domingo, 27 de setembro de 2009

CAIQUE FERREIRA, meu para sempre Giovanni











Giovanni me encarou, e isso me fez sentir que ninguém, em toda minha vida anterior, havia olhado diretamente para mim.

Foi assim que conheci Giovanni. Acho que ficamos presos um ao outro, no momento em que nos vimos.... Eu verei Giovanni outra vez, como estava aquela noite, tão vivo, vencedor, tendo em volta da sua cabeça toda a luz daquele túnel sombrio.

Vieram nossas ostras e começamos a comer. Giovanni estava sentado sob a luz do sol, e seus cabelos negros reuniam em si o brilho do vinho e as muitas cores das ostras, quando batidas pela luz.

Giovanni fechou a porta depois de entrarmos e então, por um instante, ficamos naquela penumbra a olhar um para o outro – com aflição, com alívio e arquejantes. Eu estava tremendo e pensava que se não abrisse aquela porta para sair, naquele mesmo instante, estaria perdido. Mas sabia que não o poderia fazer, pois era tarde demais; dali a pouco seria tarde demais para fazer outra coisa senão gemer. Ele me puxou para si, pondo-se em meus braços como se entregando o corpo para eu carregar e vagamente puxou-me para baixo, para aquela cama. Enquanto tudo, em mim, gritava “Não!” ainda assim a totalidade suspirava “Sim”.

Deixei a minha aldeia num dia horrível e belo.Jamais esquecerei este dia. Foi o de minha morte... trechos do livro Giovanni’s room traduzido Giovanni de James Baldwin

Caíque Ferreira, ator, cantor, bailarino, artista plástico, carioca. Carlos Henrique Ferreira da Costa, iniciou sua carreira em 1970 no teatro  na peça A Exceção é a Regra . Na TV estreou em Brilhante 1981 de Gilberto Braga.  Fez  entre outras novelas  Corpo a Corpo, onde era um publicitário bem sucedido que tinha um poster enorme da Elis em sua sala com estrelas de neon azuís.No cinema, ficou conhecido como o retirante “Zé Branco” de As Aventuras de um Paraíba de Marcos Altberg e Flor do Desejo de Guilherme de Almeida Prado,  tudo isso  pode ser lido na net.
Quero escrever do Caíque que conheci . Assisti Giovanni com o Caíque interpretando o próprio, numa adaptação de Hugo Della Santa, direção de Iacov Hillel, cenário Serroni , figurinos Sergio Reis no pequeno Teatro do Bexiga, hoje Ágora e a música La vie en Rose de Piaf que ecoava em todos os cantos e entre outras cenas terminava o espetáculo. Saía chorando sempre. Assisti três vezes, numa delas o palco central giratório quebrou e os atores tiveram que reiniciar, e voltaram duas cenas anteriores como nos cinemas quando cortavam o filme, começava a ver o artesanato da feitura teatral. Não há como não lembrar da descrição da pequena aldeia nos Alpes italianos de Giovanni nos olhos de Caíque. Poesia encenada era o que se via naquele pequeno espaço, inesquecível.Fiquei maravilhado, mudou minha vida.
Comecei a escrever poemas e cartas para o Caíque , trocávamos correspondências . Depois o assisti no Teatro Musical Brasileiro no teatro Rival  dirigido pelo Luis Antônio Correa Martinez, irmão do Zé Celso, cruelmente assassinado em dezembro de 1987 no auge de sua carreira como diretor. Entre outras cenas Caíque fazia o Ébrio de Vicente Celestino, depois da peça, passeamos à noite, pela madrugada no centro histórico do Rio e Cinelândia e ele falando do  seu Rio.
Depois o vi em O Grande e o Pequeno de Botho Strauss com a Renata Sorrah no Sesc Anchieta. Posteriormente Pervesidade Sexual em Chicago do David Mamet dirigido pelo José Wilker com o Paulo Betti ainda casado com a Eliana Giardini e a Mayara Magri, no Cultura Artística. Neste período ,  ele morava em Amsterdã , trabalhando com um grupo de dança e estava de passagem para a temporada da peça no Brasil. Quando a encenaram em Ribeirão Preto, recebi um cartão do Caíque  que era o pôster do Giovanni que ele mesmo desenhou, dizendo que me esperava na platéia do teatro Municipal. Encontrei-me com ele ainda de pancake branco no camarim, fiquei observando atentamente ele retirar a maquiagem do personagem e depois fomos todos jantar  numa Pizzaria. Fiquei horas conversando com ele, sempre sorrindo, sempre me contando sobre suas andanças, detalhes da carreira. Já havia morado em Buenos Aires,  Espanha , na Alemanha em Dusseldorf foi premiado com o musical Lights to Light, era formado em artes plásticas pela PUC do Rio, dançarino , muito disto aconteceu antes de fazer sucesso nas novelas. Era adorável . De repente, começou a tocar Bem que se quis com a Marisa Monte e ele começa a sorrir mais e a cantar junto e disse: Eu adoro essa música. Não é linda! Não havia como não concordar.
Fiquei sabendo de sua morte pelos jornais. Morreu aos 39 anos, vitima de complicações decorrentes da Aids, em 12 de janeiro de 1994, dizem que deixou os originais de um romance Vinho da Noite , onde conta a história de um homem de meia idade que entra em crise existencial quando descobre vítima de uma doença terminal e condenado a morte. Um grande ator . Uma grande perda.
Tenho sempre sua imagem em minha mente, seus grandes olhos, onde eu  sempre via  a aldeia italiana que Giovanni deixou ao partir para Paris. E seu sorriso e olhos cantando:- Bem que se quis, depois de tudo...






2 comentários:

  1. Não o conhei como você o conheceu, mas também tenho uma boa recordação do Caíque. Aos 19 ou 20 anos de idade, levei uma amiga, colega do curso de francês, para assistir Giovanni, embalado pela trilha de Piaf. Como dirigia há pouco tempo e não estava totalmente acostumado com o trânsito, as ruas e as dificuldades para estacionar na São Paulo da época, cheguei mais ou menos uma hora antes do início do espetáculo. Lembro que o Teatro do Bixiga tinha um espaço vazio na entrada e um bar ao fundo, onde aguardávamos para entrar na sala. Lugar pequeno e simples, que não devia ter mais de 100 lugares pouco confortáveis, dispostos como uma arquibancada. Éramos os primeiros a chegar e, enquanto aguardávamos, um jovem de macacão jeans e cabelos encaracolados entrou, de repente. Ao passar por nós, abriu um lindo sorriso, nos cumprimentou com um aperto de mãos e desapareceu por uma porta ao final do corredor. Era o Caíque Ferreira. O espetáculo foi lindo, me fez chorar, e me deixou pensativo pelos dias que se seguiram. Não apenas pela história ou pelo desempenho dos atores, mas por aquele pequeno gesto de um ator talentoso, humilde e, imagino agora, apaixonado pelo teatro.

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  2. Giovanni de James baldwin sempre foi meu livro de cabeçeira. Releio sempre e me sensibilizo todas as vezes com o drama de Giovanni. Tive o imenso prazer de assistir a peça no Teatro da cidade ,em Ipanema no rio ,na década de 80 com o inesquecivel Caíque Ferreira, perfeito no papel de Giovanni, perfeito também seu companheiro Hugo della Santa no papel de David. Quem sabe algum dia resolvam filmar o drama, pena não podermos contar mais com os dois saudosos e maravilhosos atores.

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