segunda-feira, 28 de setembro de 2009

QUERIA SER GUIMARÃES ROSA



"Ele sabia - para isso qualquer um tinha chance - que Cordisburgo era o lugar mais formoso, devido ao ar e ao céu , e pelo arranjo que Deus caprichara em seus morros e suas vargens; por isso mesmo, lá de primeiro se chamara Vista Alegre ... O céu não tinha fim, e as serras se estiraram, sob o esbaldado azule enormes nuvens oceanosas."


“E, mais do que tudo, a Gruta do Maquine - tão inesperadamente grande, com seus sete salões encobertos, diversos, seus enfeites de tantas cores e tantos formatos de sonho, rebrilhando risos de luz – ali dentro a gente se esquecia numa admiração esquisita, mais forte que o juízo de cada um, com mais glória resplandecente do que uma festa, do que uma igreja.” Guimarães Rosa

Naquele natal , meus amigos ganharam bolas, jogos, bicicletas e outros brinquedos. Eu ganhei uma máquina de escrever Olivetti, acho que tinha seis anos, fiquei decepcionado num primeiro momento, pois a principio não poderia dividir o prazer de brincar junto.
Minha mãe era professora e diretora de um grupo escolar estadual, e sempre me fez estudar, tanto na escola , quanto em casa. Nas férias tinha sempre duas horas da tarde dedicada ao aprendizado continuo. Tinha que ler sempre, desde que aprendi a ler.Comecei com os contos de fadas, Monteiro Lobato, o Tesouro da Juventude e as tristes histórias de José Mauro de Vasconcelos, como Meu pé de Laranja-lima, Coração de Vidro e outras....às vezes viajava nas enciclopédias como a Barsa e a Larousse. Sempre ganhava um livro de presente, sempre.
Agora com a máquina de escrever, na minha solidão, pus-me a datilografar transformando minha imaginação e sonhos em histórias que pudesse dividir com minha família e amigos.
Fui crescendo e continuei , estudando , lendo e escrevendo histórias, as vezes poesias.Queria ser muitas coisas. Adolescente deixei minha cidade do interior para morar em São Paulo, estudar e ser engenheiro. Já em São Paulo quis ser marinheiro e atravessar oceanos, depois queria ser o Berger, herói do filme Hair. Quando assisti o show Uns do Caetano e o vi surgindo entre a fumaça de gelo seco com uma seda azul cantando Menino-Deus, eu quis ser ele. Eu queria e quero a liberdade.
No colegial tive que ler muito para o vestibular, entre outros livros, descobri Sagarana e Grande-Sertão Veredas, o vasto mundo de João Guimarães Rosa. E foi uma epifania, uma revelação. Comecei a ler tudo do escritor e sobre o escritor. Eu só queria ser Guimarães Rosa. Prestei Direito na São Francisco pois queria ser diplomata, como o escritor e como ele acabei médico. Aprendi línguas, não tantas e tão bem quanto João, viajei pelo Brasil e exterior e tantos lugares dentro de mim mesmo.
Jamais me esquecerei de minha viagem para Cordisburgo, terra natal de João. Visitei os arredores; a gruta de Maquiné, magnífico feito da natureza como as palavras de Rosa e o alumbramento do naturalista e dinamarquês Peter Wilhem Lund que a descobriu em 1834 e a descreveu como a mais rica imaginação poética , esplêndida morada de seres maravilhosos, diante da qual o homem teria somente a confessar sua impotência à divina natureza.
Na casa do escritor , visitei os cômodos, vi seus óculos, sentei em sua cadeira e debrucei na janela de seu quarto que dá de frente para a praça central, que estava toda enfeitada de bandeirolas multi-coloridas e no horizonte as montanhas da Vista Alegre, primeiro nome de Cordisburgo, a cidade do coração.
Sonhei acordado, cada vez mais querendo ser o Rosa, escrever como o Rosa. Já li o Grande-Sertão três vezes, a última, em voz alta para que as suas palavras ressoassem nas paredes do meu quarto e fizessem tremer com mais estrondo minha pobre alma.
Mas de volta a janela do escritor, sou despertado  do meu sonhar acordado por um garoto que entre muitas perguntas: De onde eu era? Se eu queria saber um pouco sobre a cidade e o escritor?... sem conseguir responder, maneei a cabeça afirmativamente e ele me contou com sua voz de infância, tudo o que eu já sabia e terminou dizendo: Seja bem vindo a semana Rosiana.Era aniversário do escritor e a cidade comemora a data com uma semana literária cujo nome é pura poesia:Semana Rosiana.Sorri com a coincidência de visitar Cordisburgo na semana Rosiana e contemplei Minas.
Minha vida seguiu veredas tortuosas.É perigoso viver.Hoje eu quero ser cada vez mais eu. Tento.Hoje, meu estranho presente de natal , considero o melhor de todos.O tempo ensina , na velocidade certa: lento ou rápido, depende do percurso. Mas no fundo mais profundo do meu eu, ainda há um QUERER SER ROSA.


Um comentário:

  1. Eu preferiria ser Machado. Acho que é questão de geração (eu sou mais velha). Congrats!

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