segunda-feira, 29 de novembro de 2010

DEUS DA CARNIFICINA by BARBARA HELIODORA


O teatro em sua forma mais nobre

Para lembrar o poeta, o pós-moderno que me desculpe, mas o texto é essencial. Não quero negar o mérito de outras formas, mas quando um texto expressa bem uma ação significativa, o teatro se apresenta em uma de suas mais nobres manifestações. A francesa Yasmina Reza vem se afirmando como um dos mais sólidos talentos dramatúrgicos dos últimos tempos, e “Deus da carnificina” é mais um bom exemplo de suas qualidades. Um diálogo brilhante (muito bem traduzido por Eloísa Ribeiro) retrata a emergência do poder dos mais primitivos e violentos sentimentos de dois casais supostamente “civilizados”, quando qualquer incidente (no caso, uma briga entre os filhos, ainda meninos) rompe o verniz da cortesia e revela a verdade reprimida. Não que haja qualquer real semelhança entre as duas peças, mas a estrutura de Yasmina Reza é parente da “Virginia Woolf” de Edward Albee. A autora situa com precisão as diferenças profissionais e culturais de seus dois casais, assim como as semelhanças e diferenças nas relações de cada um deles em si. Assim como Harold Pinter diz que a tragédia “é quando as coisas deixam de ser engraçadas”, o riso é frequente no desenrolar dessa carnificina, mas é precisa a evolução para as revelações mais dramáticas e reais que têm lugar nessa ótima peça.
A encenação é em tudo e por tudo digna do texto: original e imaginativo o cenário de Flavio Graff, muito boa a luz de Renato Machado, assim como os figurinos de Marília Carneiro. A música e o som de Marcelo Alonso Neves só pecam por uma introdução muito prolongada que não estabelece qualquer clima específico ligado ao texto. E brilhante é a direção de Emilio de Mello, que capta tanto a perspicácia quanto as incontáveis variações do clima da ação e a personalidade e a funcionalidade de cada personagem.
É raro ver um elenco tão equilibrado quanto o que ocupa neste momento o palco do Teatro Maison de France: Orã Figueiredo explora bem o marido mais modesto de informação e cultura, enquanto Deborah Evelyn executa com exatidão e emoção o papel da dona da casa, proclamada defensora da cortesia e da cultura, cujo temperamento é cruelmente revelado pelo duelo com o casal visitante, pais do menino que agrediu seu filho. Paulo Betti e, principalmente, Julia Lemmertz, nos papéis mais elaborados, têm atuações primorosas, completando o excepcional equilíbrio interpretativo desse ótimo espetáculo
Nestes últimos tempos, são raríssimos os espetáculos da qualidade desse imperdível “Deus da carnificina”.
Como diz minha amiga : Por quê reinventar a roda. Adorei o espetáculo, recomendo, queria escrever sobre , mas Barbara escreveu com clareza e precisão que lhe é própria.

Texto de Barbara Heliodora publicado no Globo 05/09/2010
Fotos de divulgação do espetáculo.







Um comentário:

  1. E agora em SP! Gosto muito de Yasmina Reza. Vamos ver se dá para ver por aqui. Boa dica!

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