terça-feira, 5 de abril de 2011

O PEQUENO MÉDICO de Graziela Gilioli


“Que a saudade é o revés de um parto
A saudade é arrumar o quarto
Do filho que já morreu” Chico Buarque.

Comecei em março na Escola Pan Americana um curso de fotografia. Sou médico, ator, serei fotográfo e muito mais talvez...
Como médico minha formação se deu com a morte da minha avó. No último ano da graduação médica. Ela já tinha comprado o meu presente de formatura, que era uma maleta médica, cujo segredo era 76 anos. Ela morreu no dia 12 de outubro aos 76 anos e fui um de seus médicos. Vi a sua morte acontecer passo a passo. Os outros médicos da equipe, resignados por ser minha avó, na sua segunda parada cardíaca, tentaram trazê-la novamente , mas eu gritei como um médico e homem.:-Chega! Acho que estava pronto para ser médico.
Tive uma imensa sorte de ter uma família humana e que sempre cultivou as artes.Assim antes de médico, sou humano e homem , mortal e comum como todos os demais. Meus mestres também sempre aliado ao conhecimento científico, também ressaltaram-me sempre a ser humano, a escutar. A vida , os livros, viagens e tudo o mais ensina-me um pouco a cada dia. Sou antes de tudo um observador.E estou constantemente inventado e me reiventando.
Como ator, me formei no papel do Diabo da peça o Concílio do Amor de Oscar Panizza. Um presente , que me ensinou muito mais , ou um pouco mais sobre nós homens em geral e me deixou mais humano do ponto de vista médico.
Minha formação inicial como médico foi ginecologista e obstetra. Hoje faço a parte de imagem, basicamente ultra-sonografia. Mas continuo sempre um observador. As mulheres sempre me encantaram com o seu poder de renovação, como uma fênix renascida. Elas são infinitamente superior aos homens neste sentido, de colocar a beleza no momento e de descobrir a beleza no mais simples dos atos.
Esta introdução talvez fosse desnecessária e em absoluto não é egolatria. Talvez seja para justificar que minha observação ao meu semelhante faça parte do meu aprendizado do mundo.
Entre as colegas, depois das devidas apresentações, a Graziela chamou-me a atenção. Não só pela espontaneidade, mas pelo seu jeito de falar e olhar e respirar como se a vida fosse cada segundo. Não somente sua fala , mas seu corpo fala dessa necessidade vital de vida. Quando ela nos conta com uma “alegria” num sentido profundo do ser de alguém que consegui fazer da dor , do desespero, um ato de arte e amor.
Somente no intervalo da aula quando falei com ela , foi que ela me disse que o livro que ela escreverá contando sua experiência com a doença, o câncer de seu segundo filho chamava: O Pequeno Médico, por quê o Alê queria ser médico.
Fiquei muito curioso para ler o livro e o encomendei na mesma noite , depois de visitar o site e seu site de fotos. Graziela já é uma fotografa profissional e ainda aprendendo.
Uma das curiosidades que me despertou foi o querer do Alê de ser médico. Eu demorei a me decidir, fiz direito, admnistração;parei. Formei em medicina. Cursei uma ano de Filosofia. Iniciei formação em psicoanálise. Formei ator.
Sei que tenho um “DOM”, sei que toco meus pacientes mesmo fazendo exames, mas minha paixão é a arte, o teatro. Talvez algo maior que se defina como a própria vida. Talvez por isso esta inquietude, este reinventar os dias, criar sempre ilusões e ter sempre sonhos e fantasias.
Pedi o livro pela Livraria Cultura, que sou cliente fiel. Por um problema com a editora o livro demorou quase 10 dias. Mas chegou hoje.
Quando o porteiro me avisou, já tinha até lido um e-mail da Livraria de que o livro chegaria hoje e posso dizer que com esta delonga, já estava desanimado.Tinha programado um filme com a Elizabeth Taylor, estou fazendo uma mostra particular.Hoje seria “Adeus às Ilusões” dirigido pelo Vicente Minelli.
Fui para a cama com o livro e comecei a ler a capa, a contra-capa, os agradecimentos... quando vi tinha começado a ler o livro. Viajei pelo cometa do Pequeno Médico , que é muito bem escrito. Sua leitura além de aprendizado, é prazerosa. A história de uma mãe diante da dor do filho , que também se reinventa num outro mundo sombrio, que certamente não tem nada haver com o mundo adolescente. Mas com o apoio, ternura, amor e até humor enfrentam em família e com os amigos uma despedida tocante e transformadora que de certa forma traz a cada um que esteve pela história um pouco da essência , e da compreensão do sentido da vida. Como a celebração como um rito, que suavizasse o “inaceitável”. Graziela teve a força e a coragem de Jó. E o mais interessante é que escreveu uma história que não tem nada de resignação e buscas do além para explicações que talvez mais console que expliquem. Ela viveu a dor nos mínimos momentos com luta , verdade e vida.
Li o livro de uma tacada só. Relembrei e revi com ele e com a história do Alê, o meu ser “humano”, o meu ser “médico”,minha infância e muito mais. Apesar de termos histórias tão diferentes, têm momentos tão parecidos. Como “grande médico” no sentido de tempo e de ser adulto, acho que todos os médicos deveriam ter este “pequeno médico” , este olhar infantil , este entendimento , esta escuta da criança atenta. Como a infância adormecida que devemos sempre recuperá-la por mais adulto que sejamos.
O Pequeno Médico, talvez só pudesse ser escrito por uma mulher, por uma mãe.Mas é um livro para todos. É de se emocionar! Graziela fez do Pequeno Médico uma poesia e escreveu uma fábula de amor.


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