terça-feira, 12 de outubro de 2010

HELL



“L’enfer c’est les autres...”Huis Clos/JPSartre.

Hell –Paris 75016, livro best-seller na França, escrito por Lolita Pille, misto de romance e relato confessional da juventude parisiense atual.Presente de ator para atriz, transformou-se em dramaturgia e é encenado atualmente no palco do Teatro do Sesi com a atriz Barbara Paz no papel da jovem rica que usa drogas e gasta fortunas em roupas, faz sexo como quem troca de roupa e despreza os que não pertencem ao meio.
Barbara Paz , mentora do projeto, mostra no palco na pele de Hell que o caminho de atriz que escolheu é sério e de trabalho. A atriz amadurece a cada passo e a cada trabalho, firmando seu brilho de estrela no fugidio firmamento da profissão. Ela passou pelo Tapa, dividiu o palco com grandes atores e atrizes como Maria Fernanda, Etty Frazer , Bibi Ferreira entre outras e outros grandes atores.Agora o divide com Ricardo Tozzi, sob a direção de Hector Babenco , premiado no cinema , mas com direções inesquecíveis como a de Louco de Amor de Sam Shepard e Closer de Patrick Marber.
A cenografia de Felipe Tassara negra e vazia como a vida dos protagonistas, dialoga e complementa-se com a iluminação de Beto Bruel que desenha um quadrado no breu que poderia ser um Hotko na parede do apartamento, ou uma possibilidade de fuga das máscaras que os personagens BCBG(Bom Chic, Bom genre) criaram para sobreviver no VIP world.
O tema é muito atual. O consumismo, o vazio e a impossibilidade do amor. A carência do amor preenchida pelo luxo que torna os personagens perdidos e intocáveis, perdendo-se num carrossel de vaidades que estraçalha o resto mais que humano que há neles.
O vazio humano e nossas carências nunca serão totalmente preenchidas.O outro para quem vivemos e nos fazemos é quem nos salvará, talvez este seja o paradoxo da vida.Hell está tão impregnada por seu nome e sua rotina hedonista que chega a dar pena. Após mais um aborto , que é como fazer as unhas, fumar outro cigarro ou trocar de roupas. Ela se depara com uma vitrine da Baby Dior e por um instante seus olhos ficam paralisados e perdidos porque talvez este filho, esta nova vida, pudesse ser a salvação de seu abismo, ou talvez ela pudesse recomeçar uma nova vida. E são esses olhos mortos e perdidos entre outras coisas que atraem Andrea como uma Medusa. Como eles mesmos dizem: eles se completam: Ele é ela e Ela é ele em corpos diferentes.
A sonoplastia que gira este carrossel é de Murilo Hauser que é também co-diretor do espetáculo e é impecável fechando o drama com chave de ouro e ópera. O figurino de Renata Correa e assistentes já é como dizem os franceses: Il faut y aller....
A Hell da Barbara nos mostra o quanto somos carentes.O quando desejamos amar. O quanto queremos ser amado.E ao mesmo tempo saímos com esperança de consertar o que há de errado em nós , para que possamos ter a possibilidade de amar de uma maneira descomplicada, simples.
E o Andrea fecha o drama e a abandona sozinha no carrossel que como sua vida não há espaço para o pensamento e continua a girar freneticamente, como as baladas que frequenta. Hell não pode pensar, não pode parar, senão ela desaba. Neste ponto ela é completamente diferente da fashionista Carry do Sex and City ,como alguns, comparavam na saída do teatro. Carry é fashion, adora um Manolo Blahnik, mas pensa, sofre de amor, diz eu te amo e é mais humana. Penso logo, existo , não é possível para Hell, por isso ela fala rápido, fuma sem parar , não dorme...não vive....
Fiquei angustiado com a dor deles e tive vontade de pegar a Hell nos braços e contar uma história: Era uma vez um cara, que como ela era fashionista ao extremo de ter uma sunga Versace por dia para a praia de Ipanema. Pior que a Hell , levava na bolsa uma outra sunga, caso aparecesse alguém com uma igual. Versace é um pouco démodè no mundo Fashion atual.
Fazia a festa na Madison , na Century 21, na avenue Montagne e na Fauboug Saint Honore. Ia à festas VIPs.Era habitué da Queen quando morou em Paris.Tinha amigos e uma profunda solidão.Mais que solidão, um profundo vazio.Acho que nunca tinha amado??
Precisou quebrar seu castelo de cristal, descer do pedestal, ir à India , banhar  no Ganges, ser seqüestrado e quase morto por não deixar que levassem seus óculos Gucci que havia comprado em New York. Depois fez teatro, que é sua maior  paixão , a alma e chama da sua vida e de quem fugia há anos e ainda foge por tanto amor e medo.
Aos poucos foi descobrindo que precisava de cada vez menos , apesar de ainda se vestir bem, Bien Sûr!Nunca foi tão divertido ir à Gucci da Montainge com a pessoa amada e ver sua meia furada ao experimentar um sapato. E os olhos étonné do vendedor francês que não se agüentou e caiu na risada.... Foram-se os óculos Gucci, ficaram os olhos e vieram alguns da Prada. Foram-se os rolexs, ficaram os pulsos e a exatidão de que o tempo não para no seu Cartier.E aos poucos  descobriu o amor.Amou, foi amado.Ama e é amado.Tornou-se humano com um menos que é cada vez mais: o mesmo em comunhão com o melhor e o pior .... Ele poderia  aconselhar a Hell a colocar sobre uma folha uma vela a boiar no Ganges, assistir mais os pores-do-sol.Mas que isso, se tivesse um único conselho a dar, tenho certeza  que diria: -Faça TEATRO.
Hell é um espetáculo muito bem feito e merece ser visto. Há uma frase no programa: O Teatro é só. Qualquer grande trabalho se apreende na solidão dos estudos. O ator é só. O trabalho do ator é extremamente solitário, mas se divide e explode em emoção. Um grande mérito de Hell é ser apresentado no Sesi , gratuitamente e a preços populares. Acho que para a equipe deve ser uma dádiva poder dividir este trabalho com um grande público. O teatro cheio já é um espetáculo à parte.Não percam:- C’ est vraiment très bon.

P.S.: Bubble Gum é o segundo livro de Lolita Pille, que combina temas clássicos da literatura com a incoerência ultrajada da jovem Manon de 21 anos. Comtemporâneo da escritora , o escritor francês Martin Page que escreveu “ Como me tornei estúpido”, também já teve seu livro adaptado para o palco paulistano.No Rio , O Deus da Carnaficina de Yasmina Reza, direção de Emílio de Mello faz o maior sucesso. Vive la France!.

Fotos do espetáculo: Paulo Vainer
Fotos:Fabricio Matheus

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