quarta-feira, 29 de junho de 2011

A MORTE DA MINHA VIZINHA



Não conseguia dormir: O som, o barulho da rua era infernal. Parecia que minha cama estava no meio da Teodoro Sampaio, quando um ônibus passava parecia que passava do lado da minha cama. Aquilo já começava a perturbar minha vida e minha rotina. Estava dormindo mal. Entre meus sono e sonhos , sons de carros, buzinas e os ônibus...Ah! os ônibus!!!!
Um amigo que teve o mesmo problema , aconselhou-me de colocar janelas anti-ruídos. E foi o que fiz.
Assim que instalei as novas janelas, os sons que outrora perturbavam meus sonhos se esvaneceram. O silêncio musical, a paz voltou ao meu leito e nada parecia mais perturbar o meu repouso noturno.
Mas o silêncio que parecia eterno ,não durou muito. Comecei a ouvir vozes e barulhos que antes eram abafados e imperceptíveis pelo som que vinha da rua. Ouvia os passos do vizinho de cima e outros sons começaram a surgir num crescendo de ruídos que começaram novamente a interromper o meu descanso.
Comecei a escutar discussões altíssimas, brigas que começavam ali pelas quatro da manhã quando me encontrava no mais profundo dos sonhos. Perguntei ao zelador, o seu Aroldo sem “H”, quem era os meus vizinhos de cima.
Ele disse que era uma senhora nos seus oitenta e pouco anos. Sozinha, e que estava variando. Eu que o diga , pois a cada noite eram discussões intermináveis, gritos , batidas , sons de martelos e outros tipos.
No elevador perguntei ao vizinho de andar da senhora anciã , se eles escutavam alguma coisa. E foi um alívio para eles não sentirem os únicos perturbados pelos barulhos da senhorinha. Eles me contaram que era o dia inteiro, gritando e conversando sozinha. Ainda, do nada, deram graças por ela não ter um animal.
O seu Aroldo me contou que os filhos mal a visitavam. Que ela não permitia que se entrasse no apartamento . E o único dia em que ela parecia sã , era o dia em que recebia o dinheiro do aluguel de sua garagem.
As discussões pela madrugada afora pareciam intermináveis. Queixei-me ao sindico, o seu Bernardo, que já conhecia as queixas e era inclusive um dos atingidos, que me disse que já tinha enviado uma carta aos filhos, para que eles tomassem alguma providência, pois a tal velhinha sozinha estava atrapalhando o sono e a paz do seu andar , do superior e inferior, que no caso era eu.
Contaram-me que ela dizia que havia uma prostituta que morava no prédio e a perturbava.Entre outras histórias, sempre desconexas. Ora dizia, que tinha cortado sua cortina, entre outros causos.Sempre e todos os dias, uma nova história era contada ao seu Aroldo que sequer podia passar da porta da cozinha. O senão, é que por meses, as discussões da pobre solitária idosa perturbou todos os vizinhos. As cartas enviadas pelo sindico do prédio não encontrou respaldo nos filhos da velha. Eles sequer vieram visitá-la , e fomos nos acostumando,e nos adaptando as discussões que surgiam no meio do silêncio da madrugada e do nada e de repente nos despertava.
Algumas noites, eu mesmo pensei e quase cheguei a interfonar para conseguir calar a velhinha, mas o meu cansaço era maior. Disse ao sindico que ela precisava de uma assistência, um médico, e que certamente estava tendo alucinações entre outras coisas que ele também concordou . Disse-me, que tinha inclusive telefonado aos filhos ,sem resposta.Enquanto ela se negava a conversar com o zelador e com o sindico, e só se manifestava no dia do pagamento da garagem alugada.
De manhã ,eu abria a janela anti-ruído para que entrasse a brisa fresca do novo dia e já tinha um certo arrependimento. O mesmo amigo que me aconselhou a colocar a janela , dizia-me agora, para colocar um ventilador de teto que certamente abafaria o som superior. Conselho que não segui, por pura estética.
Na semana passada, numa noite. Ali pela madrugada , no melhor do meu sono e sonho, de súbito fui despertado por uma discussão e vociferações incompreensíveis e perturbadoras , como jamais ouvira. Quando já havia decidido ligar para a portaria ou para a própria vizinha, tudo se aquietou. Voltei a dormir e pensei mais uma vez:-amanhã pergunto ao seu Aroldo.
Inesperadamente, comecei a ouvir sons de martelos e batidas de portas, que novamente acabaram com o meu sossego que já não mais existia. Mal pensei comigo: Não é possível! Tudo se calou do nada e voltei a dormir.
Na manhã da mesma madrugada, quando saía para o trabalho, ainda garagem ,quando fui me queixar ao seu Aroldo dos ruídos da noite. Antes que eu abrisse a boca; ele com seu olhar, direcionou o meu para um carro funerário que deixava o prédio.
Ele balançava a cabeça e dizia: -Ela gritou tanto, que fomos ver o que acontecia. Tocamos o interfone, a campainha e nada... Por fim ,resolvemos arrombar a porta . Ela estava caída no corredor.Avisamos os filhos e eles mandaram a funerária.
Não cheguei a conhecer a minha vizinha solitária , anciã e abandonada pela família, que sobreviveu nos últimos dias de seus delírios que tanto perturbaram os sonos e sonhos alheios, e não ecoaram nos seus mais próximos.
O anúncio de sua morte permaneceu nos elevadores por um dia.Em menos de uma semana , já tinha uma placa de “ vende-se” em frente o prédio. Por enquanto , o resto é silêncio....

Foto:Fabricio Matheus

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