domingo, 5 de setembro de 2010

MAMA AMIGA


"Para conseguir a amizade de uma pessoa digna é preciso desenvolvermos em nós mesmos as qualidades que naquela admiramos."Sócrates


Quando entrei no quarto para examiná-la , notei no criado-mudo o livro “Câncer de Mama :Diagnóstico e Tratamento”. Perguntei se algum médico tinha esquecido. Dona Alice me respondeu que era dela. E disse de pronto que os médicos não sabiam nada...
Dona Alice sempre respondia monossilabicamente. Nunca seus lábios expressavam qualquer sinal de sorriso.
Do lado de Dona Alice, com o mesmo diagnóstico e tratamento , ficava o leito de Dona Zilda. Esta era o contrário da vizinha.Para Dona Zilda, era Deus no céu e os médicos na terra....
Tinha estudado o prontuário médico das duas e sabia entre outras coisas que Dona Alice era casada e tinha três filhos e Dona Zilda era só.
Observei-as atentamente durante a visita familiar. Dona Alice mantinha o mesmo comportamento distante e silente. A vizinha, o contrário.
Perguntei à Dona Alice e pedi que me desconsiderasse como médico. O quê eu como pessoa podia fazer por ela?
-Nada, foi sua resposta.
Mais um nada carregado de tudo, pois foi onde começou a me contar que sempre fazia os exames rotina ginecológicos, pois a mãe morrerá de câncer. E ela tinha certeza que este seria seu fim, mesmo com os exames negativos. Até que um dia veio a sentença. Ela vivia dizendo para os médicos que ela tinha a doença e eles diziam que não. Mas um dia a mamografia mostrou algo que se confirmou o veredito. E o martírio que ela própria antevia aconteceu, e com ela a descrença no semelhante.
Disse a Dona Alice que se ela já sabia que iria morrer , pois esta é nossa única certeza. Por quê não considerar a possibilidade de desfrutar seus últimos dias com alegria e harmonia junto ao marido e os filhos que tanto a amavam . Dona Alice disse que tinha razão. Que ela estava descontando o quê ela nem sabia, sua dor, na família.
Pela primeira vez sorriu. Aí começou sua mudança.Dona Alice aos poucos ficou mais humana, mais mortal. Conversava mais com a vizinha, sorria para a enfermagem. As visitas com a família eram mais alegres. Sua transformação refletiu –se também no tratamento e para com os médicos.
Dona Alice tirou o livro do criado mudo.Teve alta , voltou aos retornos e um dia se foi....Seu marido contou-me os detalhes como algo bom. Relatou-me sua mudança e como isso aproximou a família, e deu-me de presente o livro que ela exibia no criado, com uma dedicatória desejando-me sucesso na profissão e na vida.
Para minha surpresa , aproximadamente seis meses depois. Ao abrir a porta , para chamar Dona Zilda, a vizinha de Dona Alice , num de seus retornos. Vejo, sentado e de mãos dadas, o marido de Dona Alice.
Dona Zilda, como sempre, contou-me tudo sem que eu sequer perguntasse. Disse que o viúvo de Dona Alice, seu futuro marido sabia de tudo sobre câncer de mama. Que ela nunca tivera ao seu lado alguém tão dedicado. Disse, que a amiga, a tinha presenteado com uma família adorável.Continuava grata à Deus, aos médicos e agora também à amiga.

Arte:Fabricio Matheus

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