domingo, 12 de agosto de 2012

LA FOLLE DE CHAILLOT/A louca de Chaillot







Estas imagens eu as vi e vivi no periodo do meu estágio na psiquiatria. Num hospital, tinha uma paciente internada que sem cabelos penteava sua longa cabeleira imaginária. Aquilo ficou marcado para sempre. Queria ser psiquiatra ,e sou. Somos um pouco aquilo que fotografamos, como repete o Márcio Scavone, todo retrato é um auto-retrato. Além dela, uma outra paciente, que não se mirava no espelho,  passou anos sem ver sua própria imagem para a qual escrevi a história abaixo, a quem dedico este ensaio, com um toque de Francis Bacon. Todos tememos o espelho!!!!
Afinal  todo espelho pode conter a chama do olhar da medusa e nos petrificar...
LA FOLLE DE CHAILLOT é uma peça de teatro de Jean Giraudoux, em que a personagem principal diz para um rapaz: - Ao meio-dia todos os homens deveriam  chamar-se: - Fabricio.


Dona Inês e o espelho
Dona Inês tinha obesidade mórbida, certamente seria candidata a uma cirurgia de redução do estômago, mas naquela época iniciava-se a laparoscopia. A medicina evoluí. Internou com mais de duzentos quilos, não conseguia andar e mal respirava. Quando a conheci já havia perdido setenta quilos e estava na casa dos cento e cinqüenta.
Tivemos uma empatia imediata e Dona Inês me surpreendeu ao revelar-me imediatamente que não se olhava no espelho há mais de dois anos. Tinha mandado retirar todos os espelhos de casa, não dormia com o marido há mais tempo e não saia de casa.
Dona Inês continuou a perder peso, mas ainda recusava-se a olhar no espelho. Adorava cozinhar  e novelas, sonhava com elas. Entre trocas de receitas e outras conversas, contei  da minha paixão pelo teatro e que iria assistir a peça Esta Valsa é Minha no teatro Cultura Artística, com a Tônia Carrero em solo interpretando a Zelda Fitzgerald . Ela me referiu que queria ser linda como a Tônia Carrero. Eu respondi que ela era linda como Dona Inês.
Trouxe para Dona Inês uma foto da atriz autografada: Para Inês um abraço Tônia Carrero. Naquele dia ela honrou nosso pacto secreto, e com medo e coragem  olhou  no espelho. Dona Inês chorou e disse sussurrando: Eu  até que sou bonita...
Dona Inês exibia com orgulho a foto da atriz que ficava na cabeceira de sua cama. Agora, olhava todos os dias no espelho. Ela voltará a se amar. Continuou pertinaz em sua dieta. Perdeu peso suficiente para se submeter a uma cirurgia plástica, retirou excessos de gordura e teve alta. 
Nos retornos, sempre mandava me chamar estava eu onde estivesse. Sempre trazia consigo a foto da atriz e sempre alguma guloseima, uns docinhos que fazia com todo carinho para mim. Em um dos retornos estava loira e só faltou usar lentes azuis. Segredou-me entre outras coisas que tinha feito sexo com o marido. Ela estava muito bem e continuava a se amar.
Seus retornos ficaram mais longos. A última vez que a vi,  ela estava  desanimada, envergonhada, tinha ganhado peso. Tentei  reanimá-la e lembrei que ela era tão bonita quanto a Tônia Carrero.
Não adiantou, Dona Inês não mandou me chamar mais, começou a faltar nos retornos e abandonou o tratamento. Um dia me avisaram que Dona Inês tinha morrido e que levava em suas mãos além de um rosário de pérolas falsas, um envelope.  

Fotos: Fabricio Matheus
OBS: Dona Inês e o espelho já foi postado, repito-o de propósito como um 
compositor que volta a algumas notas, ou um escritor que repete seus personagens.







Um comentário:

  1. Não tinha lido antes. Lindo como tudo o que você escreve e com a vantagem de ter inspiração na sua realidade cotidiana. Parabéns!

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