando, voltava a brincar de espelhá-lo e ele estatelar aquele azul com sabor de felicidade. Ai me tranqüilizava. O mesmo Ciano dantes, pleno da mesma solidão cor de azul que lhe era peculiar.
De madrugada, acordei assustado, e corri para a sala de jantar. Lá estava ele a olhar-me com os olhos que faço quando estou faminto. Deslocava de impulso, um pulo à geladeira e pegava o pote de geléia de artérias. Raspava um pouquinho e colocava no canto do aquário, à medida que caíam , Ciano se refestelava com uma doçura, uma satisfação... Observava maravilhado sua mímica e expressão facial, às vezes, parecia que mastigava e logo após, como num sopro, lançava pequenos fragmentos que os sorviam posteriormente, expressando o melhor sabor do mundo. Outras, parecia fazer caretas homéricas. Era engraçado e doce observá-lo comer, pois todos os gestos e movimentos se harmonizavam, tamanha delicadeza e precisão e minúcia dos mesmos. Os olhares que ele fazia, como se estivesse incomodado, ou como a convidar para saborear a vida da geléia de artérias.
Uma vez, toquei de leve, com a ponta do dedo indicador, aquela gelatina de um marrom quase vermelho, e lambi com uma suavidade quase obscena e até que não achei ruim de todo.
Olhamos nos novamente e sorríamos como duas crianças lambuzadas de geléia de artérias, plenos de vida. .. Fiquei aliviado de felicidade de podê-lo alimentar. Era como saber que nada interferisse no seu meio, na sua solidão. E assim, eu o teria ainda por mais dois dias.
Mas logo, e de novo, me afligiam as dúvidas: Será que Ciano está comendo demais? E se ficar obeso? Não há espaço suficiente para exercitar e manter a forma. Poderá morrer de tanta gula ou indigestão?
Mas aos poucos fomos nos conhecendo, fui me conhecendo e conhecendo Ciano.Notei por exemplo, que ao levá-lo a fúria frente aos meus medos, quando o espelhava, ele retornava acelerado à superfície para respirar. Concluí que dispendia mais energia, assim , todos os dias o fazia insuflar o mais belo azul e soltar bolhinhas de ar que caminhavam até a margem do aquário e se agrupavam num canto , formando uma fímbria, como pérolas de ar.
Como um soprar , carregado de frescor do tempo que passa, fui convivendo mais pacificamente com minha solidão, meus medos. Cada vez mais , eu assemelhava-me a Ciano e ele à mim. Como se guardasse o segredo de minha vida dentro daquele peixinho azul.
Quanto mais eu vivia, mais poesia ressoava em melodia, como um som ao longe, de uma harpa mágica, tingindo em tons azuis aquele serzinho, o meu serzinho. Estavamos, mais e mais em consonância, tínhamos um diálogo que era só nosso, e nos entendíamos como ninguém. As perguntas que antes me atormentavam, aos poucos, foram esvaecendo como brumas e espumas de ondas do mar que a areia absorve.Conversávamos com os olhos no mesmo tom de cor.
Quando chegava perto do aquário olhava-o de cima, e ele vinha a tona como que a me saudar. Eu já sabia o quanto de geléia o satisfazia e quando. Extraordinariamente, Ciano tornou-se eu, meu espelho, minha alma, minha aura. Assim seus tons modificavam corando-se dos mais diversos azuis que existem, conforme meus diversos sentimentos e humores.
Ciano era minha amarga solidão que aos poucos foi se adocicando com a sua presença. Como se olhasse algo que de mim fugia. Uma dor que me doía e que agora doía menos. Ciano foi me ensinando com poesia e cor a ser feliz.
Jamais esquecerei o dia em que me descobri amando, enamorado, divino, inebriado de emoção com o coração palpitando à boca. Cheguei em casa cantando uma canção de amor, com o sorriso de orelha a orelha, e a inércia boba , quase infantil, cheia de pureza do ser apaixonado. Olhei-o com um brilho impetuoso , num olhar que ardia mais que o sol, e vi Ciano arrepiar-se num azul transcendental, imaculado. O mais doce e musical tom de azul celestial. Luzidio, quase transparente tom do azul mais azul dos azuis que há.
Ele me olhou certeiro, com o mesmo contentamento e certamente seu coração batia tão rápido e acelerado quanto o meu. Seu olhar era intenso, tão intenso, quanto o dourado que irradiava de meus olhos, mas continha lá num canto perdido de seu olhar uma lágrima quase invisível, que só eu podia vê-la e que se tornava mais clara quando eu fechei meus olhos.
Aquela lágrima tinha um misto de prazer e dor, tristeza e despedida, saudade, talvez. Mas se dispersou com o deslumbramento de alma em que me encontrava.
Adormeci exausto, cansado de tanto sentimento, sem nada sonhar, pois meu sonho agora era vivo e real. Eu amava. Estava amando e era correspondido. Não me sentia mais só. Agora eu dividia com alguém minha alegria, minha dor, minha vida...
No meio escuro da noite, acordei de sobressalto. Assustado, suando. Fui caminhando sem pressa até a sala de jantar. Logo avistei Ciano a transluzir sob a água, pairado a boiar sereno entre a bolhinhas de pérolas da superfície do aquário. Com os olhos estáticos, como o mundo visto de longe e com o olhar mais longe ainda.
Tirei-o delicadamente e o pousei sobre a mesa. Olhava-o com as mesmas lágrimas salgadas de mar que notei em seus olhos, e murmurava baixinho seu nome azul.
Estava sentindo não sei dizer o quê, que me doía de leve e profundo no meu coração, na minha alma, no meu ser. Fiquei a observá-lo minuciosamente como na primeira vez, e o seu tom de azul profundo foi tornando-se róseo luz, indecifrável, quase para um roxo, violáceo, purpúreo e suave . Mais suave ainda com um pouco de azul que aos poucos ia-se perdendo num branco quase prata. Penumbra com tons de cinza claro. Entre lágrimas de amor, os tons de cinza claro azulado, como mágica, foram perdendo aos poucos o azul. Lentamente ensombrecia. E o cinza claro , pouco a pouco tornava-se mais escuro. Tons de cinza escuro, aos poucos, quase negros, até anoitecer....

*Escrevi esta história em 92.

terça-feira, 15 de março de 2011

OS CREDORES



"No fundo, é isso, a solidão: envolvermo-nos no casulo da nossa alma, fazermo-nos crisálida e aguardarmos a metamorfose, porque ela acaba sempre por chegar".August Strindberg

"Ergueu as sombracelhas como se seus olhos perseguissem imagens fugidias do passado..."Arthr Schnitzler

Os Credores , uma tragicomédia naturalista de August Strindberg(1849-1912), escrita em 1888, continua um texto atual. Com uma nova encenação pelo Tapa, com direção de Eduardo Tolentino, têm no elenco afiado e maduro: - Chris Couto que vive a escritora Tekla, mulher moderna e independente que se separou de Gustav , personagem de Sérgio Mastropasqua e se casou com Adolf vivido por José Roberto Jardim. Com cenografia e figurino de Lola Tolentino. Luz e som de Jorge Leal.
O assunto da peça, os relacionamentos e a libertação da mulher, era o assunto da época. Contemporâneo de Strindberg, Ibsen escreveu A Casa de Bonecas em 1897. Inclusive o próprio Strindberg acusou Ibsen de plagiá-lo em sua peça Hedda Gabler de 1890, outra mulher independente.
Dizem que o dramaturgo inspirou-se em sua própria experiência ao escrever a história, ambientada em um hotel em Estocolmo. Strindberg era casado com a atriz filandesa Siri Von Essen, divorciada do barão Carl Gustav Von Wrangel. E como o personagem de Adolf , temia que a esposa votasse a amá-lo. Alguns críticos ressaltam que toda a obra de Srindberg é inspirada em suas vivências. Aliás o autor era plural, escreveu mais de 60 peças e mais de 30 obras de ficcção, viajou bastante, foi telegrafista, jornalista, teosofista, a doutrina que mistura a filosofia da religião com o misticismo, pintor, fotográfo e até alquimista. É por muitos considerado o pai da moderna literatura sueca. E influenciou uma geração de dramaturgos como Tennessee Williams, Edward Albee, Maxim Gorky, John Osborne , Ingmar Bergman e Eugene O’Neal e muitos outros.
Strindberg coloca em cena o homem moderno em conflito com seus valores, ele dizia e sentia que o verdadeiro naturalismo era uma psicológica batalha mental: duas pessoas que se odeiam de imediato e fazem um enorme esforço para dominar o mal que emerge como uma hostilidade quase mental e doentia e o que ele tenta descrever de forma imparcial e objetiva com o desejo de fazer da literatura algo similar a ciência.
As feridas de amor cicatrizam? Você já cobrou de alguém o que de bom e de bem você fez a esse alguém por amá-lo? Alguém já te cobrou por algo que te deu enquanto te amou?É impossível passar pela vida sem esses questionamentos... Ou pelo menos uma vez pensar se este alguém que esta ao seu lado ainda lembra ou pensa em outro?
Os segredos sabidos de outrem tornam mais fácil a conquista. Quantos amigos já trocaram confidências e histórias de amantes, e num outro momento o amigo está com a ex- amante do amigo. Ela por sinal feliz por estar com o homem certo que realiza seus segredos secretos.
 Parece banal assistir hoje a estas discussões , mas Strindberg escreveu e encenou. Até Woody Allen no filme Todos Dizem eu te amo com Julia Roberts usa uma história parecida, créditos de  Strindberg e Bergman.
Quantos amigos influenciaram o outro a deixar o amor de sua vida, pois este era o seu amor. Enfim , é do ser humano a Dúvida, a cobiça de amores, cíúmes  e outros sentimentos. E é exatamente isto que a peça trata, por isso atual.
A peça terá em breve uma nova montagem com um elenco global. Os Credores estão na moda. A encenação no Viga Espaço Cênico, vale a pena não só pelo texto, mas pelo jogo e a entrega do elenco. Tudo é muito simples, quase tudo passa desapercebido: da musica , a luz , figurino e cenário. São os atores em cena que fazem o brilho e a luz das palavras vibrarem em nossa alma.
Quando visitei a Suécia pela primeira vez. Estocolmo , estava em luto pela morte de Bergmann. Sua despedida se fazia no Teatro de Drama. Saí de lá e subi a alameda que conduzia a casa-museu de Strindberg. Fui conhecendo um pouco mais do cotidiano e do mundo deste autor. A sua escrivaninha, com as canetas tinteiro, seu quarto entre outros cômodos.A sala , alguns de seus desenhos e fotos de suas viagens, de algumas montagens, da família e etc... Eu via tudo lentamente, procurando apreender um pouco... . Mas a tristeza da perda daquele que com seus filmes e peças me fez enxergar o mundo de uma outra forma .Assim como, as peças de Strindberg, Ibsen, Shakespeare e tantos grandes...tinha algo de tragi-cômico ou surreal, talvez como a própria vida inexorável à  morte. Explico: parecia surreal , eu nascido no centro do Brasil, ter conhecido tanto Strindberg e Bergman.Mas era o nosso humano mais que humano que nos assemelhava, independente do lugar.Algo que é do homem, da arte e do universo.
Eu ,que quando assistia os filmes de Bergman , tudo me parecia e me era tão distante e tão próximo, que tinha a sensação de que jamais conheceria a Suécia. A Suécia era tão distante ... que hoje no mundo virtual que vivemos é difícil explicar esta sensação.
Mas enfim, Suécia à parte; particularmente, também já tive amigos, que de posse de minhas histórias se aproximaram de meus ex-amores. Com o tempo,  aprendi a doar e não cobrar pelo o quê através do amor eu doei .
Também posso dizer, que quem mais me cobrou, foram os que de certa forma menos me amaram.Pelo menos da forma que eu esperava, apesar de dizerem que eu nunca encontrarei alguém que me amará tanto quanto eles me amaram. Será?

Arte:Fabricio Matheus

MONUMENTO AS BANDEIRAS BRECHERET


Têm mais fotos, mas não consegui postar.

Fotos:Fabricio Matheus






BANCOS de POESIA



Fotos:Fabricio Matheus

domingo, 13 de março de 2011

A SAGA do PINGUIM de GELADEIRA



"A medida de uma alma é a dimensão do seu desejo."Gustave Flaubert

"Amor e desejo são coisas diferentes. Nem tudo o que se ama se deseja e nem tudo o que se deseja se ama".Miguel Cervantes


Meu primo que mora em Nova York ,em visita ao meu apartamento, manifestou o desejo de ter um Pinguim de geladeira. Não como o meu , que é somente branco e da Tok Stok, nem como os souveniers do Pinguim de Ribeirão Preto.Ele quer um original como o de nossas avós, um bem kitsch.
Combinamos de sair a procura de um no sábado, mas meu primo adiantou seu retorno e partiu na sexta. Coube a mim a procura de seu objeto de desejo.
No sábado chuvoso, saí a procura do seu pinguim de geladeira. Estava animado, a chuva espanta os compradores e o preço caí.
Para minha surpresa na Praça Benedito Calixto , tinha somente uma banca com Os Pinguins de Geladeira. Infelizmente, os pinguins de geladeiras, são avis raras e para minha surpresa estão em extinção e cada vez mais caros... coisa que não sabia.
Achei somente uma banca com os ditos cujos, nesta banca, especificamente os pinguins eram dos anos 50, todos assinados, com a origem e pedigree de suas respectivas proveniências e com os preços de acordo , algo que variava de 380 a 100 reais.
Como fuçar e procurar diferentes preços e artigos é algo que me dá um profundo prazer, deixei a busca aos pinguins de geladeira para o dia seguinte.
Domingo em São Paulo, têm a feirinha do MASP, a feira do Mube e a mais em conta a do Bixiga.
Manhã ensolarada , pûs-me a procura do objeto do desejo de meu primo. Ele quer um pinguim de geladeira da origem da que nossas avós tinham.
Nestas buscas fui me inteirando da origem dos pinguins de geladeiras.Alguns de Jundiaí, onde tinha uma famosa olaria.Outros, do Rio de Janeiro, da Osiarte que fabricaram azulejos de Portinari que decoraram a Igreja de São Francisco da Pampulha em Belo Horizonte, os painés das Fiandeiras de Guataguases-MG e do prédio do Ministério da Educação e Saúde no Rio, produziram também alguns azulejos de Caribé, Djanira, Burle Marx entre outros. Há alguns pingüins provenientes de olarias do Rio Grande do Sul.O ano de fabricação é importantíssimo e influencia o preço.
O engraçado é que não achei nenhum pingüim de geladeira cuja origem fosse a de pertencer a uma casa nobre, ou a um dono também nobre e de nome.
O preço dos pingüins de geladeira estão ligados aos anos e aos locais de onde precederam.
Também não achei nenhum pinguim que fosse de Porto Ferreira, considerada a terra da cerâmica.  
Os pingüins, da mesma origem do que as nossas avós tiveram,  que provavelmente são os de Jundiaí, estão realmente  em franca extinção, mesmo na feira do Bixiga. O mais barato e pequeno em torno de 120 reais.
Quase que desisto da procura desta avis rara , os pingüins de geladeiras,e busco para o meu primo o que herdei de minha avó, e se encontra agora, no calor tropical e infernal de Itumbiara, na casa de meus pais, no sul de Goiás.
Mas como bom brasileiro que sou, não desisto.Estou a negociar e a pechinchar um dos que encontrei numa das lojas de antiguidades e quinquilharias no Bixiga . E mantenho –me sempre de olho, nos caminhos do meu dia a dia, pois por um destes acasos da vida, posso acabar cruzando com algum pingüim de geladeira, como o de nossas avós, perdido e barato. Estas coisas acontecem. Ai, certamente, este não escapará e migrará em boas condições para o pólo norte .
Disse ao meu primo que pode ficar tranqüilo que conseguirei um dos que ele quer , como o de nossas avós, e em breve.
Este sortudo pingüim , repousará faceiro sobre a geladeira do meu primo em Manhattan , com uma grande janela a sua frente, com uma ampla vista. E se ele se esforçar, verá todos os dias ao longe, no horizonte,  além do nascer do sol  e o anoitecer , a Estátua de Liberdade.

Arte:Fabricio Matheus


A DÓCIL - PALHAÇOS – 2X DAGO


“Na verdade, na verdade vos digo que, se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só;mas se morrer, dá muito fruto.”Evangelho segundo João 12:24

Estas palavras então gravadas na lápide de Dostoiévski( 1821-1881), no monastério Nevsky em São Petesburgo. Versos que serviram de subtítulo para seu último romance , Os Irmãos Karamazov, considerado por Freud o melhor romance já escrito. Sua obra teve uma influência decisiva sobre toda a literatura do século XX, especialmente no expressionismo e existencialismo.
Para Nietzsche , o autor foi o “único psicólogo com quem tenho algo a aprender : ele pertence às inesperadas felicidades da minha vida”. No Brasil sua obra se popularizou principalmente pelas traduções francesas e influênciou entre vários escritores , Machado de Assis, principalmente por despertar no leitor este mergulho na alma humana.
Dostoiévski , cuja escrita encarnam valores atemporais, temas universais, como a morte, suicido, orgulho, destruição dos valores familiares...Sempre com visões sob diferentes ângulos e repletos de uma força dramática, em que os personagens e os opostos pontos de vista são realizados livremente, em violenta dinâmica. Os fatos aparecem de repente, o instante ganha o tempo, as cenas aparecem e desaparecem como num filme, como numa peça de teatro.
A Dócil, novela do autor escrita em1876, está em cartaz no Galpão do Folias, com dramaturgia de Dagoberto Feliz e Pedro Mantovani. Direção de Pedro Mantovani com Dagoberto Feliz e Patrícia Gifford.
A história é a do envolvimento amoroso do dono de uma casa de penhores, homem mais velho, com uma adolescente de 16 anos, com quem se casa e trava uma batalha silenciosa, submissa , opressiva , dia a dia, culminando em uma tragédia.
A novela lida poderia ser uma análise do narrador sobre o fato, que nós é contada com a atuação visceral de Dagoberto Feliz, em meio ao cenário caótico da dupla dos adaptadores, iluminação de Aline Santini e trilha musical de Demian Pinto que faz total diferença.
A história, se você não soubesse, poderia ter sido escrita por Machado de Assis ou até mesmo Nelson Rodrigues.Entremeado a narrativa dos fatos ocorridos, a música entra com a mesma força dramática das ações que nos são apresentadas, num leque que mescla do Tango a Beethoven , de Herivelto Martins, passando por Roberto Carlos e terminando com Chico Buarque e Tom Jobim.
Dagoberto e Patrícia dissecam a alma dos personagens e nos mostram os horrores e misérias da alma humana.De algo, que de certa maneira, esta escondido em cada um de nós. Assistindo a arrebatadora apresentação não têm como não nos redimirmos de nossa pequenez, de nossa finitude. A grandeza da apresentação têm a mesma força transformadora das palavras do autor russo.Talvez mais do que isso, hoje em que a imagem é tão mais forte que a escrita, a peça e o teatro trazem para o público o drama na forma tridimensional.É imperdível.
Fiquei arrebatado pela história, pelas músicas.Muitas fizeram parte de minha infância , e as conheci pelo meu avô , que adorava a Dalva de Oliveira e a Ângela Maria, outras pelo meu pai e outras que escutei no LP dos Doces Bárbaros com a Bethânia, que quis ver mais o Dago.
O Galpão Folias foi um aprendizado na minha vida durante a temporada do El dia em que me Queiras. Fiz amigos e quase uma família ali. Aprendi muito sobre o teatro, a dedicação do ofício com os atores.Entre eles o Dago, que será para sempre o meu Gardel, ainda me lembro claramente de suas falas na peça.
Ficava horas vendo e aprendendo sua rotina com a maquiagem, o cuidado com os instrumentos musicais , com o vestuário dos personagens, o aquecimento vocal era uma festa (séria!). Diverti muito com suas histórias, aliás muitas... Neste período, o Dago estreou Palhaços na sessão da meia-noite e assisti a primeira noite.Depois a temporada foi para outro teatro e quando terminava o El dia , o Dago saía de moto com o acordeon pendurado às costas, rumo ao outro teatro para apresentar Palhaços.
Novamente, reencontrei antes do Palhaços , o Dago na pele do Dago no sagão do teatro Imprensa.Conversamos e revi Palhaços , acho que depois que se passaram 5 anos, algo de Lorca .
Palhaços, de Timonchenco Wehbi(1943-1986) é uma peça de 1974, sobre um duelo travado nos bastidores de um circo decadente , entre um palhaço profissional e um outro palhaço da vida, com diálogos ríspidos, rápidos, outra história sobre o absurdo da existência humana.
Dagoberto Feliz dividi o palco com o não menos sensacional Danilo Grangheia, com direção de Gabriel Carmona.Se a peça está em cartaz ao longo destes anos, não é preciso escrever mais nada,se você não assistiu , não perca.
Quero escrever sim, como a peça fluiu e evoluiu ao longo dos 5 anos. Na primeira noite, lembro-me que o final foi abrupto. Danilo, sempre grande, estava mais técnico e era mais voz,e que voz. Passados 5 anos, o que presenciei foi um feliz casamento que só evoluiu para melhor. Alias , entre outras peças como Orestéia , os dois já estiveram juntos no poético filme escrito e dirigido por Bete Dorgam para a TV Cultura , Fellini sobre as águas...
Assistir A Dócil e rever Palhaços, além de ter feito um bem para minha alma sempre carente de arte, foi novamente um aprendizado sobre teatro e o ofício do ator.
Dago, um beijo na sua alma, no seu coração, maior que o teatro, maior que o mundo e que como seu nome, você seja sempre FELIZ.

quarta-feira, 2 de março de 2011

ESCADA DE MINHA MANSARDA de GUILHERME DE ALMEIDA



Escada de minha mansarda

Íngreme, estreita, escura e curva é a escada que sobe para minha mansarda.
Capaz de desanimar os velhos fôlegos cardíacos, nunca, entretanto, intimidou meu já muito vivido coração. Pelo contrário:leva-me leve, alado como os anjos da escada de Jacó.
Jamais me arrependi de tê-la subido.Sempre me arrependi de tê-la descido. Porque é mesmo uma ascensão ir pelos seus degraus acima:um desprendimento do rasteiro, numa ânsia de quietude, isolamento e sonho, para o pleno ingresso nos meus Paraísos Interiores. E porque é sempre uma degringolada ir pelos degraus abaixo:uma humilhante devolução ao mundo de todo o mundo, uma expulsão do réprobo atirado impiedosamente às ganas da caterva.
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Escada da minha mansarda...
Chego, pesado, do dia cretino e pornográfico, esbanjado entre interesses desinteressantes, palavrórios e palavrões, mandos e desmandos, incompreensíveis incompreensões...
Chego. O fardo é exaustivo. Enfrento a escada. Parado, um instante, deixo ir por ela o olhar e o pensamento. Já isso é um alívio. O mundo, que eu piso, assume, então, certa importância: a de um capacho.Na sua áspera fibra limpo a sola dos meus sapatos.Lá, no topo, está a libertação.
E subo, contando os degraus, que vão ficando cada vez mais fáceis. E eu vou ficando cada vez mais leve. Mais fáceis... Mais leve...Mais...
Pronto!
Aqui não há leis:nem mesmo a da gravitação terrestre.
Aqui é um ponto fixo no espaço.Talvez aquele pro que suspirava Arquimedes:-- “Dê-me um ponto fixo no espaço que, com uma alavanca , eu moverei a terra!”
Eu tenho esse ponto.E basta. Não quero alavanca. Porque a terra não me interessa.

Guilherme de Almeida (Coluna”Ontem-Hoje-Amanhã”, no jornal Diário de São Paulo publicado no dia 28 de março de um ano desconhecido).

CASA GUILHERME DE ALMEIDA


O Homem que falava sozinho
“A rua vai falando
Ítalo-arábe-hebraico-russo-japonês
um dia não sei quando
um sujeito passou falando portugês”
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“Eu passei a teu lado,
mas ias tão perdido em teu sonho dourado,
meu pobre sonhador, que nem sequer me viste!”
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“Vias-me .E então, num súbito tremor,
fechavas a janela para o mundo
E me abrias os braços para o amor!”
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“Todo amor não é mais do que um “eu” que transborda.”
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“Porque o amor tem um gosto esquisito de morte!”
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“Passas por mim – e há tanta , tanta
música em ti, que tudo canta.
Tudo encanta”
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ROMANCE
E cruzam-se as linhas
no fino tear do destino.
Tuas mãos nas minhas.
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“...Mas trago a eternidade na miragem...”
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“O que de olhos abertos eu não via.”
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“A mentira da vida e a verdade do sonho.”
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“E partiste.E eu fiquei no dia sem paisagem.”
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“Das tardes todas de amor de que vos lembrardes,
Dos restos todos de dor das suas saudades
Só fiquei eu.”

Eu sempre gostei de visitar as casas das personalidades que admiramos. Faço isso no Brasil e quando viajo. Em muitos destes locais, além de se conhecer mais:- ver onde dormiu, onde descansava, onde escrevia, o cotidiano, nos aproxima e amplia nossa visão sobre a obra e o artista.
Foi reaberto pelo governo do Estado de São Paulo no dia 11 de dezembro de 2010, depois de longa reforma a casa do poeta Guilherme de Almeida. A casa além de museu é um Centro de Estudos de Tradução Literária, ou seja , um centro de pesquisa e cursos constantes de literatura,poesia, cinema e outros temas.
Tinha uma vaga lembrança do Príncipe dos Poetas, um livro da editora abril e algumas leituras no colegial , talvez pelo seu título, minha memória sinalizava algo de parnasiano em sua poesia, ledo engano.
Minha visita a sua casa, além de redescobrir o jornalista, tradutor, e excelente poeta, moderno. Guilherme de Almeida foi um dos primeiros a escrever Haikais, influenciando o concretismo. Era casado com Baby de Almeida, e são interessantíssimas as histórias que nos foi contada sobre seus primeiros encontros entre outras.
 Foi um grande tradutor de escritores ingleses, franceses principalmente e até índus, entre outros. Uma de suas qualidades era a amizade. E a amizade é marcada pelos presentes e sua proximidade com as artes plásticas. Há obras de Segall, Di Cavalcanti, Sansor Flexor, Tarsila, Anita Malfati entre outros. Vários livros com dedicatórias de Rosa a Walt Disney.
Guilherme de Almeida (1890-1969) formou-se em direito no largo de São Francisco onde começou a publicar seus poemas ainda sob o pseudônimo de Guidal. Exerceu seu ofício como jornalista, foi crítico de cinema, participou da Revolução de 30 em São Paulo, escreveu hinos, tinha uma preocupação estética com a grafia e a forma do poema, foi exilado em Portugal entre outros feitos.
Membro , a partir de 1928 da Academia Paulista de Letras, tornou-se o primeiro autor moderno a ser eleito na Academia Brasileira de Letras em 1930.Entre inúmeros títulos e condecorações, foi lhe conferido o de Príncipe dos Poetas Brasileiros em votação nacional em 1959, nada que lhe tirasse do seu ofício de secretário de escola, jornalista e cronista e seu cotidiano de artesão da palavra.
A visita a Casa Guilherme de Almeida é uma viagem de agradável descobertas, além da gentileza dos guias, sempre prontos as dúvidas e fazendo o máximo para que você aproveite o que o museu têm a oferecer.
Começamos pela entrada da casa. Depois, a sala com quadros de artistas famosos , algumas esculturas em homenagens aos seus livros. A sala de jantar. Uma outra sala , onde se realizam os cursos e exibições com discussões do programa do Centro Educacional, também com inúmeras obras .
No primeiro andar, onde funciona parte do acervo de livros e a diretoria da Casa-museu, há também o quarto do casal, com uma cama de dossel azul. Fotos da família. Um genuflexório de sua amada esposa para as preces e orações.
Uma pequena escada nos leva a sua Mansarda, ao seu esconderijo, ao seu escritório.Local que ganhou inclusive uma crônica na coluna “Ontem-Hoje-Amanhã” no jornal Diário de São Paulo. Era ali, que o poeta passava o dia e a noite perdido nas letras dos versos e em línguas diversas em busca da perfeita tradução.
O quintal da casa, foi transformado em um pequeno auditório aberto, cujo cenário são algumas árvores, têm uma jaboticabeira e à esquerda , o túmulo do cachorrinho do casal que se chamava Ling-Ling.
Além de descobrir um mundo. O mundo do poeta. A visita aproximou-me de sua biografia e de sua obra encantadora. Era realmente um mestre das palavras, amigo dos amigos, político , diplomata das relações e um articulista que prezava a vida familiar e os amigos acima de todos os poemas.
A Casa Guilherme de Almeida fica na rua Macapá187, numa colina no Pacaembu. A entrada é gratuíta, e o museu permanece aberto à visitação de terça a domingo das 10 às 17 horas.Maiores informações no site abaixo. É mais uma opção cultural de alto nível para a cidade de São Paulo.


Fotos:Fabricio Matheus

terça-feira, 1 de março de 2011

HAIKAIS NA SUMARÉ



Dizem que estou mais triste
na verdade
estou mais humano

Ela anda de preto básico
O boné de strass preto
Brilha ao meio-dia

Ele têm os olhos verdes
ele corre com a camisa verde
e os cadarços do tênis
também verdes

Ele corre sem camisa
e carrega nas costas
um cristo na cruz

Ela é gordinha
E não anda
Ela corre e não corre
Ela podia começar a andar

Ela anda com o cachorro
Como desculpa
para conhecer
outros cachorros...

Ele corre  na dele e finge não olhar
Quando passa
ao lado correndo
aquele corpo  na dele que não quer calar

Eles andam em três
escrevem no jornal
e discutem filosofia
nas histórias da vida

Ida
Corro com os carros indo
Volta
Corro com os carros vindo

Fotos:Fabricio Matheus

COMO ESQUECER UM AMOR OU APRENDER A AMAR II


Malba Tahan conta, em um de seus livros, a história de um homem que foi condenado à prisão, e nela encontrou companheiros que falavam muitos idiomas diferentes. Para passar o tempo, aprendeu vários deles durante sua prolongada estadia no cárcere. E, quando saiu, ganhou fama de sábio, embora quase não falasse mais. E por que? Porque ele era capaz – assim diziam – de ficar calado em sete línguas diferentes!


Fui ao teatro assistir a História de um príncipe triste e melancólico que saí a procura de três laranjas para aplacar o seu penar.Foi quando reencontrei uma amiga que me perguntou o quê fazer para esquecer um amor.Eu respondi que os amores não são feitos para serem esquecidos e sim para que sejam aprendizados para os próximos amores.
Mesmo nos amores não correspondidos, o sofrimento e o sentimento de não ser querido, nos fornece um momento particular importante para que possamos apreender sobre nós.
As vezes os amores não correspondidos nos semeiam um sentimento de revolta e uma vontade de revidar. De mostrar ao outro que podemos e que poderemos ser queridos e estar com alguém melhor e que azar o dele de não me querer.
Há pessoas que fazem do amor não correspondido um motivo de vida, um amor-ódio, e se vingam não amando os outros que a amam. Outros fazem de um único amor o motivo final de suas vidas.
Outros acham que amam e fazem do amor platônico , algo maior e inatingível, e vivem desse amor que nunca se concretiza,transformando o fato em ilusão e no sentido maior de sua existência .
Outros não esquecem jamais alguém por medo de se machucar novamente e sofrer.
Eu falei de mi respondi que cada pessoa têm sua maneira de amar e esquecer um amor. Mas os amores não são feitos para serem esquecidos.Como dizia o poeta Drumond:Amar se aprende amando.
Conversando sobre o amor com minha amiga, veio-me as histórias de amor, não só as vividas , mas as lidas e assistidas. Lembrei-me de Inês de Castro, personagens de Shakespeare, Rosa e tantos outros que descreveram o amor com tamanha propriedade e clareza que quase materializarão o etéreo sentimento maior do homem.
Não sei se minha amiga é muito nova, mas a dela é vnigança. Que assim seja!Espero que ela aprenda na vingança, o amor.
Lembrei-me de uma história parecida com o conto de Eça de Queiroz “ O estranho caso de José Matias”, era um rapaz que achava que amava e nunca era correspondido. O rapaz tornou-se vítima de seu destino e fez-se poeta. Escrevia versos a suas amadas, e realmente nunca era correspondido.
Até que se apaixonou por uma linda mulher enquanto assistia um jogo de basquete na quadra da universidade. Ele a viu de longe e se apaixonou. Começou a mandar poemas e mais poemas. Ela era linda, e depois ele descobriu que ela era noiva. Com isso ficou mais triste e mais melancólico, sabia que jamais seria correspondido. Seus poemas eram escritos cada vez mais com mel e sangue.
A garota linda começou a ficar tocada com as palavras do rapaz, e se o quê ele escrevia fora verdade, talvez pudesse o rapaz ser o homem de sua vida. A garota era mais nova que o rapaz mas era uma mulher. O rapaz que queria amar era ainda um menino.Amedrontado e apaixonado.
Um dia a garota foi atrás do rapaz e disse que estava disposta a largar o noivo para viver o amor que o rapaz escrevia.
Foi aí que o rapaz percebeu que ele até queria amar a garota, mas ele não amava. Ele ainda não sabia o que era o amor. Ele tinha uma vontade enorme de amar, ser amado , mais tinha medo.
A possibilidade real de amar a garota, que talvez pudesse redimi-lo , e fazer inveja aos outros por estar com uma bela mulher. Além de mostrar que ele não amava a garota e sim talvez essa possibilidade, revelou um segredo ao rapaz que ele guardava escondido a sete chaves dentro dele mesmo , talvez ele até soubesse , mas evitava até pensar. O segredo era simples, muito simples. O segredo era o seu desejo.
O rapaz gostava de rapaz! Mas feliz que José Matias, o personagem do conto de Eça, o rapaz viajou , cresceu , tornou-se homem e aprendeu realmente a amar e o quê era o amor com outros iguais a ele.

"Eu me dedico demais ao amor..."
"E assim pensando rasguei, tua carta
E queimei, para não sofrer mais."Isaurinha Garcia


Fotos:Fabricio Matheus

COMO ESQUECER UM AMOR OU APRENDER A AMAR I


“Amor, que o gesto humano na alma escreve”

“É um não querer mais que bem querer”Camões

Era uma vez um príncipe triste, D.Pedro, herdeiro do trono português. Era casado, mas se apaixonou por uma das aias de sua esposa que se chamava Inês. Inês foi mandada para longe, para amenizar os boatos da corte, mas logo, a futura rainha morreu, ao dar a luz ao novo futuro rei D. Fernando.
Inês regressou do exílio para viver com o príncipe. O rei tentou casar novamente o herdeiro com uma dama de sangue real. D.Pedro alegou estar ainda em luto, para continuar a viver com Inês, com quem foi tendo filhos:três...
Pedro estava feliz com Inês e moravam no Paço de Santa Clara, construído por sua avó a Rainha Santa Isabel.Havia boatos de que o príncipe casara em segredo com Inês. O rei D.Afonso cedendo às pressões, mandou matar Inês, cujas lágrimas derramadas no rio Mondego criaram a Fonte dos Amores da Quinta das Lágrimas e algumas algas vermelhas que ali cresceram, diziam ser o sangue derramado da amada , mas não nobre dama.
O príncipe além de triste, ficou revoltado. Com a morte do rei, foi coroado como D.Pedro I, o oitavo rei de Portugal, legitimando os filhos de Inês , ao afirmar seu casamento com a amada já morta.
O príncipe perseguiu e executou os assassinos de Inês, arrancando-lhes os corações pelas costas.
Não contente, mandou desenterrar Inês, e a coroou rainha , obrigando-lhe aos súditos a beijar a mão de sua tão amada amante. O príncipe continuou triste para sempre, até os fins de seus dias...
Mandou construir o seu sepulcro no mosteiro de Alcobaça de frente, onde sepultou Inês.Os restos de ambos jazem juntos até hoje, frente a frente.Contam os portugueses, que é para que possam olhar-se nos olhos quando despertarem no dia do juízo final.
Este episódio ficou eternizado pela escrita de Camões no Canto III de Os Luzíadas, epopéia que narra a saga e aventura do povo português. Paradoxalmente, popularizou-se entre os portugueses, descendentes e brasileiros que estudaram literatura portuguesa nos livros de Massaud Moisés a expressão: Inês é morta! Significando que não adiantou coroar-se rainha visto que morta era .
O fato é que Alcobaça, pequena cidade de Portugal, vive basicamente do Turismo, das visitas ao Mosteiro onde adormecem D.Pedro e Inês.
Todas as noites em Alcobaça, estreladas ou não, se encena a Tragédia e o Amor de Inês de Castro.

Fotos:Fabricio Matheus