segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

O ABORTO DOS OUTROS




No caderno Aliás, a semana revista do Jornal O Estado de São Paulo de domingo 06 de dezembro de 2009 na página J8, com o título : Notas sobre um Mistério, descreve a reportagem da médica Neide Mota Machado, anestesiologista ,que tinha uma clínica de planejamento familiar no Mato Grosso que realizava abortos.
A médica foi presa por 31 dias , teve seu diploma cassado pelo Conselho Federal de Medicina , acusada pelo Ministério Público de prática de aborto , apologia ao crime e formação de quadrilha. A clínica foi fechada e os advogados do Ministério Público Estadual puderam ter acesso aos documentos e nomes das pacientes da clínica.
No domingo passado, a médica Neide foi encontrada morta no seu carro, com seringas e uma carta com os seguintes dizeres: “...que não houvesse pânico, nem trauma, nem dor...” Há dois dias, na sexta, havia registrado em cartório seu desejo de ser cremada.Será esta história , o aniquilamento de corpo e alma que sofrem aqueles que mergulham numa questão tão controversa como o aborto?
No domingo dia 06 de dezembro, estava de plantão, logo após ler a notícia transcrita ligaram-me do hospital. Havia um pedido de ultra-sonografia de uma jovem de 15 anos com hemorragia intensa, necessitando de transfusão.Anexado ao pedido médico, um bilhete com letras garrafais para falar com a médica antes de realizar o exame. A mesma me disse que a paciente tinha uma hemorragia severa , que ela havia solicitado uma ultra-sonografia transvaginal, mas que a mãe não sabia que a filha não era mais virgem.
Fiz o exame com uma enfermeira ao lado e assim a mãe permitiu a filha ficar sozinha na sala. Logo a menina me disse que tinha relações e que usava preservativos, que a última menstruação tinha sido normal e que a hemorragia intensa aconteceu no meio do ciclo. Após terminar o exame liguei para a médica  pedindo  que solicitasse um BHCG, marcador sanguíneo de gravidez, pois se tratava de um aborto incompleto e a garota continuava a sangrar. Em seguida, a médica confirmou-me o exame positivo e a paciente foi submetida a uma curetagem, transfusão sanguínea e felizmente passa bem.Na manhã seguinte a enfermeira contou-me que a mãe fez um escândalo, dizia que iria chamar a polícia e que a garota namorava há seis meses um rapaz de 19 anos que estava com os amigos assistindo a vitória do Flamengo.
Quando ainda estava na Faculdade de Medicina , minha irmã apresentou um prurido vaginal. Meus pais pediram que eu a acompanhasse ao médico, pois morávamos juntos na época. A primeira pergunta que o médico fez foi: De quanto tempo ela estava grávida. Minha irmã que não havia tido relações sexuais até então ficou chocada. Depois vim a saber que este médico realizava abortos.
O aborto no Brasil é considerado “crime contra a vida” pelo Código Penal Brasileiro, prevendo detenção de 1 a 10 anos. O artigo 128 do Código Penal dispões que não se pune o crime de aborto nas seguintes hipóteses:
1- Quando não há meio para salvar a vida da mãe;
2- Quando a gravidez resulta de estupro.
Segundo os juristas, a “não punição” não necessariamente deve ser interpretada como exceção à natureza criminosa do ato, mas como um caso de escusa absolutória que não tornaria , portanto , o ato lícito.
O artigo 124 do Código Penal Brasileiro pune com detenção de 1 a 3 anos , o aborto provocado pela gestante ou com o consentimento da mesma. O artigo 125, pune com reclusão de 3 a 10 anos , o aborto provocado por terceiros sem consentimento da gestante.
Para a lei e a jurisprudência brasileira “pode ocorrer aborto desde que tenha havido a fecundação”. A legalização do aborto no Brasil ainda está em votação.
Países como o Canadá, Cuba , Estados Unidos da América exceto Dakota do Sul, Alemanha, Aústria , Dinamarca, Suiça, Bélgica, França, Itália, Holanda, Noruega, Portugal, Reino Unido, Suécia, Noruega, China, Austrália, Nova Zelândia, Bulgária , Polônia e outros têm em sua legislação a permissão do aborto até 12 semanas e em alguns países até 20 semanas.
Segundo a última pesquisa realizada pelo instituto Vox Populi, apenas 16% da população brasileira concorda que o aborto seja permitido em caso de gravidez indesejada. A mesma pesquisa mostra que o aborto incompleto, provocado, mata 70 mil mulheres por ano.


Dica: Assista aos filmes Vera Drake de Mike Leigh e Um assunto de Mulheres de Claude Chabrol com Isabelle Huppert.

Arte:Fabricio Matheus. Ultra-sonografia de um embrião de 7 semanas com mapeamento color-doppler da circulação feto-placentária.

2 comentários:

  1. Pois é, parece que ainda estamos na contramão 1) da saúde pura e simplesmente (direito constitucional), e 2) das liberdades individuais (direito sobre o próprio corpo, outro direito). Muita ignorância grassando por aqui ainda, ou será hipocrisia pura?
    Que haja supervisão e vigilância, para que inocentes não sofram na mão de espertalhões ou maus profissionais, mas negar realidade e necessidade tão veementementes, isso não!
    Os filmes mencionados são extremamente pedagógicos, para dizer o mínimo.

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  2. Pra mim, isso é hipocrisia pura. O aborto está aí, existem diversas clínicas e médicos que o fazem, as mulheres continuam morrendo por fazê-lo em locais impróprios e com médicos despreparados, e a lei brasileira atrasada e as igrejas retrógradas continuam fingindo não ver essa triste realidade. Aborto já!

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