terça-feira, 27 de julho de 2010

PORTO ALEGRE


Passei o final de semana em  Porto Alegre .A primeira vez que visitei a cidade foi há vinte anos. Num congresso de estudantes de medicina , no inverno em julho. Na noite saindo de Ribeirão Preto, um colega gritou menos uma bicha no mundo e anunciou a morte do Cazuza que na época agonizava de AIDS.
Fomos instalados num ginásio aberto e fazia muito frio, com um vento gelado que entrava pelo teto côncavo de alumínio. Niazi, meu colega e eu, resolvemos apelar para o Albergue da Juventude e para lá mudamos em busca de mais calor. Fazia um frio que já não se faz mais... E usava além dos pulôveres coloridos de lã de Lhama peruanos , um casaco de camurça apache. Fomos para as Serras: Gramado, com as hortênsias queimadas pelas geadas e amanhecendo sempre branca da geada que caia durante a noite. Foi lá a primeira vez que comi a Marta Rocha, a torta e não a ex- Miss.Fomos a Canela e a cascata do Caracol.Nesta época Niasi queria ser o papa da oftalmologia e eu queria ser simplesmente: - Freud.
Depois voltei , já formado e terminando a residência em Ginecologia e Obstetrícia, recém chegado de Paris, onde houvera feito um estágio em Medicina Fetal . Era considerado um Golden boy, iria começar a pós graduação na USP de São Paulo com a orientação do Professor Sang e me chamavam de francês. Fiquei neste período num hotel 5 estrelas , dividi o quarto com o Robson que hoje é médico em Anapólis. E tudo me parecia tão antigo, tão passado.
Nestes anos muita coisa mudou, menos o centro histórico de Porto Alegre que continua o mesmo. Envelheci, mas ao passar novamente pelos arcos da Borges de Medeiros,parecia eu há vinte anos com meus pulôveres coloridos e casaco apache , com as franjas ao vento e meus sonhos. Como a Madeleine molhada no chá, o tempo se esvaiu... como a areia de uma ampola do tempo e voltou ao passado no presente.Não houve ressentimentos, nem arrependimentos. Uma sensação de que eu cresci e trago sempre em mim meus sonhos de infância e as aventuras do jovem que eu fui outrora. E este frescor do passado me faz jovem no presente.Mesmo no museu Julio de Castilho , eu estava com o meu eu de antes e o meu eu de agora e não sabia se era antes ou era agora.
Fui a Porto Alegre pela pintura de Iberê Camargo e redescobri a literatura de Erico Veríssimo, a prosa cotidiana de Caio Fernando Abreu e a poesia de Mario Quintana. Os guaúchos são amabilíssimos, mas me perdoem : sua capital não é bela. Há algo de triste no sul que não têm no norte ensolarado, talvez o clima leve a introspecção. Há algo de fechado mesmo com o horizonte infinito da cidade espelhada nas águas do grande rio.
Da beira-rio, as margens do Guaíba, onde descrevem os mais resplandescentes e crepusculares entardeceres. No sábado não tinha sol e chovia fino. Passei por quase tudo , do Centro Cultural do Gasômetro, Casa de Cultura Mario Quintana, Centro Cultural Santander que tinha a exposição :Horizontes expandidos. Centro Cultural Érico Verissimo, Mercado Público , casa do Artesão gaúcho e outros pontos na praça da matriz como o Teatro São Pedro.Nos locais turísticos, os funcionários não sabiam informar onde ficavam um outro local , às vezes vizinho, às vezes o próprio local.
À noite fui ao teatro de Arena na rampa da Borges de Medeiros sobre os mesmos arcos que pareciam não ter tempo.
Na manhã de domingo , caminhei pelo parque Farroupilha (Redenção)em frente a Universidade, onde cheguei à cidade há 20 anos e estava tendo um congresso de estudantes de geologia.
No aeroporto, notei pela primeira vez papel higiênico nos mictórios masculinos, com cestas. Particularmente, não tinha visto isto em lugar nenhum do mundo.Parti sobrevoando o Lago Guaíba, o Delta do rio Jacuí e parecia que caminhava em folhas molhadas da chuva de inverno do sul , com uma sensação de pisar de novo nos meus sonhos.

Fotos:Fabricio Matheus

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