quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

O CERTO E O ERRADO




Achei esta foto vasculhando os álbuns e lembranças de mim mesmo, na casa de meus pais e no meu quarto de infância.Ela reflete muito de mim, meus olhos, sorriso. Ganhei esta máquina de escrever de natal, quando não tinha nem cinco anos, talvez um prenúncio de onde estava atado meu destino, talvez: A escrita , o conflito e o mistério.
O quê é certo? O quê é errado?
Esta semana recebi a visita de uma grande amiga e prima que mora no interior do Rio. Ela teve um casamento de dez anos que se desfez recentemente com muita dor. É preciso doer para crescer. E ela cresceu. Cresceu tanto que arranjou um amante. Um amante com algumas características do ex. A gente repete modelos? O amante é complicado, casado e paulista. E ela continua a crescer. ..Tanto, que ligou perguntando se poderia ficar na minha casa, onde o amante a pegaria para o “encontro”.
Fiquei extremamente feliz por ela, afinal, temos que continuar a crescer. Incentivei, discutimos técnicas e posições sexuais, estratégias...E enfim, ela veio.
No dia que ela chegou, ligou-me no trabalho, desesperada, ansiosa, insegura...Tinha viajado para o “encontro”, havia chegado há mais de uma hora e tentava em vão o celular e telefone do trabalho do amante que não respondiam. E agora? Ele vêm ou não vêm?Espero ou não?Sou uma tola?Ninguém me ama?...Tentei acalmá-la e ser racional diante da decepção que é aguardarmos sem resposta uma notícia do ser amado. Disse que as incertezas fazem parte da vida. E que ela estava vivendo, ele vindo ou não. Caso não tivesse notícias do dito cujo até às 15:00 horas, que ela deveria virar mais uma página de relacionamentos e voltar para o interior do Rio , “começar de novo e contar comigo”.
No exato momento em que falávamos , chega uma mensagem no seu celular que a redimiu de toda a tormenta de pensamentos negros, avisando que ele estava chegando em São Paulo, e o sol reascendeu em seu corpo.
Dali a uma hora, ligou-me novamente, ainda mais desesperada e ansiosa. Será que ele vêm ? Quanto tempo demora isto ou aquilo em São Paulo? Falou-me novamente de sua insegurança, da sensação de abandono e perda. Repeti que era para esperar até às 15:00 horas. A cidade estava sem trânsito, vazia .Milhões de paulistas viajam para festejar o ano-novo. Escutei mais um pouco seus lamentos e disse que tinha que voltar a trabalhar.
Dali a pouco recebo uma mensagem de que estava tudo bem: Ele tinha chegado. Quê ele isto!Quê ele aquilo!. Depois outra mensagem de que já estavam no meu apartamento. Depois outra ,de que haviam decidido ficar no meu apartamento. E outra, de que minha cama era perfeita, a água do chuveiro não esquentava e ela tinha usado uma toalha. E outra: Obrigado por tudo , te amo.
As últimas mensagens me pegaram de surpresa. O meu apartamento, meu lar-doce-lar tinha sido transformado numa “garçonnière” . Aliás no meu dicionário francês,é o que é: - casa de rapaz solteiro.E não por mim, ou por um amigo ou primo gay, mas pela minha prima amiga “certinha” do interior do Rio. Eu que não convidara mais que os dedos de uma só mão a desfrutar do meu leito sacro-santo. Eu que tinha por princípios não levar desconhecidos ao meu imaculado e sagrado espaço no mundo. Por quê estaria chateado, seria inveja do desfrute carnal de outros no meu leito há tempos vazio. Seria este ato demasiado grave aos meus princípios morais e éticos?
Entendi todo o seu desespero e talvez o prolongar da hora a tenha feito não perder tempo. Talvez!Isto não me pertence. Por outro lado, o meu lar continua meu lar, minha cama minha cama. E a cama estava arrumada, a casa cheia de bilhetinhos de amor, amizade e gratidão. Mesmo assim, troquei os lençóis, lavei a toalha e espalhei perfume pelo ar. Da próxima vez, posso dizê-la, se continuar a sentir perturbado, para que ela use outro lugar para o sexo. Talvez , eu tenha que desfrutar mais meu próprio leito e meu desejo. E como diz um filosofo francês : Apresentar o melhor amigo é revelar-se. E amigos são para essas coisas...


Arte:Fabricio Matheus

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

LA FIGLIA DI JORIO

                                     



“L’arte è la semplificazione delle linee. Il grande artista è um semplificatore.”G.D”Annunzio.

La figlia de Jorio é uma grande tela de 5,5 x 2,8 metros, obra –prima do artista do Abruzzo, Francesco Paolo Michetti, pintada em 1895 e exposta no mesmo ano na Bienal de Veneza. O quadro retrata uma jovem caminhando a passos largos, com um manto vermelho que a esconde e cobre principalmente a face, sendo observada por um grupo de homens, alguns bêbados com expressões diversas contrastantes de admiração, desejo, compaixão e desdenha.
A obra de Michetti, inspirou seu amigo Gabriele D’Annunzio nascido em Pescara, escritor e poeta parnasiano, dândi, lutou pela independência italiana no Vêneto, amigo de Mussolini, amante de Eleonora Duse entre outros fatos de sua inusitada biografia... a escrever em 1904 , sua tragédia pastoral de mesmo nome.
A Figlia de Jorio de D’Annunzio conta, com violenta sensualidade enraizada na paisagem agreste dos Abruzzos, onde superstições facilmente germinam e explodem paixões, a história de Mila di Codra, filha de Iorio , o bruxo. A moça é repelida por toda a comunidade de um vilarejo do Abruzzo onde se comemoram as Bodas de Aligi e Cândia. Mila é ajudada pelas irmãs de Aligi, que a descobre e se apaixona perdidamente e decidem fugir para as montanhas.
Lázaro, pai de Aligi, sai em sua busca. Mais sua real intenção, é seu desejo por Mila. Quando a verdade é revelada ao filho, este assassina o pai à machado. Aligi é julgado e condenado. Sua mãe enlouquece. No final, Mila dizendo-se possuída pelo demônio, assume a culpa de Aligi para salvá-lo e atira-se a fogueira destinada as bruxas bradando em êxtase: “A chama é linda!O Fogo é belo!”.
A obra-prima de Michetti foi adquirida pela comarca de Pescara e hoje encontra-se na prefeitura da cidade , coberta por uma grande cortina de veludo alemão verde.
Quando estava em Pescara na casa da família di Bartolomeo, já havia visitado o museu casa de D’Annunzio e o patriarca que possuía em suas paredes duas telas de Michetti , contou-me toda a história de sua obra-prima e incentivou-me a visitá-la no dia seguinte.
Cheguei no final da manhã à prefeitura da cidade , mas a sala que abriga a obra, é a sala de reuniões da câmara municipal e estava ocupada. A secretária sabendo se tratar de um estrangeiro, não sabia informar sobre a obra. Quando disse que era brasileiro, pediu-me para esperar. Minutos depois solicitou-me que a acompanhasse a sala, repleta de autoridades locais entre elas o prefeito da cidade. Eles pararam a reunião, abriram a cortina verde que escondia o quadro e foi uma festa. Muitos sequer tinham visto a obra ou sabiam que a cortina verde a escondia. Ficaram estupefatos ao ouvir a história do quadro e da peça teatral de um brasileiro. A reunião acabou em festa e eles convidando-me para almoçar. A família di Bartolomeu divertiu-se com toda a história e principalmente ao me ver chegar de carro oficial com o prefeito à porta da residência na via Primavere.
Quanto à mim, prefiro o quadro de Michetti à dramaturgia de D’Annunzio. O pintor retratou numa paisagem provincial, de maneira simplista e cotidiana, com o predomínio do tom vermelho, toda a representação da repressão do DESEJO.

Arte: Fabricio Matheus


domingo, 27 de dezembro de 2009

"EM QUE ESPELHO FICOU PERDIDA A MINHA FACE?"*




Neste natal fui de carro para a casa de meus pais, é um longo caminho, mas quis voltar aos caminhos pelos quais passei toda minha infância, pelos quais cresci, pelos quais confesso que vivi.
Toda a minha vida foi um percorrer esta estrada, da casa dos meus pais , às férias em Pirassununga na casa de meus avós paternos. Presenciei todas as transformações das estradas, postos, cidades que cortam este caminho, que tantas vezes percorri. Um caminho que se foi encurtando com o tempo. Quando pequeno demorava quase um dia. As estradas eram únicas, algumas sequer asfaltadas.Hoje ainda é longo, são oito horas de São Paulo a Itumbiara, mas parece curto.
Saí no dia 24 pela manhã, comecei pela Bandeirantes duplicada, bem sinalizada, ampla, peguei a Anhaguera em Campinas.Passei por Limeira, Americana, Araras, Leme e parei em Pirassununga, terra de meus avós paternos, onde nasceu meu pai. Passei no cemitério, onde repousam meus antepassados, hoje estão ali: Minha avó Ana, que morreu comigo há quase dezoito anos e está cada vez mais viva, como se não houvesse o tempo na memória. Meu avô Fabrício, de quem já escrevi, herdei o nome e o nariz. Meu tio e padrinho Sérgio, mais conhecido como Bolhinha e o Tio Clóvis com quem morei em São Paulo.
Subi a rua Joaquim Procópio, onde eram as casas de minha avó . A mais velha ,hoje é um escritório de Contabilidade e não consegui avistar as Jaboticabeiras que haviam no quintal, que fazia fundo com a dona Maria Bianco. A mais nova, no mesmo quarteirão, hoje escondida pelas árvores da calçada.Consegui ver a janela do quarto de meus avós. Lembro-me de tudo, dos cheiros da comida de minha avó, da varanda com os vasos de antúrios vermelhos, da cadeira onde meu avô passava a tarde contemplando a vida que passava . O corredor, os quartos , a sala, os ajulejos da cozinha. O quintal com a mangueira Borbon ,junto ao muro da casa paroquial.Os canteiros de avencas com os caramujos e o cheiro de mofo e veneno de rato do porão, onde escondi tantos tesouros.
Passei pela Matriz , onde casaram meus avós, meus pais e tios. Do lado esquerdo a Escola Normal onde estudou meu pai, tios e primo. Defronte na praça central com o coreto onde aos domingos íamos tomar sorvete e ver a banda tocar.
Continuando a viagem, passei por Ribeirão Preto, cidade que não para de crescer. Onde fiz a Faculdade de Medicina, residência médica e morei dez anos.Almocei na casa de minha amiga Noemi, que me atualizou sobre as novidades e a cidade.
Passei por Orlândia, São Joaquim, Ituverava.Cruzei o Rio Grande que separa São Paulo de Minas Gerais, agora,pela nova ponte. A antiga de ferro, construída por escravos, fica ao longe à direita. As rodovias de Minas são precárias comparadas com as paulistas, mas hoje de Uberaba à Uberlândia já se encontra duplicada, e o que parecia uma eternidade para se percorrer, se faz mais rápido.
Parávamos sempre nos mesmos postos. O posto das Emas, perto de Guará e São Joaquim da Barra, tinha um pequeno zoológico, com emas, pavões e capivaras, hoje abandonado. O Zebu em Uberaba , que era uma portinha e hoje cresceu, onde comprávamos queijo e farinha. Minha mãe preparava o lanche que era sempre pão com molho de carne moída e coca-cola. Não gastávamos nada, tudo era economia.
Durante a viagem minha mãe , contava as histórias das cidades, igrejas, nos relevos montanhosos, apontávamos a casa do Matusquela, um monstro sem forma, com grandes olhos e boca denteada que nos assombrava à noite. Matusquela ,na verdade, acho que nem ela sabe , quer dizer louco, aloprado. Ela continua a acreditar que é um monstro.
De Uberlândia a Itumbiara a estrada é mão única, cheia de buracos e inúmeros são os carros que se quebram no caminho, há que se ter cuidado. Nesta estrada morreram muitos dos meus familiares. Passei por Monte Alegre de Minas e Canapólis, a terra do abacaxi: 15 abacaxis por 3 reais. Depois de Centralina , já se vislumbra no horizonte ao longe o rio Paranaíba e o estado de Goíás.
Atravesso a antiga ponte pencil Afonso Penna, de mão única e pela beira-rio chego a minha rua:- a rua Tiradentes.Duas esquinas acima, na perpendicular fica a João Manuel de Souza, onde era a casa de minha avó materna , Dona Alzira. Outra casa onde escutei muitas histórias, senti muitos cheiros e tenho lembranças eternas. Hoje mora minha tia madrinha Lindalma. Minha avó repousa só no cemitério da cidade, minha tia a visita todos os dias.Do lado de seu túmulo, há um outro cercado com uma árvore e um banco onde minha tia se junta a suas amigas e passam a tarde com café e pães ao lado de seus mortos e a espera de novos.
Sempre na manhã que saíamos de férias, minha avó Alzira vinha cedo para casa nos ajudar, depois das malas devidamente arrumadas no porta-mala do carro. Nos despedíamos triste, ela ficava cuidando da casa. O olhar de minha irmã e o meu grudado no vidro do carro até perder minha avó de vista, descendo a rua Tiradentes , seguindo viagem pela mesma estrada que me traz e me leva.
Desta vez ficaram no portão, meu pai , minha mãe e minha irmã. Mas, dentro de mim, trago todas as minhas lembranças. Desço a Tiradentes, atravesso o rio Paranaíba e como o rio, sigo meu caminho... O homem é memória e imaginação.

*O título é uma frase da poetisa Cecília Meireles.,  e está em um livro que lí nestes dias, "A Alma Brasileira" de José Vilson dos Anjos. Minha face continua aqui, segura, firme, sem se perder e  com as marcas dos anos que vivi.Continuo sonhando que me perco principalmente por Itumbiara e Pirassununga.Como num paradoxo ou uma equação sem solução, como disse-me uma vez  um amigo escritor, que todos os escritores são mentirosos, portanto....

Fotos : Fabricio Matheus



sábado, 19 de dezembro de 2009

CARTA AO CONTARDO CALLIGARIS





“...um psicoterapeuta(e ainda mais um psicanalista) que define uma conduta como “desvio” não fala em nome da psicoterapia e ainda menos em nome da psicanálise. Ele fala quer seja em nome do seu anseio de normalidade social, quer seja em nome de seu esforço para reprimir nele mesmo o desejo que parece condenar. Segundo, e mais geral, quem estigmatiza categorias universais , como “os homossexuais”, “os sadomasoquistas”, “exibicionistas” etc., é um atacadista, enquanto a psicanálise trabalha no varejo: a fantasia e o desejo só encontram seu sentido nas vidas singulares.”C.Calliagris


Caro Contardo,

Leio religiosamente as suas crônicas , como se fosse uma sessão analítica, e tenho que ler no jornal.Não têm o mesmo prazer lê-lo na internet. Como leitor de suas crônicas, cheguei aos seus livros.Infelizmente não vi sua peça, mas quero ler e assistir.
Cheguei as suas crônicas pelos comentários de meu terapeuta. Sou médico, ator e minha paixão é a curiosidade pelo SER HUMANO, principalmente Teatro e psicanálise.
Foi um caminho longo chegar ao teatro que é a chama de minha alma, como uma individualização yunguiana. Sempre gostei de teatro e artes em geral e sempre tive medo. Cerceava o teatro como caminhar à beira de um rio ou à beira mar sem nunca me banhar em suas águas, o que aconteceu recentemente e não me afoguei.
Sempre li teatro, e logo no primeiro ano de medicina, deixava a anatomia pelas leituras de psicanálise e Freud. Durante a faculdade tinha quase certeza que faria psiquiatria, obtei pela ginecologia e obstetrícia e hoje sou radiologista.
Não me arrependo do meu caminho, não sei o que serei quando crescer , mas o TEATRO estará presente. A medicina me proporcionou no labor diário uma escuta da dor do outro e condições financeiras para um aprimoramento intelectual e experiências como viagens , amizades e encontros.
Comecei há alguns anos um grupo de leitura de Teatro coordenado pela Barbara Heliodora, líamos Shakespeare, teatro Grego, teatro francês e alemão. Grande parte do grupo era constituída de psicanalistas , membros da Sociedade Brasileira de Psicanálise. Num dos grupos, um dos colegas, da diretoria da Sociedade ,após uma pessoa se servir com o café, limpava sistematicamente a garrafa com movimentos circulares, constantemente.
Resolvi fazer Formação Analítica e uma amiga, a mesma que me levou aos grupos de leitura, indicou meu terapeuta,  e  é também membro da Sociedade , orientou-me procurar o Sedes Sapientiae, que segundo ela era mais “democrático” e “aberto”.
Inscrevi-me na Instituição e a primeira entrevista com o Durval foi Mazzei exemplar e agradável, perguntou-me principalmente o meu interesse pela Psicanálise. Minha segunda entrevista com o Sr. O.Miguelez foi constrangedora, sua primeira pergunta foi se eu era homossexual. Disse que havia lido meu "curriculum" e que seu filho faria o mesmo estágio em Medicina Fetal que eu havia feito em Paris e que me aconselhava ficar na Medicina.
Para minha surpresa fui aprovado e para meu alívio o Sr. O.Miguelez daria aula somente no segundo ano. Adorava o curso, as leituras, seminários . Foi um grande ano de crescimento pessoal, tinha visitado a India, fui para a Turquia, apaixonei-me, acho que pela primeira vez na vida. E  foi um ano de muita dor; fui vítima de um seqüestro relâmpago na frente do Sedes , sofri violência física como uma coronhada na cabeça e quase perdi a vida.
Dentre os professores do curso , o que  mais aproximei-me pela sua intelectualidade foi o prof. Ede deO., um dos coordenadores, falávamos sempre nos intervalos principalmente sobre cinema e literatura.
O trabalho final do curso seria uma dissertação sobre “Pulsão de Morte” e desenvolvi o tema trabalhando o texto Salomé de Oscar Wilde.Discutiamos entre os colegas e trocavamos nossos trabalhos para um melhor aprimoramento do mesmo. A assistente do coordenador tinha elogiado e gostado de minha escolha.A nota final seria dada em particular, com uma entrevista sobre o progresso pessoal no curso.
A primeira afirmação do meu amigo de café, e coordenador do curso foi que eu fora muitíssimo infeliz na escolha do tema e principalmente do autor, no caso Wilde.Acho que me deu 6, não me lembro; mas  teria que repetir a disciplina. E se eu quisesse continuar no curso, teria que fazer terapia com um psicanalista membro da Sociedade Brasileira , indicado por ele, pois os meus terapeutas não pertenciam à tal Sociedade.
Nunca tinha vivenciado a vida com tanta energia como neste ano. Quando fui seqüestrado, meu terapeuta abriu sua camisa e mostrou uma enorme cicatriz de um assalto, o qual fora vítima como eu. Nunca senti tão amparado por alguém e por este gesto, que diz mais que palavras. Particularmente, tinha o sentimento que caminhava e pisava com dor e alegria no meu DESEJO.
Alguns amigos terapeutas aconselharam-me entrar com recurso, pagar para que outro analista lesse meu trabalho, como o Renato Mezan. Mas o principal problema foi a coação, e a imposição de um terapeuta. Talvez para mudar minha orientação sexual, proporcionar-me o desenvolvimento adequado de minha sexualidade e adequar minhas pulsões e meu desejo às normas sociais e principalmente ao comando e tirania do tal coordenador.Decidi abandonar o curso.
No horizonte de minha estrada pessoal,nasceu o sol com o Teatro. Agora: Ação, Prática. Para o teste da escola de teatro não perguntaram se eu era gay. Pediram que eu imitasse um sapo. Pulei, coaxei e nunca me senti tão feliz. Hoje sou ATOR.

Um grande abraço,

Fabricio


Arte:Fabricio Matheus
Desenho: Silvio Oppenheim que não gostou das alterações que fiz no mesmo, mas como grande amigo permitiu que  publicasse.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

FELICITAÇÕES E AGRADECIMENTOS




Neste final de ano, recebi inúmeras felicitações e pequenas lembranças dos pacientes que faço exame. Sou médico , mas não seu médico diretamente, realizo o exame solicitado por outro médico.Em algumas clínicas o paciente mal vê o rosto do médico que realiza o exame.
 A maioria das felicitações e pequenas lembranças vieram das pacientes do Hospital Servidor Estadual e não das Clínicas particulares. Não fiz nada além do meu trabalho, sinto agradecido de poder ouví-los. Acho que é o mínimo que os médicos deveriam fazer. Pacientes como a Sra. Mary Assef passam meses a espera de um exame que esclareça sua dor e a reconforte. Algumas vezes, não fechamos o diagnóstico imediatamente, mas estar presente e ouvir o paciente é fundamental. Muitas vezes quando termino um exame e o paciente diz muito obrigado, eu respondo:-Eu que agradeço. Inúmeros são os pacientes que me dizem que jamais ouviram um obrigado de um médico.Meu muitíssimo obrigado a todos. E desejo a todos e principalmente aos meus colegas médicos para 2010 muita HUMANIDADE e GENTILEZA.  

sábado, 12 de dezembro de 2009

A COR DA MINHA AURA



"O mundo de Hermes não é de modo algum um mundo heróico"RLPedraza


"Hermes, deus
das encruzilhadas,
da existência cruzada,
protegei estes pés.
Eu ofereço.
Imaginação
è a maravilha do real,
e eu estou
dolorosamente aflito
com os duplos diabólicos,
com as coisas em dois,
 desta meia-vida,
 este lusco-fusco"Prece de Hermes R.Creeley


Hoje pela manhã, realizando um exame, a paciente após responder as perguntas usuais, começou a falar de mim e entre outras coisas que via a minha aura, minha luz. Que minha aura era verde e crescia em torno da minha cabeça, me envolvia e formava asas enormes. Disse que a luz iluminava toda a sala escura. Depois do exame, abraçou-me e saiu extasiada, dizendo maravilhas da minha luz verde e que além de mensageiro da luz, trazia em mim a divindade de Cristo.
Não nego que cheguei a ficar arrepiado.A minha ajudante de olhos arregalados, disse o mesmo. Mas enfim, fico contente e lisonjeado de despertar boas sensações.
Minha família é espírita, e confesso que nos momentos de dificuldade apelo a Bezerra de Menezes.Inúmeras foram as pacientes espíritas que já o viram do meu lado e espero que ele conserve sempre neste lugar, junto de mim. Sou espiritualista e hoje meu Deus habita dentro de mim, e sei com certeza que há dias que minha aura é negra como negras nuvens carregadas de relâmpagos.
O verde é a mistura do amarelo e o azul, a atividade espiritual interiorizada, desviada para a ajuda ao próximo. Verde é a cor dos curandeiros, terapeutas, a cor da medicina que trata o corpo e a alma indiferente do ganho material. A pedra da medicina é verde. Verde é uma cor quente, a cor da natureza, do crescimento. A cor dos Dândis. A cor da putrefação, da transformação, da autoconfiança, da capacidade de resolver problemas, de perdoar, da paz, do organizador, do estrategista, da sensibilidade. O indivíduo de aura verde é extremamente mental.
Na clínica, há outras salas de exames e consultas, na maioria das vezes as pacientes passam toda uma manhã. Reunem-se no bar, nas salas de espera e trocam muitas , mas muitas informações , sobre tudo. A paciente continuou surpreendida com a minha luz e espalhou o verde por toda a clínica que é amarela. Contava a história no bar, na recepção, nas outras salas de exames. Até meu chefe ficou sabendo da minha aura e da minha luz, devia ter aproveitado para pedir um aumento.
O curioso é que as outras pacientes entravam na sala e certamente com tamanha propaganda ,viam a minha luz verde e já se dirigiam a mim como um ser especial. Todas queriam abraçar-me e sair com um pouquinho do meu verde.
A Conceição que fica no bar, ao trazer o meu chá, achou-me diferente e iluminado, só não disse que era verde. Às vezes passava para o escritório, e a paciente de longe gritava: Olha as asas verdes do doutor, olha que linda a sua luz. As meninas do escritório e da digitação também disseram que eu estava iluminado e que se forçassem a visão podiam enxergar a verde luz que me seguia. As funcionárias da recepção e da limpeza vieram até a sala para ver a minha luz.Durante toda a manhã a minha luz iluminou e foi o assunto da clínica.
Ao terminar o trabalho, ao findar a manhã, ao invés de pegar o carro e sair pelas ruas congestionadas de São Paulo , senti um enorme desejo, e sinto que quase consegui abrir minhas grandes asas verdes e voar pelo céu nublado da metrópole.

Arte:Fabricio Matheus

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

VOCÊ ESTA CONTENTE COM A SUA VAGINA/CAPÍTULO II








Tenho muitas pacientes que nunca olharam o seu sexo, não conhecem a sua vagina. E há muitas descontentes, principalmente com o aumento, ou hipertrofia dos pequenos lábios. Para estas felizmente, a medicina possui um procedimento, autorizado, simples e seguro que se chama Ninfoplastia ou plástica dos pequenos lábios. Pode ser realizado no consultório médico , com anestesia local e tem um resultado 100%, satisfatório com melhora acentuada da auto-estima da paciente.
Apesar de ser uma técnica cirurgica simples e antiga, é  pouco realizada. A paciente quase sempre refere a queixa, pois há muitas que não se incomodam  com seus grandes pequenos lábios. Fui um dos pioneiros no final da década de 90 a criar um ambulatório que realizava Ninfoplastia no Hospital das Clínicas da USP de Ribeirão Preto, infelizmente não sei se ainda existe.Alguns médicos retrógrados, não escutam suas pacientes e lhes dizem : que é assim mesmo.
No filme Ash Wednesday, Quarta-feira de cinzas, de 1973, com Elizabeth Taylor e Henry Fonda, dirigido por Larry Peerce; Miss Taylor é Barbara Sawyer, que na crise matrimonial se interna numa clínica de estética na Suiça para realizar uma cirurgia plástica secreta no intuito de salvar seu casamento. A atriz está linda, na sua melhor forma, vestida por Saint Laurent. Mas toda a sua beleza e juventude pós cirúrgica não salva o já naufragado casamento.
A cirurgia plástica estética evoluiu muito, quando bem indicada e principalmente quando a paciente não está em crise, pode ter resultados positivos e aumento da auto-estima, solucionando problemas pessoais. A cirurgia plástica reconstrutiva quase sempre trás benefícios incalculáveis, como exemplo nos casos de queimaduras.A cirurgia plástica estética não deve ser realizada quando o paciente está em crises, particularmente de relacionamentos. A cirurgia plástica não salva relacionamentos. Procure sempre uma segunda opinião e ouvir quem já realizou o procedimento que você deseja se submeter, mesmo os mais simples, sem cirurgias. Esteja sempre segura de sua decisão e do médico escolhido , e que o mesmo pertença e esteja filiado a uma órgão competente , neste caso a Sociedade Brasileira de Cirurgiões Plásticos, que também poderá fornecer informações sobre o mesmo.


Arte:Fabricio Matheus

VOCÊ ESTÁ CONTENTE COM O TAMANHO DO SEU PÊNIS/CAPITULO I








"O quê importa é a mágica e não o tamanho da varinha de condão" Conversando sobre sexo.MSuplicy

Esta semana , realizei uma ultra-sonografia peniana com Doppler , em um jovem de 38 anos. Este exame que avalia a anatomia e a vascularização do órgão é solicitado geralmente em casos de impotência e trauma peniano. O paciente não tinha estas queixas , mas referia que havia realizado uma bioplastia peniana e gostaria de saber se estava tudo bem. Disse também que os médicos eram retrógrados.
A bioplastia peniana é a plástica sem cortes , nem cirurgias, que é realizada com o implante de biomateriais. Usa-se o PMMA(polimetilmetacrilato) e o Dimetilsiloxane-DMS, que é mais caro. E o aumento é principalmente no diâmetro transversal, na grossura.
Infiltra-se de 10 até 40 ml por secção a cada 40 dias, é mais indicada em paciente circuncisados. Após o procedimento o paciente deve manter um peso em torno de 300 a 400 gramas tracionando o pênis por 8 dias para evitar retração cicatricial. Pode se utilizar concomitantemente a aplicação o Jes Extender para aumentar o comprimento longitudinal, alongar, sendo retirado para urinar e relações sexuais, permitida apor uma semana da aplicação.O PMMA pode deixar nódulos que segundo os médico que utilizam a técnica, proporcionam mais prazer.
O paciente referiu que sempre sentiu-se inferiorizado pelo tamanho de seu pênis. E que depois de uma separação traumática, sua esposa o tinha traído . Decidiu realizar o procedimento, o qual , sabia todos os detalhes, e que infelizmente tinha optado pelo PMMA por ser mais barato. Não referia dor, mas também dizia que não estava satisfeito e que achava que fosse ficar diferente. O que mais o incomodava eram as críticas dos urologistas que havia procurado posteriormente e do médico que havia solicitado o exame.
O procedimento da bioplastia não é seguro e nem oficial na medicina e pode provocar problemas como rejeição ,nodulações, fibrose e impotência. Há um procedimento cirúrgico no qual se alonga o pênis por tração dos ligamentos suspensórios do órgão, mas também há riscos de fibrose e impotência.
A bioplastia não altera a visualização da anatomia e a anatomia peniana, como faziam os silicones injetados nos seios nos anos 70 que destruía toda arquitetura da mama.No exame que realizei a anatomia estava preservada, havia uma aumento do tecido superficial de revestimento e nódulos císticos do PMMA, que o paciente referia como endurecimento focal. A vascularização do órgão estava aumentada pelo processo inflamatório causado pela substância injetada.
Acho que escutá-lo foi o que de melhor pude fazer. Ele com certeza saiu um pouco aliviado, mas ainda incerto do procedimento, angustiado, ansioso e infeliz. Não têm condições financeiras para retornar no médico que realizou o procedimento particular e lhe garantiu milagres, um super pênis. E não encontra respaldo e acolhida nos outros médicos. Suas novas parceiras nunca elogiaram seu novo pênis.

Arte:Fabricio Matheus

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

O HOMEM, AS VIAGENS



O Homem; As Viagens
Carlos Drummond de Andrade

 
O homem, bicho da terra tão pequeno
Chateia-se na terra
Lugar de muita miséria e pouca diversão,
Faz um foguete, uma cápsula, um módulo
Toca para a lua
Desce cauteloso na lua
Pisa na lua
Planta bandeirola na lua
Experimenta a lua
Coloniza a lua
Civiliza a lua
Humaniza a lua.
Lua humanizada: tão igual à terra.
O homem chateia-se na lua.
Vamos para marte — ordena a suas máquinas.
Elas obedecem, o homem desce em marte
Pisa em marte
Experimenta
Coloniza
Civiliza
Humaniza marte com engenho e arte.
Marte humanizado, que lugar quadrado.
Vamos a outra parte?
Claro — diz o engenho
Sofisticado e dócil.
Vamos a vênus.
O homem põe o pé em vênus,
Vê o visto — é isto?
Idem
Idem
Idem
O homem funde a cuca se não for a júpiter
Proclamar justiça junto com injustiça
Repetir a fossa
Repetir o inquieto
Repetitório.
Outros planetas restam para outras colônias.
O espaço todo vira terra-a-terra.
O homem chega ao sol ou dá uma volta
Só para tever?
Não-vê que ele inventa
Roupa insiderável de viver no sol.
Põe o pé e:
Mas que chato é o sol, falso touro
Espanhol domado.
Restam outros sistemas fora
Do solar a colonizar.
Ao acabarem todos
Só resta ao homem
(estará equipado?)
A dificílima dangerosíssima viagem
De si a si mesmo:
Pôr o pé no chão
Do seu coração
Experimentar
Colonizar
Civilizar
Humanizar
O homem
Descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
A perene, insuspeitada alegria
De con-viver.

Eu adoro este poema do Drumond e senti uma necessidade de lê-lo hoje.É uma oração. Um dos meus preferidos, entre tantos do  grande poeta.Termino esta postagem com o final da poesia A Morte do Leiteiro...
...Da garrafa estilhaçada,
no ladrilho já sereno
escorre uma coisa espessa
que é leite, sangue... não sei.
Por entre objetos confusos,
mal redimidos da noite,
duas cores se procuram,
suavemente se tocam,
amorosamente se enlaçam,
formando um terceiro tom
a que chamamos aurora.

Arte:Fabricio Matheus




FELIZ NATAL E UM ÓTIMO ANO NOVO



“Vaghe stelle dell’Orsa, io non credea
Tornare ancor per uso a contemplarvi
Sul paterno giardino scintillanti,
E ragionar com voi dalle finestre
Di questo albergo ove abitai fanciullo,
E delle gioie mie vidi fine.” GiacomoLeopardi

“Vagas estrelas da Ursa, não acreditava
Voltar a contemplá-las citilantes,
No jardim paterno...
Nem refletir com vocês das janelas desta casa
Onde morei quando criança
E vi findar minhas alegrias.”



Minha família é meu esteio
Meu suporte
Minha base sobre a terra, a areia , o vento , a água
O tempo
Meu pai é o ar sereno, o vento forte , a brisa fria,
a doce música da poesia e as cores da pintura de minha alma
A voz feminina da minha alma
Minha mãe é a terra fértil
A árvore frondosa que dá frutos e sombra
A abelha rainha que fabrica a géleia real
A liga , a corrente, a união...
A voz masculina da minha alma
Minha irmã é a água doce que corre pelos ribeirões
A mulher e menina
A voz doce e a infância da casa
Eu sou a força do fogo, queimo e renasço
A combustão
Dou luz e calor
Mas meu fogo só sopra é brilha com o ar, a terra e a água...
Minha família é meu esteio
Meu suporte
Minha base
Acende é brilha o meu fogo
Minha força
Minha base sobre a terra, areia, o vento, a água
O Tempo...


Feliz Natal e um ótimo ano a todos, muita saúde , amor, diálogo, harmonia, paz. Muita vida a todos....


Arte:Fabricio Matheus

KUMARI, A DEUSA VIVA



“As pessoas beijavam os seus pés. Algumas as lavavam e depois bebiam a água, porque pensavam que era um bom remédio”


“No Nepal, todas as menininhas sonham em ser Kumari.”

“Em nosso país, onde a mulher é normalmente pouco respeitada, o costume da Kumari impõe a todos venerar uma criança, símbolo da inocência , pureza e feminilidade.É Algo muito positivo”Mulher nepaleza dirigente do turismo do país.



O culto ou veneração a Kumari, ou Kumari Devi é o título concedido no Nepal às meninas pré-púberes , símbolo da pureza, cuja palavra significa virgem, pura. Escolhida e selecionada pelos budistas nepalezes de Newari,em torno de 3 anos, considerada o aspecto vivo da Deusa Durga ou Taleju, selecionada no clã Shakya, supostamente uma parente distante do Buda Shakyamuni.São idolatradas por alguns hinduístas e budistas nepalezes. Há três cidades no páis com Kumaris, Patan, Bhaaktapur e a mais famosa na capital Katmandu, no Palácio Kumari Ghar, onde duas vezes por dia é saudada por uma multidão entre devotos e turistas para ver sua princesa divina.
É uma honra para a família nepaleza, desde as altas castas as aldeias, ter uma menina escolhida como Kumari. A menina pérola escolhida têm que possuir 32 qualidades exigidas entre elas: pele perfeita, traços particularmente finos, angelical, cabelos e olhos negros, olhos grandes e sagrados como os das vacas, pescoço de naja, tórax de leoa, pernas de tigresa, voz macia e sedosa, corpo esguio como uma árvore , vinte dentes...todas são muito semelhantes . Apresentando tais características, é escolhida pelo astrólogo real, e submetida à prova final , na qual é trancada em uma sala do templo cheia de cabeças de animais ensangüentadas. Se ela se mostrar amedrontada, se chorar, é desclassificada A Deusa têm que ser forte e não temer a nada.
A escolhida viverá reclusa de sua família, cercada por tutores e educadores palacianos e guardiões. A Kumari somente deixa seu palácio, nos dias festivos e para visitar a família imperial. Uma delas que foi para os Estados Unidos , foi considerada impura e perdeu seu trono.
Infelizmente, seu reinado é curto, quando menstrua pela primeira vez, perde a tal sagrada pureza, renuncia-se ao título mediante cerimônias próprias que abrem caminho para a escolha da sucessora.
Cabe a antiga Kumari , voltar para o seu ambiente, lar e família de outrora, desprovida das regalias que a cercavam. Há uma lenda que o homem que se casa com uma ex-Kumari terá uma morte violenta e súbita, o que afastam seus pretendentes e as relegam a um mundo solitário de memórias, recordações, nostalgias... Algumas se matam, outras enlouquecem...Isto, hoje, têm dificultado as autoridades nepalezas a recrutar candidatas entre as famílias Shakya.
É impressionante, estar no patio do Kumarri Ghar em Katmandu, defronte o balcão e observar a imponência, altivez, beleza e a realeza da pequena divindade, principalmente depois de saber sua história. Saber das agrúrias e dissabores que seguirão seu destino tão logo vire mulher.




Arte:Fabricio Matheus

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

O ABORTO DOS OUTROS




No caderno Aliás, a semana revista do Jornal O Estado de São Paulo de domingo 06 de dezembro de 2009 na página J8, com o título : Notas sobre um Mistério, descreve a reportagem da médica Neide Mota Machado, anestesiologista ,que tinha uma clínica de planejamento familiar no Mato Grosso que realizava abortos.
A médica foi presa por 31 dias , teve seu diploma cassado pelo Conselho Federal de Medicina , acusada pelo Ministério Público de prática de aborto , apologia ao crime e formação de quadrilha. A clínica foi fechada e os advogados do Ministério Público Estadual puderam ter acesso aos documentos e nomes das pacientes da clínica.
No domingo passado, a médica Neide foi encontrada morta no seu carro, com seringas e uma carta com os seguintes dizeres: “...que não houvesse pânico, nem trauma, nem dor...” Há dois dias, na sexta, havia registrado em cartório seu desejo de ser cremada.Será esta história , o aniquilamento de corpo e alma que sofrem aqueles que mergulham numa questão tão controversa como o aborto?
No domingo dia 06 de dezembro, estava de plantão, logo após ler a notícia transcrita ligaram-me do hospital. Havia um pedido de ultra-sonografia de uma jovem de 15 anos com hemorragia intensa, necessitando de transfusão.Anexado ao pedido médico, um bilhete com letras garrafais para falar com a médica antes de realizar o exame. A mesma me disse que a paciente tinha uma hemorragia severa , que ela havia solicitado uma ultra-sonografia transvaginal, mas que a mãe não sabia que a filha não era mais virgem.
Fiz o exame com uma enfermeira ao lado e assim a mãe permitiu a filha ficar sozinha na sala. Logo a menina me disse que tinha relações e que usava preservativos, que a última menstruação tinha sido normal e que a hemorragia intensa aconteceu no meio do ciclo. Após terminar o exame liguei para a médica  pedindo  que solicitasse um BHCG, marcador sanguíneo de gravidez, pois se tratava de um aborto incompleto e a garota continuava a sangrar. Em seguida, a médica confirmou-me o exame positivo e a paciente foi submetida a uma curetagem, transfusão sanguínea e felizmente passa bem.Na manhã seguinte a enfermeira contou-me que a mãe fez um escândalo, dizia que iria chamar a polícia e que a garota namorava há seis meses um rapaz de 19 anos que estava com os amigos assistindo a vitória do Flamengo.
Quando ainda estava na Faculdade de Medicina , minha irmã apresentou um prurido vaginal. Meus pais pediram que eu a acompanhasse ao médico, pois morávamos juntos na época. A primeira pergunta que o médico fez foi: De quanto tempo ela estava grávida. Minha irmã que não havia tido relações sexuais até então ficou chocada. Depois vim a saber que este médico realizava abortos.
O aborto no Brasil é considerado “crime contra a vida” pelo Código Penal Brasileiro, prevendo detenção de 1 a 10 anos. O artigo 128 do Código Penal dispões que não se pune o crime de aborto nas seguintes hipóteses:
1- Quando não há meio para salvar a vida da mãe;
2- Quando a gravidez resulta de estupro.
Segundo os juristas, a “não punição” não necessariamente deve ser interpretada como exceção à natureza criminosa do ato, mas como um caso de escusa absolutória que não tornaria , portanto , o ato lícito.
O artigo 124 do Código Penal Brasileiro pune com detenção de 1 a 3 anos , o aborto provocado pela gestante ou com o consentimento da mesma. O artigo 125, pune com reclusão de 3 a 10 anos , o aborto provocado por terceiros sem consentimento da gestante.
Para a lei e a jurisprudência brasileira “pode ocorrer aborto desde que tenha havido a fecundação”. A legalização do aborto no Brasil ainda está em votação.
Países como o Canadá, Cuba , Estados Unidos da América exceto Dakota do Sul, Alemanha, Aústria , Dinamarca, Suiça, Bélgica, França, Itália, Holanda, Noruega, Portugal, Reino Unido, Suécia, Noruega, China, Austrália, Nova Zelândia, Bulgária , Polônia e outros têm em sua legislação a permissão do aborto até 12 semanas e em alguns países até 20 semanas.
Segundo a última pesquisa realizada pelo instituto Vox Populi, apenas 16% da população brasileira concorda que o aborto seja permitido em caso de gravidez indesejada. A mesma pesquisa mostra que o aborto incompleto, provocado, mata 70 mil mulheres por ano.


Dica: Assista aos filmes Vera Drake de Mike Leigh e Um assunto de Mulheres de Claude Chabrol com Isabelle Huppert.

Arte:Fabricio Matheus. Ultra-sonografia de um embrião de 7 semanas com mapeamento color-doppler da circulação feto-placentária.

domingo, 6 de dezembro de 2009

TERAPIA AFIRMATIVA





Para Klecius Borges e Wladimir Ganzelevitch


Em 1985, a Organização Mundial da Saúde(OMS) passou a adotar o termo “homossexualidade” em substituição a “homossexualismo”, que aparecia no Código Internacional de Doenças (CID) na categoria “distúrbio mental”. O objetivo era evitar o sufixo “ismo” tradicionalmente associado a doença.
Em decorrência dessa nova mudança, o foco de pesquisas sobre a homossexualidade deixou de ser simplesmente a demonstração de sua “normalidade” e passou a abranger inúmeras questões : como o estabelecimento das identidades lésbica, gay e bissexual; a formação de relações entre pessoas do mesmo sexo;os processos de desenvolvimento da sexualidade, a homofobia e a discriminação sofrida por gays e lésbicas; as questões relativas a maternidade e paternidade ; a diversidade cultural e a ética entre os grupos; as questões sobre as escolhas e as práticas sexuais.
A Terapia Afirmativa busca uma compreensão mais profunda das questões particulares dos gays , lésbicas e bissexuais, assim como o desenvolvimento de modelos teóricos e clínicos mais adequados. A Terapia Afirmativa considera a homofobia, e não a homossexualidade em si, como a variável patológica mais importante para o desenvolvimento de certas condições sintomáticas encontradas em homossexuais. O terapeuta afirmativo além da atenção e apreço pelo paciente, respeito pela orientação sexual, pela integridade pessoal, pela cultura e estilo de vida, há que ter um profundo respeito por suas próprias crenças e atitudes e se dispor a examinar os próprios preconceitos à respeito das orientações sexuais diferentes da sua.
Em março de 1999, o Conselho Federal de Psicologia publicou a Resolução n.001/1999, que estabelece as normas de atuação para psicólogos em relação à orientação sexual.
Estava à procura de um Terapeuta/ Analista e fiz algumas entrevistas e visitas a Analistas indicados, alguns filiados a Sociedade Brasileira de Psicanálise, cujos consultórios eram verdadeiras catedrais góticas, luz em penumbra, música barroca ou gregoriana, parecia que estava em  um confessionário. Finalmente cheguei ao Wladimir, houve uma empatia imediata de minha alma, horários e honorários. Mas ele me disse que antes de decidir, eu deveria marcar uma entrevista com outra pessoa que ele deslizou lentamente o cartão. O cartão , além do nome do terapeuta:Klecius Borges, sua foto; estava escrito “Terapia Afirmativa para Gays, Lésbicas e bissexuais e que ele tinha uma coluna na G Magazine... Senti um embrulho não no estômago , mas na Alma. Eu , recém chegado da Índia, iluminadíssimo, já tinha contado para meus pais, banhado no Ganges, passado pela Juíza e me achando o ser mais aberto e menos preconceituoso do mundo. Neste momento começou minha análise e minha descoberta, a viagem à escuridão de minha alma.
O cartão me fez um mal terrível,  senti que tinha que marcar a tal entrevista. Para minha surpresa , O Klecius era mais vivido e experiente que a foto do cartão. Mas a sua atenção, franqueza e verdade cativaram-me de súbito. Comecei a fazer terapia com o Wladimir e entrei na terapia de grupo com o Klecius.
Inicialmente foi difícil humanizar-me, talvez julgava-me superior, ou mais simples: O MEDO. Com o tempo, fui transformando minha dor e sofrimento represado e dividindo com meus terapeutas e meus colegas de terapia, que com suas dores e amores tanto me ensinaram e fizeram-me crescer: AMAR.
Foi um longo caminho, anos , posteriormente fiquei com a terapia individual com o Klecius e o grupo, depois só individual e depois por falta de tempo e porquê talvez, coisa de aquariano, às vezes, quero suportar sozinho a dor e a delícia de minha vida.
O Klecius sonhou comigo o sonho de minha alma. O meu desejo era o seu desejo. Ainda hoje sinto-me protegido como Dante por estes dois Virgílios. Sonho sempre com o Klécius. Em um dos sonhos , ele foi a uma de minhas estréias teatrais com dois buquês de flores vermelhas e entregou os dois para um outro ator. Neste período minha vida amorosa e o trabalho estavam em crise e seriam os dois buquês que eu não merecia, talvez outra interpretação???..Ultimamente, antes de escrever estes temas no Blog, tenho sonhado constantemente que sou multado e o Klécius se aproxima no meu desespero e me diz para seguir avante que ele paga a multa....
A literatura Gay é uma forma de aumentar a auto -estima e avaliar a homofobia. Na OUT magazine de dez09 e jan10, saiu várias entrevistas com escritores Gays, da nova geração: David Leavitt. E da considerada velha geração: Felice Picano , Andrew Holtern e  Edmund White.
Edmund White é um grande escritor gay americano, entre as biografias de Proust, Rimbaud e Jean Genet, há crônicas e histórias do mundo e submundo gay. Ele visitou várias cidades americanas e descreve com precisão e detalhes os locais gays. Escreveu outro livro que é um dicionário sexual para gays, que teve que ser reescrito com o advento da AIDS. White fará 70 anos no dia 13 de janeiro de 2010, é um exemplo. Está casado pela segunda vez, com um homem muito mais jovem e feliz. Tão feliz, que às vezes , como  escreve, ele próprio não acredita na sua felicidade.

Maiores informações:

Arte:Fabricio Matheus