quarta-feira, 2 de março de 2011

ESCADA DE MINHA MANSARDA de GUILHERME DE ALMEIDA



Escada de minha mansarda

Íngreme, estreita, escura e curva é a escada que sobe para minha mansarda.
Capaz de desanimar os velhos fôlegos cardíacos, nunca, entretanto, intimidou meu já muito vivido coração. Pelo contrário:leva-me leve, alado como os anjos da escada de Jacó.
Jamais me arrependi de tê-la subido.Sempre me arrependi de tê-la descido. Porque é mesmo uma ascensão ir pelos seus degraus acima:um desprendimento do rasteiro, numa ânsia de quietude, isolamento e sonho, para o pleno ingresso nos meus Paraísos Interiores. E porque é sempre uma degringolada ir pelos degraus abaixo:uma humilhante devolução ao mundo de todo o mundo, uma expulsão do réprobo atirado impiedosamente às ganas da caterva.
...............................................................................................................................
Escada da minha mansarda...
Chego, pesado, do dia cretino e pornográfico, esbanjado entre interesses desinteressantes, palavrórios e palavrões, mandos e desmandos, incompreensíveis incompreensões...
Chego. O fardo é exaustivo. Enfrento a escada. Parado, um instante, deixo ir por ela o olhar e o pensamento. Já isso é um alívio. O mundo, que eu piso, assume, então, certa importância: a de um capacho.Na sua áspera fibra limpo a sola dos meus sapatos.Lá, no topo, está a libertação.
E subo, contando os degraus, que vão ficando cada vez mais fáceis. E eu vou ficando cada vez mais leve. Mais fáceis... Mais leve...Mais...
Pronto!
Aqui não há leis:nem mesmo a da gravitação terrestre.
Aqui é um ponto fixo no espaço.Talvez aquele pro que suspirava Arquimedes:-- “Dê-me um ponto fixo no espaço que, com uma alavanca , eu moverei a terra!”
Eu tenho esse ponto.E basta. Não quero alavanca. Porque a terra não me interessa.

Guilherme de Almeida (Coluna”Ontem-Hoje-Amanhã”, no jornal Diário de São Paulo publicado no dia 28 de março de um ano desconhecido).

Nenhum comentário:

Postar um comentário