Estas imagens eu as
vi e vivi no periodo do meu estágio na psiquiatria. Num hospital, tinha uma
paciente internada que sem cabelos penteava sua longa cabeleira imaginária.
Aquilo ficou marcado para sempre. Queria ser psiquiatra ,e sou. Somos um pouco
aquilo que fotografamos, como repete o Márcio Scavone, todo retrato é um
auto-retrato. Além dela, uma outra paciente, que não se mirava no espelho, passou anos sem ver sua própria imagem para a
qual escrevi a história abaixo, a quem dedico este ensaio, com um toque de
Francis Bacon. Todos tememos o espelho!!!!
Afinal todo espelho pode conter a chama do olhar da medusa e nos petrificar...
Afinal todo espelho pode conter a chama do olhar da medusa e nos petrificar...
LA FOLLE DE CHAILLOT
é uma peça de teatro de Jean Giraudoux, em que a personagem principal diz para um rapaz: - Ao
meio-dia todos os homens deveriam chamar-se:
- Fabricio.
Dona Inês e o espelho
Dona Inês tinha obesidade
mórbida, certamente seria candidata a uma cirurgia de redução do estômago, mas
naquela época iniciava-se a laparoscopia. A medicina evoluí. Internou com mais
de duzentos quilos, não conseguia andar e mal respirava. Quando a conheci já
havia perdido setenta quilos e estava na casa dos cento e cinqüenta.
Tivemos uma empatia imediata
e Dona Inês me surpreendeu ao revelar-me imediatamente que não se olhava no
espelho há mais de dois anos. Tinha mandado retirar todos os espelhos de casa,
não dormia com o marido há mais tempo e não saia de casa.
Dona Inês continuou a perder
peso, mas ainda recusava-se a olhar no espelho. Adorava cozinhar e novelas, sonhava com elas. Entre trocas de
receitas e outras conversas, contei da
minha paixão pelo teatro e que iria assistir a peça Esta Valsa é Minha no
teatro Cultura Artística, com a Tônia Carrero em solo interpretando a Zelda
Fitzgerald . Ela me referiu que queria ser linda como a Tônia Carrero. Eu
respondi que ela era linda como Dona Inês.
Trouxe para Dona Inês uma
foto da atriz autografada: Para Inês um abraço Tônia Carrero. Naquele dia ela
honrou nosso pacto secreto, e com medo e coragem olhou
no espelho. Dona Inês chorou e disse sussurrando: Eu até que sou bonita...
Dona Inês exibia com orgulho
a foto da atriz que ficava na cabeceira de sua cama. Agora, olhava todos os
dias no espelho. Ela voltará a se amar. Continuou pertinaz em sua dieta. Perdeu
peso suficiente para se submeter a uma cirurgia plástica, retirou excessos de
gordura e teve alta.
Nos retornos, sempre mandava
me chamar estava eu onde estivesse. Sempre trazia consigo a foto da atriz e
sempre alguma guloseima, uns docinhos que fazia com todo carinho para mim. Em
um dos retornos estava loira e só faltou usar lentes azuis. Segredou-me entre
outras coisas que tinha feito sexo com o marido. Ela estava muito bem e
continuava a se amar.
Seus retornos ficaram mais
longos. A última vez que a vi, ela
estava desanimada, envergonhada, tinha
ganhado peso. Tentei reanimá-la e lembrei
que ela era tão bonita quanto a Tônia Carrero.
Não adiantou, Dona Inês não
mandou me chamar mais, começou a faltar nos retornos e abandonou o tratamento.
Um dia me avisaram que Dona Inês tinha morrido e que levava em suas mãos além
de um rosário de pérolas falsas, um envelope.
Fotos: Fabricio Matheus
OBS: Dona Inês e o espelho já foi postado, repito-o de propósito como um
compositor que volta a algumas notas, ou um escritor que repete seus personagens.
Não tinha lido antes. Lindo como tudo o que você escreve e com a vantagem de ter inspiração na sua realidade cotidiana. Parabéns!
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