segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

POESIA POESIAS


“A vida é apenas uma ponte entre dois nadas e tenho pressa.”

“Eu me fui, eu me sou, eu me serei em cada um dos girassóis do reino a ser feito. E as coisas terão que ser claras. Releio o que escrevi neste caderno, desde janeiro, revejo o que vivi. Tudo me conduziu para este here and now. Tudo terá que ser claro. How can I tell you?”CaioF.Abreu

Hoje, segunda-feira, passei a tarde com um amigo. Fazia tempo que não nos víamos e já faz um tempo que nós conhecemos. Conhecemos numa terapia de grupo onde num esforço, escancarávamos nossa dor e nosso pranto nos ombros de iguais. Assim nosso encontro foi sem máscaras, mas com as feridas das dores à mostra. Ao contarmos nossas dores, amores , fraquezas, rancores, dissabores... íamos aos poucos esvaziando do peito e da alma uma dor comum. Terapia. Contar, escutar , compartilhar...
Enfim, quase todos do grupo; tornamos uma família de amigos , na qual temos a liberdade de contarmos nossas infelicidades, nossos desejos e revelar sem medo nossos segredos secretos , aqueles que escondemos até do terapeuta. Passamos às vezes um tempo sem nos encontrarmos, mas quando nos revemos há um quê de alegria e felicidade entre iguais, quase infantil, um sentimento de ser feliz sem culpa.
Chovia muito, e os jardins tornou-se os rios que se encontravam nos cruzamentos formando mares d’água intransponíveis, intransitáveis como acontece quando chove muito em São Paulo.
Almoçamos juntos, atualizamos nossas vidas, o suficiente para acender a emoção. De guarda-chuvas à punho fomos ao Cine-Sesc Augusta, onde além da exposição de Mario Tursi “Outro olhar do cinema italiano” com fotos dos filmes principalmente de Visconti, assistimos o filme POESIA do coreano Lee Chang-Dong.
Um filme-poema , simples , sensível, apesar de um pouco longo. Um filme que começa com um rio que corre como a vida com o tempo. Começa destoando da beleza da arte escrita em verso, com um corpo de um cadáver juvenil boiando neste rio que abre e fecha o filme.
A protagonista, Mija, uma senhora de sessenta e seis anos que com uma dor no braço, descobre ao acaso o ínicio do Mal de Alzheimer . E que ao mesmo tempo que a adolescente que se suicidou, essa tragédia da perda da vida na aurora dos anos , têm ligação com o neto que ela sustenta e cria cuidando de um idoso para complementar a parca renda.
A partir do sofrimento, esta sexagenária solitária e questionadora se matricula em um curso de poesia. Desafiada pela vida, sua busca pela inspiração poética a faz nascer novamente, observando a natureza, como uma criança , redescobrindo o mundo numa metamorfose espiritual.Mija também cativa por seu amor- próprio, é simples, mas está sempre elegante, bem vestida.
A história é fragmentada, mas aos poucos ,o sentido se faz na sua totalidade como a própria vida. O diretor filma com simplicidade, trabalhando com essa tensão aguda entre um realidade bruta e a tentativa de sublimá-la através da arte. O cinema é assim. A poesia, claro , também o é. A arte não visa afastar o artista ou o espectador da realidade. Pelo contrário permite uma imersão mais completa nesse real, que de outra maneira seria inatingível.É o que descobrirá Mija quando puder concluir seu poema. Como ensina seu professor, a poesia deve vir do coração, do fundo. E no fundo, é mais que isso. É pela própria imersão na dor do mundo, até então ignorada, que a senhora Mija vai adquirir uma visão mais profunda de tudo aquilo que lhe esta acontecendo. A poesia ajudará a dar forma a essa sensação talvez insuportável.Poesia se faz entre palavras e silêncios.* Saí doído. Ainda chovia e estava com o meu amigo para trocar olhares, silêncios e palavras...
Meu amigo se foi porque têm outros caminhos .E eu me fui porque tenho outros caminhos.Desci sozinho o rio Augusta , caminhando com o guarda-chuva preto com um céu azul com nuvens por dentro, mas o mundo não era o mesmo de antes . Era como dizia Heráclito, como se eu mesmo tivesse atravessado o rio do filme, e do outro lado vislumbrasse outro mundo, outro eu.
Na esquina da Rebouças com a Oscar Freire, de longe um mar de carros com os pára-brisas em movimento parecia uma dança ensaiada, uma poesia no caos molhado da metrópole, que me fez sorrir como uma criança ou como a senhora Mija.(Não é trocadilho, nem piada!mas gostei do som...)
Já em casa e seco, o café e o croissant tinha um outro gosto, não de poesia , mas o de se surpreender com o nada , com o simples , e essa surpresa já ser o bastante para a alma. Bastar-se de si e do cotidiano nas entrelinhas das pequenas coisas.Viver. Confesso que foi uma tarde chuvosa em que atravessei rios, me molhei da chuva e vivi como se o tempo se estendesse num simples encontro , no estar no presente e no momento e ponto.
Na noite anterior assisti Lixo e Purpurina no Sesc –Pompéia , texto de Caio Fernando Abreu, sobre exílio, amor, solidão,dor, desejo, vida...Como Caio escreve bem,e descreve bem os sentimentos com uma naturalidade e poesia. E uma clareza de transformar lixo em purpurina. O seu pensamento brilha na direção de Chico Ribas,responsável pela trilha musical sensacional, de uma sensibilidade irmã de Caio e de fazer chorar. Dramaturgia de Kiko Rieser, iluminação de Roberto Bueno Mendes e interpretação de Davi Kinski.O espetáculo é dedicado à memória do teatral Alberto Guzik.Poesias...

“A lua já se foi. As plêiades como dizia Safo, já foram se deitar. E eu vim-me embora, meu Deus, eu vim-me embora...”Caio F.Abreu.

Arte:Fabricio Matheus

*Trecho transcrito da crítica de Luiz Zanin Oricchio publicada no Caderno 2 do Estado de São Paulo na sexta 25 de fevereiro.Não poderia escrever melhor!!!

2 comentários:

  1. Pô, legal ter gostado da nossa peça. um abraço.

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  2. Valdecy e Derland, obrigado, já dei uma olhada e li o Blog de vcs. Além de inspiração, sinto uma maior responsa.Abçs blogueiros

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