segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

HISTÓRIA DO PARQUE


"Não há nada nesse mundo que não tenha um instante decisivo"HCBresson

Correndo no parque do Ibirapuera, passei por um rapaz negro, melhor dizendo “afro-descendente” que me fez diminuir minha velocidade. Cruzo sempre com rapazes negros no parque , andando , correndo; têm um corredor que não têm o braço esquerdo, cada qual com sua individual característica.
Mas este rapaz tinha nos olhos, impregnado no fundo de sua retina, a mais clara definição de abandono, violência, compaixão, piedade, rancor , ódio e dor. Ele encarou o meu olhar por um rápido instante em que pude ler no fundo de seus olhos uma gama de sofrimentos dos homens que seu olhar traduzia. Depois abaixou a face, desviou seu olhar para baixo, como se percebesse que eu perscrutara algo além que ele queria esconder do mundo e dele mesmo.
Continuamos nossos caminhos , opostos. Eu correndo e ele andando. Novamente cruzei com ele, mas ele negava veemente a me olhar nos olhos como foi nosso primeiro olhar.Ele desviava o rosto mostrando claramente sua recusa em me olhar. Ou permitir que seu rosto ficasse defronte ao plano amplo de meus olhos.
Terminada a minha corrida, fiz alguns alongamentos como sempre e continuei a andar. Para minha surpresa o vi de longe, sentado sozinho num banco na margem esquerda do lago , em frente ao posto médico e a área de exercícios do lado do museu de Are Urbana.
Com medo e coragem me aproximei dele e perguntei-lhe se podia fazer uma pergunta? Ele com a voz tremendo , responde:
-Vai , manda véio.
Eu gaguejei , mas com coragem e medo lhe disse:
Quando passei por você pela primeira vez, desculpa se eu estiver errado...
-Vai, vai desembucha...
Eu te achei a pessoa mais triste , com um olhar tão cheio de dor que me comoveu...
Por um segundo achei que ele fosse me esmurrar, dentro deste milésimo de tempo pensava rápido como fugir se isto acontecesse...
Mas ele levantou seu rosto, me encarou com o mesmo olhar. Seu rosto tinha menos rancor e seu olhar represava toda a dor da humanidade...
Minha vida é uma merda, eu sou um merda, minha família é merda , eu tô na merda e começou a chorar.
Eu queria fugir dali, e pensava na merda que tinha me metido. Uma merda que eu agora sentia o cheiro e não sabia o que fazer; se fugia, se gritava ....agora era eu que não consegui encarar o rapaz.
A dor da alma é infinitamente maior que a ferida mais pútrida da carne. O único remédio, talvez , sejam os ombros e os ouvidos.
Eu naquele silêncio eterno que se fez entre o rapaz e eu, não sabia o que dizer. Por mais estranho que pareça, sem pensar e por instinto,  pus minha mão sobre a mão do rapaz. Estava abrindo a boca para lhe pedir desculpas, quando ele falou:
-Brigado veio! Fazia maior tempo que não consegui chorar.Tô parecendo uma manteiga derretida.Mas tô melhor.
Sabe que quando te vi, pensei , mais um viadinho filho da puta correndo. Agora quem tá parecendo viadinho é o chorão aqui.
Eu percebi que desculpas não era a palavra. Eu só disse que ele tinha me tocado profundamente a alma. E disse-lhe de todo coração, que talvez tê-lo encontrado seria a coisa mais importante do meu dia, e foi.
Ele disse :Valeu mano, pra eu também!
Desejei-lhe um feliz natal. Disse meu nome e perguntei-lhe o dele?
Ele respondeu : Welligton, pronunciando fortemente o G do meio do seu nome, como se esse detalhe , este G no meio do nome, desse significado ao seu ser e a sua existência.

Desenho:Silvio Oppenheim

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