sábado, 26 de fevereiro de 2011

O PROCESSO



"Justiça é consciência, não uma consciência pessoal mas a consciência de toda a humanidade. Aqueles que reconhecem claramente a voz de suas próprias consciências normalmente reconhecem também a voz da justiça."Alexander Solzhenitsyn


Dia 9 de fevereiro foi a primeira audiência do meu processo trabalhista no Tribunal do Trabalho em Mogi das Cruzes.
Comecei a trabalhar em Mogi em 1998, por indicação de amigos de turma que ali montaram seus consultórios. Comecei na época na empresa que se denominava Cedigo, substituindo uma colega estava de férias no Japão. Neste período ia quase todos os dias. Não tinha carro, e acordava às 5 da manhã para estar lá antes das o horas, às vezes, deixava a cidade por volta das 20 horas.
Com a volta de minha colega, passei a ter um horário definido na clínica, e logo me quiseram como sócio. Meu contador analisou o contrato de sociedade e estava todo errado, além de não querer deixar São Paulo, assim continuei duas vezes por semana. Comecei em março de 98, em agosto do mesmo ano já tinha meu carro e ia duas vezes por semana.
Alguns períodos, tivemos nosso salário atrasado, mas nunca deixamos de ser pagos. A clínica Cedigo fechou, os donos continuaram o mesmo. Mudou-se o endereço e nome para a praça Norival Tavares, agora Instituto da Mulher da Mogi Imagem. Mesmo a Cedigo sempre esteve ligada a Mogi Imagem.
A supervisão do Instituto do Mulher continuou com o mesmo dono, sendo o responsável principal o Dr.Benedito Cunha. Ficamos um período de tranqüilidade e felicidade neste endereço, sem problemas de salário e com uma equipe que em conjunto trabalhava com alegria.
Nunca neguei que trabalhava em Mogi pelo dinheiro, mas tinha algo lá , que me fazia sentir mais médico. Eu realizava exames mais específicos, e toda semana , pelo menos um caso de um paciente que estava há meses em agonia era por mim resolvido. Isso, dava-me uma satisfação profissional que aliada ao salário me fazia sentir bem no lugar. O respeito e interação com todos os outros profissionais também sempre de maneira ética e cordial, fizeram deste período um cotidiano tranqüilo.
Aproximadamente em 2006, resolveram fechar esta filial, e concentrar os serviços nas clínicas situadas no centro, na Tenente Manoel e na Campus Salles. De uma forma geral tirando, o desconforto do local , o serviço funcionou sem muitas alterações. Nesta mesma época começaram a ocorrer alguns atrasos no salário.
O setor de ultra-sonografia ficou localizado somente na Campus Sales e outros sócios vieram a fazer parte da diretoria clínica do empreendimento. O negócio é complexo, Mogi Imagem, é um apelido para uma associação de empresas, um Nick name que não têm valor jurídico, ou seja, são as empresas que respondem pelo nome.
Neste período, quiseram reduzir meu salário, como fazia somente exames mais específicos e me deslocava de São Paulo, era natural que ganhasse mais. E fazendo um ultra-som obstétrico do futuro neto do Dr.Benedito , cujo pai era advogado, e brincando me disse que se errasse o sexo do bebê iria me processar, foi que comecei a selar pelos meus direitos.
Indicado por um amigo do teatro, também advogado, procurei o escritório de advogacia Cornacchioni. Passando assim a ser orientado pelo Dr. Heitor. Mas o que aconteceu foi somente piorando, passaram a não pagar nossos honorários. E trabalhava nesta época de segunda de manhã e terça o dia todo. Fazia duas salas, às vezes , cerca de cem exames por dia.Quando faltava um médico , além de minha agenda , conseguia fazer a do colega. Como disse , os atrasos foram ficando constantes. E trabalhar demasiado, sem nada receber, não há pessoa que consiga. Assim sendo no final de outubro e novembro de 2008, comecei avisando que se não recebesse parte do que estavam me devendo, não iria continuar. Os responsáveis continuavam a ser o Dr.Benedito, agora junto com o Dr. Gustavo o o Dr. Luiz. Coincidências , ou não, nunca os achava na clínica nos meus dias de serviço. Meu último dia foi no dia 25 de novembro, estavam me devendo mais de 6 meses de trabalho. Não me pagaram, e fiquei sabendo por colegas, que pagaram alguns médicos.
Não abriram mais a minha agenda. Depois de telegramas orientados por meu advogado, recebi um telefonema informando que me pagariam o devido em 4 meses à partir do dia 05 de janeiro de 2009. O que não aconteceu. Disseram que pagariam em duas vezes à partir de março e também não se cumpriu. Com um telefonema do meu advogado, o Dr. Luiz assinou um termo de compromisso de dívida e que pagaria em 6 vezes, o que também não aconteceu.
ODr. Benedito sempre foi um homem justo, sei que lhe doía o processo de transformação que se iniciou com os novos sócios, o que lhe provocou um infarto fulminante.
Meu advogado entrou com duas petições, a primeira referente aos honorários não pagos, que pelo primeiro juiz, considerou o caso como da vara civil, por se tratar de dívidas entre empresas., este ainda está em processo de julgamento. O outro, foi referente aos dez anos de serviços prestados à clinica, com horário fixo, duas vezes por semana, sem nenhuma falta, sem férias , décimo terceiro e demais tributos que nunca tive direito, pois hoje se um médico , quiser trabalhar precisa ter sua própria empresa, fornecer notas, ou nenhum emprego o aceita, ou emprega como empregador, exceto , os serviços públicos, que pagam cada vez menos.
Depois de dez anos de serviços prestados com ética de devoção, fui dispensado sem nenhuma palavra, sem nada, como se tivesse não existido.
A primeira audiência no dia nove de fevereiro, pareceu-me a meu favor. Os advogados das três empresas que formam o complexo cujo nome É Mogi Imagem, apesar da arrogância , pareciam peixes fora d’água, pareciam desconhecer o assunto.Não levaram testemunhas, e a única pessoa que testemunhou entrou na empresa no ano de 2009, jamais tinha me visto e confirmou tudo o que estava nas laudas. O juiz não chamou minhas testemunhas que eram três,três pessoas que trabalhavam comigo e forma por respeito e admiração ao que mostrei neste dez anos de trabalho na cidade. O juiz também não adiou a sessão, cujo adiamento foi veementemente pleiteado pelos advogados da clínica.
O caso será julgado no dia 03 de março , independente do resultado, sinto um alívio. Lutei e luto pela justiça e contra a injustiça a mim cometida deslavadamente, desmedidamente por colegas de profissão.Alguns colegas da clínica, aliás, muitos , ficaram sem receber e como trabalham e moram na mesma cidade deixaram a coisa por estar.Fui o único médico que lutou por seu direito.Foi uma luta kafkaniana, interior e exterior, uma luta resumida num resgaste do amor próprio, contra a servidão humilhante e sem voz.
Certamente o processo, como todos os outros, levará tempo;será longo. Mas espero que cedo ou tarde, a justiça se faça. Que a mesma raie com sua venda e sua balança, e realmente penda para o lado justo e ético.

Arte:Fabricio Matheus
Foto: Conor O’Byrne
Ilustrações:Honoré Daumier

3 comentários:

  1. Dureza conseguir o que é devido, certo, justo. Tomara que dê tudo certo.

    ResponderExcluir
  2. Depois de mim , agora alguns médicos começaram a me ligar e já pensam em entrar com ação contra a clínica. Como escreveu Caetano: "Quem mais goza e pena e que serve de Farol...ÊTA!!!!"

    ResponderExcluir
  3. Prezado Fabrício, na data de hoje foi publicada sua sentença na ação contra o grupo Mogimagem, que foi totalmente favorável ao pedido. Agora precisamos aguardar para ver se as empresas vão recorrer ao Tribunal ou não. Parabéns pelo resultado. Abs. Heitor

    Heitor Cornacchioni
    Advogado

    ResponderExcluir