quarta-feira, 26 de maio de 2010

MEA CULPA









Entrou na sala atropelando-me como um furacão de ansiedade.Seus olhos estavam arregalados como se estivesse num matadouro, num sacrifício, ou diante de uma sentença de morte que ela já sabia. Suava frio; não precisava dizer, mais disse que estava muito nervosa.Era a primeira vez que fazia este tipo de exame, ultra-sonografia transvaginal. Estava com medo do exame.Tinha certeza que estava com câncer.
Não me deixou explicar com se realizaria o mesmo. Bombardeou como uma metralhadora, uma bazuca com mil perguntas desconexas. Ela sempre repetia que sabia que tinha câncer.
Continuava com os olhos esbugalhados e suando frio.Tentei acalmá-la, começando com perguntas :- Se ela tinha antecedentes familiares de câncer?Se tinha tido sangramento?Emagrecido? Ou algum sintoma ou sinal que justificasse seu medo e que me permitisse uma investigação direcionada em busca de uma resposta e diagnóstico preciso. Era eu que agora a enchia de perguntas mil que ela respondia negativamente a quase todas. Quando senti que estava mais tranqüila, expliquei o procedimento e comecei o exame.
Ela era professora , vinte e poucos anos, formação universitária, solteira...Continuei com mais perguntas; enquanto na tela, encontrava pequenos miomas num útero de tamanho normal ,sem grandes conseqüências ou alterações. Ovários com folículos , também normais. Fui relatando os achados, reforçando sempre a não gravidade dos mesmos, disse lhe inclusive que não atrapalhariam uma futura gravidez.
Ela estava mais calma e me olhou profundamente com os olhos d’alma, humanos: e me contou com medo que sua certeza de que tinha câncer era porque ela era lésbica. E o câncer seria a punição a sua condição e opção sexual.
Expliquei –lhe que dificilmente ela teria câncer de colo do útero cuja epidemiologia é mais sexual, doença sexualmente transmissível, HPV, promiscuidade sexual.Conversamos e lhe orientei a realizar os exames ginecológicos de rotina e preventivos.
Ela agradeceu o atendimento e agora era outra pessoa, mais calma, já sorria. Talvez ali tivesse começado a apaziguar não o tumor de que tinha tanta certeza possuir, mas sua dor.Sua culpa, que a impedia de gozar plenamente sua opção sexual . Saiu um pouco mais leve, um pouco mais livre, um pouco mais feliz....
Sua história me fez lembrar uma querida amiga, que hoje mora nos Estados Unidos e durante um esquenta pré-carnavalesco no Rio, com um pessoal do Viva Cazuza, ofereceram –lhe uma camisinha que ela negou e disse não precisar. O rapaz fez um discurso furioso e sem fim sobre a importância da camisinha para a prevenção do HIV. Somente quando ele terminou, foi que ela pode lhe apresentar sua namorada.

Desenhos:Silvio Oppenheim
Fotos :Fabricio Matheus

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