segunda-feira, 11 de outubro de 2010

A MORTE DE MINHA MÃE



Meus pais vieram passar a semana comigo. Quarta –feira meu pai completou 73 anos de vida e comemoramos juntos. Assim como juntos assistimos o filme canadense “Eu matei a minha mãe”, direção e atuação de Xavier Dolan. No filme,o adolescente Hulbert , homossexual de dezesseis anos, mora com a mãe divorciada, com quem vive uma história de amor e ódio, cercados de outros personagens como o pai ausente , o namorado e sua sogra liberal, sua professora que têm uma história semelhante com seu pai.
Posso dizer que foi com uma suprema felicidade que vejo meu pai chegar aos 73 anos vivo, apesar de sua hipertensão e sua obesidade. Minha mãe também viva, um pouco mais nova que meu pai, com seus problemas degenerativos da idade e eu com os meus. Sempre tive medo de perder os meus pais quando criança , adolescente e adulto. E ainda o tenho. Confesso conscientemente que também já os quis matá-los.Edipianamente , principalmente meu pai. Envelhecer é não morrer. E poder brindar com os meus velhos , os anos de meu pai, estando saudável é uma das vantagens de envelhecer com saúde.Hoje ainda me aporrinho com eles, mas não os quero matá-los. Apesar de racionalmente nossa morte estar mais próxima pelos anos de vida que temos.Minha história de amor e ódio com meus pais teve mais amor.
Nesta noite sonhei que minha mãe e eu caminhávamos por uma praia, que poderia ser a Praia Grande , ou qualquer praia de minha infância. Minha mãe convidou para voltarmos para a primeira praia pela água, nadando. Eu estranhei, por quê minha mãe nunca foi de nadar muito e sempre teve medo do mar. Disse que poderíamos sim, voltar nadando e que talvez distanciasse um pouco dela . E que ela tomasse o cuidado de se manter sempre a beira da praia.
Começamos a nadar, a água do mar era verde esmeralda. Às vezes me virava e via minha mãe nadando mais ficando cada vez mais longe. De repente quando olhei do lado notei que tinha um peixe enorme , verde-escuro, que poderia ser uma enguia gigante ou a baleia de Jonas que bloqueava minha visão e não conseguia enxergar atrás e a beira-mar. O peixe era um anteparo, não me olhava e eu procurei nadar avante para não chamar sua atenção.Quando dei por mim estava em alto-mar , sozinho, como uma ilha, distante da costa terrestre e ainda com o peixe ao lado.
O desespero de perder minha mãe de vista e talvez de morrer ali sozinho em alto mar me fizeram nadar bravamente até a costa sem me importar com o peixe , que subitamente desapareceu, numa grande onda que me levou de volta à beira-mar.
A Praia estava caótica, com muita sujeira vinda da ressaca do mar. E as pessoas estavam desesperadas como se tivesse passado um Tsunami. Comecei a procurar minha mãe e não a encontrei. Via alguns corpos cobertos de lava vulcânica e areia como os corpos expostos em Pompéia depois da erupção do Vesúvio.
A procura foi se tornando angustiante, e o vazio sufocante,como o filme Sobre a Areia de François Ozon. Por fim aceitei que minha mãe tinha morrido. Neste momento apareceu no sonho, a irmã de minha mãe.Minha tia e madrinha que não se conformava de não haver o velório e o enterro de minha mãe no túmulo onde jaz a minha avó. Ela queria colocar num pequeno caixão com o interior recoberto de cetim branco em botonê algumas roupas de minha mãe; ou uma ânfora dourada com a água do mar.
Era  31 de dezembro e agora a praia era uma mistura de Copacabana com Ipanema sem o Forte e com Os Dois Irmãos ao lado direito.Algumas pessoas desconhecidas começaram a me perguntar se eu iria ter a coragem de ficar ali para a festa e a queima de fogos, mesmo sabendo que minha mãe tinha morrido... Cheguei a sentir um ínfimo momento de remorço, mas olhei o horizonte , e o sol se punha num róseo alaranjado em tons indefiníveis com riscos púrpuras. E dentro de mim, eu soube que era assim: como o desaparecer de um vôo de pássaro no horizonte que minha mãe queria morrer. Em silêncio.... e acordei.


Fotos e Arte:Fabricio Matheus

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