terça-feira, 26 de outubro de 2010

UWE SCHOLZ


Sonhei com um grande ritual pagão!Tive uma soberba visão repleta dos mais inusitados efeitos sonoros indefiníveis...”Igor Stravinsky



Estava pesquisando Benjamim Britten e seu parceiro e companheiro Peter Pears. Encontrei uma de suas óperas em DVD na Laserland.Onde o vendendor me apresentou um DVD de Orfeu e Eurídice com direção cênica da Pina Bausch, fantástico. Entre as ofertas de DVD de dança contemporânea, pesquei uma Sagração da Primavera com direção de Uwe Scholz, que nunca tinha ouvido falar e um Merce Cunningham com música de John Cage chamado Points in Space que achei chatíssimo .
A Sagração da Primavera de autoria de Igor Stravinsky, estreou em 29 de maio de 1913 no Théâtre dês Chaps-Élysées, em Paris, com coreografia de Vaslav Nijinsky, cenografia do arqueologista e pintor Nicholas Roerich, e produção de Serge Diaghilev. A música hoje é uma das mais influentes e reproduzidas composições da história da música do século XX, ícone da música erudita por ser considerada a obra que marca o ínicio do modernismo.
O balé em dois atos conta a história a imolação de uma jovem que deve ser sacrificada como oferenda ao deus da primavera em um ritual primitivo, a fim de trazer boas colheitas para a tribo.Quando apresentado pela primeira vez, a obra causou um escândalo memorável, principalmente pelas inovações de linguagem que Nijinsky incorporou à coreografia, valorizando movimentos rústicos, inspirados em hieróglifos e pinturas em pedras de homens da caverna. O fracasso marcou a separação artística de Nijinsky e Diaghilev.
Estava demasiado contente com o Orfeu e Eurídice da Pina Baush, quando na minha maratona comecei a assistir a primeira parte da Sagração da Primavera de Uwe Scholz, que consiste numa versão da música para dois pianos e um solo do bailarino Giovani di Palma do Leipzig Ballet do qual Scholz era na época o diretor artístico e coreográfo.
Apesar de ser em DVD o espetáculo é uma caixa de pandora de emoções. É angustiante, emocionante , apaixonante. Todos os movimentos do bailarino em sincronia com a música, sua relação e sintonia com as imagens projetadas no fundo e lateralmente no qual contracena com sua própria imagens em ambientes decadentes como banheiros do sub-mundo, bares underground, pesadelos, sucesso, náuseas , vômitos e a sua própria vida em depressão e caótica na carne e música. Fiquei extasiado e as imagens não me saiam da mente .
A segunda parte consiste na Le Sacre du printemps, com todo o grupo de Leipzig Ballet e a música em versão orquestrada. A coreografia é muito boa , mas não têm o desespero da primeira parte. Era bonito, mas qualquer coisa déjà-vu.
Ainda com a inquietação da primeira parte e procurando entender o que sentia, vi que o DVD continha um filme documentário sobre Scholz. O documentário inicia-se com o seu enterro em 2004 e segue-se depoimentos de parentes, membros da Ópera de Leipzig e bailarinos, além de entrevistas e depoimentos do próprio Uwe. Ficamos sabendo que a primeira parte da Sagração da Primavera é seu canto melancólico e desesperado de cisne. Que é totalmente auto-biografico e mostra o sua solidão, seu desespero em busca das criações geniais, sua insegurança, seu submundo gay de encontros às cegas e procuras desesperadas, sua baixa auto-estima e seu sentimento de não beleza que o fazia procurar o máximo de perfeição no trabalho.
Uwe Scholz nasceu em 1958 em Hessen-Alemanha, era miúdo e sempre esteve muito ligado à mãe, que o colocou na aula de dança, para que desenvolvesse uma coordenação motora mais precisa. O adolescente se apaixona pela dança e dos 15 aos 21 anos começa seu treinamento profissional em Stuttgart com John Cranko e Marcia Haydée, sua grande incentivadora e amiga. Dança profissionalmente em Stuttgart até 1985, quando aos 26 anos assume o posto de diretor e coreografo da Ópera de Zurich, onde permanece por 6 anos. Em 1991 assume o posto de coreografo chefe do Leipizig Ballet , montando coreografias que o consagraram no cenário europeu da dança como a Grande Missa de Mozart e a Synfonias de Bruckners, Beethoven e Schumann entre outras. Em sua carreira coreografou mais de 100 ballets, adorava e sabia muito sobre música clássica.
Scholz lidou com a arte tentando superar seus problemas pessoais e psicológicos, um alcoolismo que desencadeou numa pancreatite, drogas... Piração, estafa, stress, ansiedade, perda da criatividade, cobranças pessoais, sucessos, fracassos, muito cigarro e mais e mais... o obrigaram a se afastar para tratamento médico. Sem imunidade, contraiu uma pneumonia aguda que o levou a morte. Este vulcão de emoções de uma vida, que o fez viver sem e com regras, um desespero e uma solidão voraz , finalmente me fizeram entender um pouquinho do incêndio que sua coreografia para a primeira parte da Sagração da Primavera tinha provocado em mim. Entendi um pouco e fiquei feliz de conhecer este artista, que como tantos outros grandes fez sem limites da vida arte e da arte vida.

PS:Uwe me lembra o Caio Fernando Abreu.

Arte:Fabricio Matheus

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