sexta-feira, 11 de setembro de 2009

ESCREVO DE UM CYBER CAFÉ


Escrevo num cyber café na Time Square de Nova York, lá fora faz muito frio e neva, mesmo assim as ruas estão cheias, as vitrines são lindas, há muitas luzes, pessoas patinando no gelo no Rockfeller Center, ouve-se o Frank Sinatra cantando músicas de natal. Acabo de assistir o balé “Quebra-Nozes”, cujos cenários com árvore de natal enorme, trenós de renas que voam pelo palco, chuvas de neve, é tudo tão natalino que realmente não dá para não acreditar em papai-noel. Parece que estou no Natal que minha mãe montava no calor do cerrado goiano, com algodão imitando neve, bolinhas de isopor sobre o pinheiro e dois abajures de papai-noel puxados por renas que ficavam no chão, e como eram americanos tinha que usar um transformador gigantesco para ligar, como a tecnologia evoluiu... Neste poucos dias aqui, eu vi muita coisa, exposições do El Grego no Met, desenhos do Felinni, cores e geometrias de Kandinsky, assisti as Bodas de Fígaro de Mozart e andei muito com o vento frio me congelando a face, pensando sobre perdas e ganhos do ano que se finda. Este ano viajei muito, principalmente dentro de mim, e para lugares distantes, exóticos, vi o pôr e nascer do sol no Ganges na Ìndia, visitei o Taj-Mahal, fui à Turquia, nas civilizações helenísticas, voei de balão na Capadócia, passei pela França: - Paris, andei de bicicleta na Normandia, e junto comigo foi o menino que viajava em sonhos pelos lugares descritos nas enciclopédias e sonhava um dia conhecer o mundo. Hoje sei que minha felicidade não é estar em Nova York, nem ter estado nestes lugares fantásticos, mas a aventura dolorosa de pisar num território que me era e é desconhecido, que é o meu próprio ser, revirar meus medos, meus afetos, tornar-me cada vez mais humano, menos arrogante e saber que tudo que sei e vivi não me faz melhor que ninguém, mas me torna cada vez mais eu. Parte da minha alma se alimenta de arte, de cores novas, formas, poesia, música e a parte escura que desnudei se alimenta de afeto, toque, amor, troca, sentimentos... e que o meu medo me fez esconder e tornava obscura, turva. E por mais evoluída a tecnologia, a maior aventura humana será sempre o amor, e neste balanço do ano que pensava com o vento frio, passaram o quê de ruim enfrentei, minhas dificuldades que foram superadas, algumas que espero superar, enfim, entre bons e maus momentos, prevaleceu o amor, que me fez percorrer uma vastidão desconhecida de lugares alucinantes, provocou estouros de lavas de vulcões adormecidos, explosões de queda d’água, furacões de ventos devastadores que permitiram com alegria e dor pousar sublime com melhor propriedade no meu eu profundo, submerso. E o que eu senti reaparece em Nova York, de uma forma misteriosa e surpreendente como é próprio do amor. Estava eu na Sephora, olhando os perfumes, quando de repente, sem querer, sinto no ar um cheiro de um perfume que eu conhecia, mas não sabia de onde, cheiro bom, suave, que eu aos poucos tentava identificar onde já o havia sentido, e perdido lentamente nesta procura, o cheiro sentido foi aos poucos tomando a dimensão do verdadeiro cheiro, e com uma força devastadora identifiquei que era o seu cheiro, e com este aroma eu viajei inebriado de prazer e sentimento pela geografia desconhecida de seu corpo, toquei suas mãos, encostei os meus lábios nos seus, observei maravilhado o seu sorriso, seus olhos e sonhei, sonhei muito. Como que encantado, e num lampejo de segundos, o tudo vivido, passou como um filme, numa velocidade que só a mente de quem viveu e sentiu sabe, rapidamente o vi novamente como na primeira vez, depois seu rosto iluminado pelo fogo da lareira, reli em centésimos de segundos todos os e-mails que trocamos e cada palavra vasculhada que escrevia tinha que ter sentimento, sentido para que eu conseguisse lhe atingir e cada momento que estive com você foram revividos com o mesmo sentimento e emoção, que certamente jamais terei as palavras certas para descrever, principalmente por quê você me fez acreditar de novo no amor.Perdido em um território que desconheço, etéreo, permaneci como que em suspensão pelos sentimentos loucos que aceleravam o meu coração, e deixei-me perder de mim mesmo, pois é a mesma sensação maravilhosa, multicor, que o seu corpo levou o meu ao gozo de um prazer indescritível, de sentir a liberdade plena que se busca e jamais será encontrada, somente sentida, talvez por ser da mesma matéria dos sonhos, que este perfume me conduziu a lembranças inesquecíveis que serão minhas para sempre... Ainda confuso e com tonturas de tanta emoção, recobrei os sentidos, redescobri onde estava, tive novamente consciência de quem eu era, sorvi com a língua a lágrima salgada que escorria pelo rosto, sorri e agradeci por ter vivido o que se passou. Fui procurar o seu perfume com a vendedora e descobri que era o “Thé Vert da L’Occitane”, lancei algumas gotas que como chuva se misturaram e desapareceram no ar intensificando o seu aroma, e saí com ele numa sacola de seda côr–de-rosa, com alça de miçangas transparentes... Novamente na rua, perdido na multidão, lembrei de uma história de um homem, um homem comum como eu, que um dia sentiu um incômodo nos dois ombros, distensão muscular, má posição, esta dor foi piorando, e ele resolveu olhar-se no espelho e não tinha dúvida, duas saliências oblíquas apareciam em sua pele abaixo dos ombros. Teve medo, mas decidiu não comentar com ninguém, e como não transava freqüentemente com a mulher, conseguiu esconder tudo quase um mês. Passou a analisar todo o dia aquele fenômeno que em vez de assustar agora o intrigava. Curioso, mas sem sofrer – pois não doía -, foi observando aquilo crescer. E pensava, nem adianta ir ao médico, porque se for um tumor, não tem mais remédio. Certa vez quando se masturbava no banheiro, na hora do prazer sentiu que elas enfim lançavam de suas costas, e viu-se enfeitado com elas, desdobradas como as asas de um cisne que apenas tivesse dormido e, acordando, se espojasse pelas águas. Ficou ali, nu, estarrecido. Agora ele não era apenas um homem comum com contas a pagar, emprego a cumprir, horários a cumprir: era um homem com um encantamento. Eram umas asas muito práticas aquelas, porque se acomodavam maravilhosamente debaixo das roupas. Em certas noites, quando todos dormiam, ele saía para o terraço, tirava a roupa e varava os ares. As pessoas notavam certas mudanças, mas as coisas se complicaram quando, já habituado à sua nova condição, o homem-anjo olhou em torno e, sendo ainda apenas um homem com asas, sentiu-se muito só. E começou a pensar nisso. E olhou em torno e se apaixonou. Na primeira noite com a sua amante, esqueceu o problema, tirou toda a roupa, e quando ela começava a tocar-lhe as costas o par de asas se abriu, arqueou-se unindo as pontas bem no alto por cima dele, na hora do supremo prazer. Mas essa mulher/amante não se assustou, não se afastou. Apertou-se mais a ele, e dizia: vem comigo, vem comigo, vem comigo... E abriu suas asas também. De volta ao cyber café, sorvi mais uma lágrima que escorria pelo rosto e não era salgada mais um gosto diferente, de vitória ou de vida talvez, quem tiver já sentido saberá. Olhei através do vidro embaçado, e a neve continuava a cair. Lá fora, os luminosos da Time Square piscavam coloridos, num clarão que confundia se era noite ou dia, respirei fundo e escutei um som agudo de sinos a badalar... Vesti meu sobretudo, pûs o gorro, cachecol e luvas e sai novamente ao vento frio, com o coração quente. Olhei na primeira vitrine através de uma bola brilhante de natal e meu reflexo distorcido com nariz e olhos enormes me fizeram sorrir de felicidade, lembrar de minha infância, meus pais e como uma segunda descoberta do meu eu consegui pegar um floquinho de neve branquinho que caía lentamente, enquanto o menino que sou via papai-noel voar encantado no seu trenó, deixando um rastro de estrelas douradas no céu azul do mundo afora.


Dez 2003.

2 comentários:

  1. Que lindo! Você realmente tem o dom de prender nossa atenção e de emocionar com suas histórias! Não deixe de colocá-las todas no papel. Parabéns!

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  2. Olá!! Essa é umas das que eu mais gosto e me emociono todas a vezes que leio.Suas palavras tocam bem no fundo do coração, e é incrível o sentimento que você transmite.Adoro..

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