sábado, 15 de janeiro de 2011

BRECHT NO CINEMA



Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem.
De todas as coisas seguras, a mais segura é a dúvida.
Tenho muito o que fazer. Preparo o meu próximo erro.Bertolt Brecht


Em um jantar na casa de amiga em Copenhagen há uns dois anos, falávamos sobre Berlim, meu próximo destino. À mesa multi-etnica, um de seus amigos, alemão, perguntou-me sobre meus planos em Berlim. O que eu faria e etc?Respondi-lhe que não era minha primeira visita à Berlim, mas entre outras coisas eu não deixaria de visitar O Berlim Ensemble e o Pergamon Museum. Atônito, perguntou qual era meu interesse especificamente no Berlim Ensemble? Respondi: - I Love Brecht, that’s all.
Ele atônito, perguntou à mesa se alguém, além de mim conhecia Brecht.E para a sua surpresa:- ninguém.Ele perguntou-me ainda mais curioso: Como vocês brasileiros conhecem Brecht? Respondi :-pelo teatro.
Contei-lhe das peças do dramaturgo que havia assistido, lido, dos poemas e etc.... A adaptação primorosa da Ópera dos três vinténs feita pelo Chico Buarque, transformada na obra-prima que é A Ópera do Malandro. E da última montagem que havia assistido na época que era a Mãe Coragem com a Maria Alice Vergueiro e direção do Sérgio Ferrara.
Falei da minha última visita ao Berlim Ensemble , quando pedi para uma alemã ,para tirar uma foto , e ela se recusou. A próxima vítima que abordei, se mostrou feliz e pronta para tirar a foto. Ela tirou a minha foto imensamente feliz, mas não tinha dedos...Paradoxos, quase brechtinianos.
Disse-lhe mais:- do disco Cida Moreira interpreta Brecht, da montagem da Ópera dos três Vinténs que assistirá em Buenos Aires e de Mahagonny de Brecht e Kurt Weill no Ópera Bastille, em Paris...
Enquanto me escutava, seus olhos se enchiam de brilhos e lágrimas. E ele me disse;- Eu nunca disse a ninguém, mas tudo que sou , devo à Brecht.
Contou-me que era filho de operários, cuja ideologia se formou com o ensinamento do Berlim Ensemble, que fora as peças do Brecht que o estimularam a estudar, e a mudar sua vida, numa Alemanha ainda destruída pela guerra e tentando se reerguer do terror do nazismo. Foi ali no pequeno espaço do teatro, que ele se formou “Homem”.Razão pela qual, um de seus filhos com a mulher dinamarquesa chamava-se Bertold.
Não por acaso, mas apesar das pessoas na mesa não conhecerem Bertold Brecht (1898-1956), ele é o dramaturgo mundialmente mais encenado depois de Shakespeare.Além de dramaturgo, poeta , o maior encenador alemão do século XX, cujos trabalhos artísticos e teóricos influenciaram profundamente o teatro contemporâneo.
Marxista, viveu um intenso período das mobilizações da República de Weimar, nos finais dos anos 20, desenvolvendo seu teatro épico, cuja principal influência foram os experimentos teatrais de Stanislavski, Meyerhold, Piscator e Viktor Chklovski.
Brecht como artista concentrou-se na crítica ao desenvolvimento das relações humanas no sistema capitalista, revolucionou a teoria e a prática da dramaturgia e encenação, mudando completamente a função e o sentido social do teatro, usando como arma de conscientização e politização.
O Teatro e as obras de Brecht chegou até nos a partir dos anos 40 pelas traduções francesas realizadas pelos escritores modernistas e por alemães exilados. Em São Paulo foi realizada a primeira encenação em 1945 de Terror e Miséria do Terceiro Reich, por um grupo de escritores e amadores. Em 1954, Alfredo Mesquita monta A Exceção e a regra, com alunos da Escola de Arte Dramática.
A primeira montagem profissional foi em 1958, A alma boa de Setsuan, com Maria Della Costa e direção do italiano Flaminio Cerri. Remontada recentemente com sucesso pela atriz Denise Fraga , com direção do Marco Antonio Braz. A primeira montagem no Brasil , acontece depois de dois anos da morte de Brecht. O que mostra até hoje, que sempre houve um desequilíbrio no país em relação a sua presença na forma de livros e nos palcos.
Seguiu-se a montagem pelo teatro Oficina de Galileu Galilei (1968) e Na selva das cidades (1969). Nos anos 70 a clássica , readaptação de Chico Buarque, A ópera do Malandro em 1978. Recentemente o grupo Galpão montou Um homem é um homem (2006-7) e a Companhia do Latão têm montado Brecht .
No final do ano passado foi lançado em DVD pela vertigem ,uma edição especial , Brecht no cinema, com três DVDs, com os principais trabalhos no cinema do dramaturgo, sendo que o terceiro DVD, além de depoimentos de especialistas, traz um documentário inédito sobre o Dramaturgo.
Para Brecht, o cinema teve influências profundas no seu trabalho, a interpretação gestual aprimorada pelo diretor na interpretação de atores e montagem de suas peças, deve-se muito ao cinema mudo e principalmente a Chaplin, que elaborara uma nova forma de figuração do pensamento humano.
Sua obra somente se completa no palco, onde é possível interferir através da atitude dos atores , cenários, música, sons e até do silêncio.
Apesar de sua tentativa com a indústria cinematográfica ter sido frustrante, nos 2 primeiros DVDs temos registrados muito do pensamento do dramaturgo. Sendo que A Ópera dos três vinténs (1931) direção de G.W.Pabst, foi filmada com os atores da primeira montagem e quase sem modificar o que Brecht apresentará no palco.
Kuhle Wampe (1932), com roteiro e direção de Brecht e Ernst Ottwalt, mostra a história de uma família operária durante a crise econômica na Alemanha.
O segundo DVD nos traz o filme Os carrascos também morrem (1943)direção de Fritz Lang, muito bom e com trama angustiante. E Os Mistérios de uma Barbearia (1923), filme mudo direção de Brecht, com atuação do famoso ator Karl Valentin e com pitadas de frases shakesperianas.
Os filmes foram restaurados, mas mesmo assim, mostram uma fotografia preto-e-branco impecável.
Enquanto assistia aos DVDs, todo o Brecht que vivi, foi retomado, assim como as canções e a voz da Cida Moreira.
Brecht no cinema , além de diversão, nos faz pensar no hoje; no mundo globalizado, nas crises econômicas dos Estados Unidos e Europa, nas tragédias da natureza, no mais humano em nós. Na arte como saída política e social. Na educação pela arte.
Brecht no cinema além de conhecimento, pode ser um companheiro de trabalho, um colega, como agradaria ao próprio autor, que sempre recusou qualquer homenagem aureolar a sua pessoa, onde podemos assimilar um pouco mais de suas transformadoras criações.

Arte:Fabrício Matheus


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