A Tempestade de Gabriel
Villela
Há peças e peças, há
diretores e diretores e há Shakespeare.
“A tempestade”, de Shakespeare, é uma obra
complexa, em que aparecem vários dos temas favoritos do autor, como aparência e
realidade, a presença constante do mal, o bom governo, e em particular o
confronto entre o natural e o cultivado, tudo envolto em uma forma de romance
aventura e componentes de contos de fadas .
A trama é armada em torno da usurpação do
ducado de Milão por Antônio, com o duque banido, Próspero e sua filha Miranda,
vivendo havia doze anos em uma ilha, onde é servido por Ariel, um espiríto
alegre e hábil , e tendo para os serviços pesados Caliban, um canibal
domesticado que aprendeu a falar.
Uma tempestade mágica traz à
ilha , Antônio, o rei de Nápoles, que o ajudou na usurpação, e o filho deste,
Ferdinando. Tendo afinal nas mãos os antigos desafetos, como nos outros
romances da fase final do autor, os filhos como instrumentos para a paz entre
os pais; e Próspero, a fim de voltar a Milão como duque , renuncia a magia,
para governar sem recursos que não sejam humanos . ( Barbara Heliodora).
A peça tem por
título um dos símbolos mais recorrentes no universo shakespeariano, seu
enredo é a superação do conflito trágico que movia as peças anteriores , o
personagem de Próspero compartilha muitos elementos que o assemelham ao
próprio autor, o epílogo trata da
metalinguagem e da criação poética.
A Tempestade pode ser
considerado o testamento artístico do autor. É possível ver em A tempestade uma
bela reflexão e homenagem à imaginação, criatividade e ao fazer artístico. Há
nela um velado otimismo e um tom sereno, que nos permite vislumbrar a complexa
relação do artista e sua arte.
Para Harold Bloom, a
capacidade de Próspero de governar e
manipular todos em sua ilha, o torna semelhante a um diretor de teatro, uma
analogia à encenação onde o palco seria a ilha. Próspero, possivelmente
inspirado no Fausto de Marlowe, pode ser o autor ou o diretor Gabriel Villela.
A encenação de Gabriel
Villela, como a peça, traz várias pinceladas de sua trajetória como artista. Eu
que o acompanho desde “Você vai ver o
que você vai ver”, “Concilio do Amor””Vem buscar-me que ainda sou teu”, ‘Romeu
e Julieta”, “A vida é sonho” , "Rua da amargura", "Ventania" e todas as
outras , vi sua Tempestade, como uma rememoração de seus trabalhos e uma
homenagem ao teatro que o influenciou. Sua ilha-sertão é do tamanho do mundo. O
sertão-ilha é dentro da gente.
Gabriel, que tem nome de
santo, como o rei de Nápoles, começa nos embalando com a cantiga de marujos e
sua tempestade é pura poesia, é lúdica e
azul e já nos faz querer sonhar...Com
Villa –Lobos já estamos encantados, e é só o começo. ..
Como o Próspero, ele desfila
sua magia teatral e faz homenagem ao teatro que o influenciou.
Temos um Caliban de Hélio
Cicero, canibal, que chega com a deusa dos mares, e têm os pés presos no barro
dos potes de Minas. É genial!Hélio Cícero num russo-antunes canta o tema de
Romeu e Julieta do Zeffirelli, é uma ”Nova velha história”.
Ferdinando é um Nijisnky do Naum. Ferdinando (Marco
Furlan)e Miranda ( Leticia Medella) são
Romeu e Julieta de Gabriel.
Os sons e a música da ilha de
Gabriel são únicos. O Ariel de Chico Carvalho é um vaga-lume lanterneiro que
risca psius de luzes. O Próspero de Celso Frateschi é imaculado. Como disseram
para o Paulo Autran quando o mesmo representou Próspero, cabe aqui; agora falta
O Lear.
“Representar é aprender a
viver além dos levianos sentimentos, na verdadeira dignidade”, nada mais
mineiro para os atores e suas vozes veludas, veludosas vozes nos potes de
Minas. O eco grave das cavernas.O mistério.
Tudo é tão mineiro , tão
sagrado, tão universal, tão teatral!
Dagoberto Feliz (Trínculo), Romis Ferreira
(Estéfano) ,Leonardo Ventura (Alonso), Rogério Romera (Antônio), Felipe Brum
(Sebastian) e Rodrigo Audi (Francisco) completam a família mineira em perfeita
sintonia e harmonia. Como diria Barbara Heliodora, estão todos preparados para
o texto em que a palavra é crucial, e exige um clima tão poético e imaginativo
como a própria tempestade.
Os músicos atores, Celso
Frateschi na flauta, Dagoberto Feliz no
piano e no acordeon e Chico Carvalho no violino.
Gabriel Villela no seu tutu
mineiro, mistura Pena Branca e Xavantinho e Shakespeare e fica lindo, sublime.
A direção musical e
preparação vocal é de Babaya. A iluminação de Wagner Freire é a água que rodeia
a ilha. Os figurinos como sempre é uma obra de arte; os bordados, composições que mesclam cores, crochês,
teares, rendas... Os adereços e objetos de arte de Shicó do Mamulengo.
Gabriel Villela em sua
Tempestade dá a exata dimensão que deve ter Próspero e sua trajetória do desejo
de vingança para o perdão , e a aceitação de sua condição humana e de
governante responsável.
Shakespeare sabe que a
ambição é parte do homem e que jamais estaremos livres de nós mesmos.
Gabriel nos dá o Ouro de
Minas. Na coroa do Rei, o Bardo. O prazer da Arte.
Despertamos do sonho da
Tempestade de Gabriel Villela e em mares calmos embarcamos com os atores na Jangada de Caymmi. De alma
nova, os óio se enche d’água que até a
vista se atrapaia....
A Tempestade de Willian
Shakespeare
Tradução Marcos Daud
Direção Gabriel Villela
Elenco: Celso Frateschi,
Helio Cicero, Chico Carvalho, Letícia Medella,
Marco Furlan, Dagoberto
Feliz, Romis Ferreira, Leonardo Ventura, Rogério Romera, Felipe Brum, Rodrigo
Audi
Teatro Tucarena
Sextas, sábados e domingos
Texto e fotos : Fabricio Matheus
Foto1: João Caldas
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