sábado, 8 de janeiro de 2011

A CRISE NA IRLANDA


"Os erros são as margens do descobrimento".

"Tudo é demasiado caro quando não se necessita."

"A história é um pesadelo do qual estamos tentando acordar."James Joyce



Uma rebelião em 1916, por parte dos nacionalistas irlandeses contra os britânicos, mesmo sendo derrotada, marcou o ínicio do fim do domínio britânico na Irlanda.
Em 1922, os ingleses decidiram dividir a Irlanda , ficando com o norte do país que tinha uma população protestante maior e não queria se separar da Grã-Bretanha.
Está não era a vontade dos nacionalistas, que queriam: tudo ou nada, ou seja, uma república formada por toda a ilha, e eram representados pelo partido oposicionista o Fine Gael. No entanto, o partido do governo, Fianna Fáil, aceitaram a proposta de uma Irlanda divida para por fim na luta contra o domínio britânico.
Os dois partidos, com política nacionalista, anti-imperialista, travaram uma feroz guerra civil, que não foi uma guerra de classes. Apoiados pelos católicos, a revolução irlandesa fez com que os britânicos partissem , mas a burguesia do país manteve seus bens, não sendo afetada. Assim sendo, o final do embrólio, cresceu , ao sul, um Estado católico insular profundamente conservador. O partido Fianna Fáil tomou o poder no sul em 1932, tornado-se ainda mais conservador e mais católico. O Fine Gael , partido trabalhista, continuou pequeno, sempre a terceira força; o movimento sindical também conservador e sem influências.
Neste período , o problema para o novo Estado Irlandês era como proporcionar trabalho à população. Os melhores empregos eram no funcionalismo público e ainda Quase não havia industria; a Irlanda era basicamente agrícola. Dos anos 20 em diante, muitos jovens emigraram em busca de trabalho. Os problemas econômicos do país tinham criado uma situação de quase desaparecimento da raça. Sendo que o isolamento do país se acentuou com sua neutralidade assumida durante a Segunda Guerra Mundial.Depois da guerra , o país, permaneceu à margem da prosperidade, enquanto a Europa aliada era reconstruída com dinheiro do plano Marshall.
Assim, nos anos 50, o país era atrasado, era um alívio, quase um prazer emigrar, sendo necessário urgentemente fazer algo para modernizar o país. Em 1958 foi publicado o Primeiro Programa para a Expansão Econômica. A Irlanda foi admitida no Banco Mundial e no FMI, abrindo-se para o investimento estrangeiro e capital externo, predominantemente americano.
A década de 60, foi um tempo de mudanças. A economia se liberalizou e a influência da Igreja começou a declinar, sobre pressões dos movimentos sindicais, feministas. O avanço da televisão, a suspensão da censura.
Com o avanço dos movimentos pelos direitos civis no norte, luta por direitos dos católicos, a Irlanda do Norte , também começou a mudar,o que levou a ascensão do IRA, que estava disposto a matar e mutilar pelo fim da divisão do país e pela derrubada do domínio britânico na região.
Na década de 70, o sul decidiu ignorar a violência do norte e a olhar para fora, buscando um progresso econômico e estabilidade, entrando na CEE em 1973.
À partir, deste período, começou a verdadeira mudança no país. Os gastos públicos aumentaram em todas as áreas. A freqüência escolar triplicou, vendas de anti-concepcionais liberadas, construção de novas estradas, dando lugar a uma infra-estrutura mais moderna.
Mas algumas coisas não mudaram, por exemplo, os políticos eram todos filhos de políticos.E ainda hoje, 2011,todos os políticos são filhos de políticos, que não tiveram que fazer quase nada, ou sequer pensar muito, antes de entrar na política: Todos vêem de famílias da alta burguesia, para eles o poder lhes é devido, e isso até hoje nenhuma transformação social ou econômica no país parece abalar.
As mudanças nunca foram acompanhadas por mudanças políticas ou renovação de poder, este sempre foi um setor estagnado.
A Irlanda era estranha, um país cuja história era de violência, pobreza e emigração. Um lugar que não teve Renascença, não teve Reforma, nem Revolução industrial, por décadas sob o domínio britânico, seguidos por inércia cultural e econômica antes de se integrar ao império europeu em 1973. Mas que no entanto, possuía um surpreendente fascínio, em especial Dublin, onde o mundo da escrita, era tratado com reverência e seriedade que só se encontram em sociedades nas quais faltam muitas outras coisas.
No final dos anos 60, o governo se deu conta, que esta era uma imagem importante do país, e fez dela: A Irlanda criada por escritores e cantores, o marketing para atrair mais investimentos estrangeiros. Subitamente, Yeats, Joyce, Wilde, Beckett ficaram na moda, e a política governamental em relação a cultura tornou-se esclarecida.
Margaret Tactcher, a dama de ferro inglesa, percebeu que a República da Irlanda não cobiçava territórios na Irlanda do Norte. Assim, à partir de 1985, e da assinatura do Acordo Anglo-Irlandês, um trabalho conjunto de década levou ao fim a campanha do IRA no norte do país.
Neste ínterim, a República da Irlanda se tornou uma economia aberta, dependendo cada vez menos da agricultura e cada vez mais do investimento estrangeiro. Era o país com menor taxas do que qualquer outro da U.E..
De 80 a meados de 90 , era quase impossível conseguir um empréstimo no país para se comprar uma casa própria. No ínicio do novo século, com a renovação dos gerentes dos bancos, a integração do país ao euro, introduzido em janeiro de 2002. A nova moeda, efetivamente controlada pela Alemanha, permitia taxas de juros baixos, assim como a inflação. O preço dos imóveis começaram a subir, e os bancos a jogar dinheiro, facilitando empréstimos. A Irlanda se tornava mais européia que a Grã-Bretanha.
Nesse momento o Euro parecia a solução e a grande idéia da economia do país.Mas esqueceu-se que a moeda era regulada pelo Banco Central Europeu, com sede em Frankfurt. Esperava-se que a regulação e a prosperidade crescente criassem aos poucos uma Europa mais equilibrada, e que o euro acelerasse este processo.
No ínicio, foi tudo maravilhas, o país com ajuda de multi-nacionais norte-americanas, atingiu pleno emprego, tornou-se um país de sucesso, um lição para o resto do mundo, ficando conhecido como o Tigre Celta.
Nestes mesmos anos, outras mudanças foram ocorrendo. Em 1988, a Corte Europeia de Direitos Humanos ordenou que o governo irlandês mudasse a lei contra o homossexualismo, retirou-se a proibição ao divórcio. O Estado enfrentou a Igreja. Padres foram condenados por pedofilia e abuso sexual.
Seria possível que a Irlanda fosse tão frágil que a chegada da prosperidade pudesse mudar fundamentalmente sua cultura.
Os novos ricos tornaram-se estravagantes e vulgares, o consumo ostensivo parecia adcionar uma aura de histeria à atmosfera do país.Foi neste período que viajei pela primeira vez ao país, e nas conversar só se falavam de viagens, carros novos, casas novas. O país viveu uma época de conforto. Os aviões lotados. As festas de casamentos se tornaram maiores. As pessoas começaram a beber mais vinho e menos Guiness. A freqüência nas missas caíram, produtos estrangeiros começaram a lotar as prateleiras dos supermercados. Agora o país tentava selecionar os imigrantes aptos para as novas funções e novos mercados.
As pequenas cidades e pequenas comunidades mantinham o mesmo comportamento. Ainda que as oportunidades de ganhar muito dinheiro aumentassem, a idéia de se tornar escritor , ator ou músico ainda merecia profundo respeito.Pequenas companhias de artes queriam permanecer pequenas.
Muitas mudanças, mas entrando em qualquer pub de Dublin, via-se que as conversas continuavam seguidas de risadas de modo caloroso e divertido como as pessoas se relacionavam umas com as outras – diferente do que se via num bar em Londres ou em Paris. E ainda continua. O esporte ainda permaneceu no centro das coisas, principalmente o Hurling e o futebol gaélico. Sempre foi possível assistir uma partida e ter a impressão de que sempre se esteve nos anos 50. O mesmo sentimento e euforia. Apesar do boom econômico, para o bom irlandês o dinheiro era só dinheiro.
Ao contrário da pragmática Alemanha que resolveu fazer funcionar a sua reunificação. O governo alemão tomou o cuidado de não superaquecer a economia; os impostos continuaram elevados.Começou-se a desfazer a idéia de que a Europa era uma cultura única e deveria ser também uma economia única.
Em 2008, quando o governo americano permitiu que o banco de investimentos Lehman Brothers falisse,o Banco Central Europeu decidiu que isso não aconteceria com os seus bancos. O risco era alto demais. O Anglo Irish Bank, que crescerá muito às custas de crédito imobiliário, e devido ao abuso e a frouxa regulamentação na Irlanda, quando viram-se a beira da falência, procuraram o governo. Os políticos irlandeses que não tinham experiência financeira e gostavam dos banqueiros não desconfiaram que se o Estado salvasse do naufrágio os seus bancos, os custos representariam o dobro da receita anual com impostos. E inocentemente se dispuseram a garantir os bancos.
A bolha imobiliária estourou, assim como a receita governamental. O país vulnerável. Os banqueiros caíram em desgraça, não podiam se vistos sequer numa partida de golfe.
Os bancos irlandeses passaram a sobreviver com dinheiro do Banco Central Europeu, a Comissão Européia e do FMI, mas sob severas condições, levando o que pouco antes fora considerado um dos países mais ricos do mundo a uma economia moribunda.
Os políticos continuaram a se comportar como se fossem competentes. O partido de oposição em ira contra o Fianna Fáil que será provavelmente dizimado nas próximas eleições, pois fracassaram tanto no patriotismo como no pragmatismo, cedendo a soberania da Irlanda pela qual lutaram e morreram seus antepassados ao FMI.
No país, a emigração recomeçou, os jovens estão se mudando para a Grã-Bretanha, Canadá e Austrália. O país perde uma geração. As pessoas envergonhadas se perguntam como não perceberam. Por quê compraram casas que custavam tão caro e agora vale tão pouco?Confiou que a Europa viria salvá-los, sem pensar que pudesse também puni-los pela insensatez dos anos dourados. Por que confiaram no partido Fianna Fáil, cujos ministros não sabem patavina de economia?
As noites escuras do inverno serão um bom momento para romancistas, dramaturgos e poetas. È fácil deixar a televisão e o rádio desligados. No ínicio dos anos 1890, quando a Irlanda também estava de joelhos, o poeta W.B.Yeats viu o futuro da Irlanda como uma cera mole, um lugar que podia ser moldado, no qual a vida da imaginação poderia vir a assumir o primeiro plano. Talvez isso seja possível novamente, talvez os romances, peças e poemas passem a importar mais. Apesar do alto preço a se pagar pelo foi feito e pelo que o país se deixou fazer. E embora o estrago, esteja na superfície, afetando talvez o orgulho e o bolso, o espírito das coisas na Irlanda e a cultura não mudou muito nos anos do boom e não mudará agora que o país têm diante de si uma década de relativa pobreza.Isto foi o que vi e vivi neste final de ano no país.

Fonte:Artigo resumido  e adaptado de Colm Tóibin para a revista Piaui 52 de janeiro de 2011.

Fotos:Fabricio Matheus


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